terça-feira, dezembro 26, 2006

Last night

She said: oh baby, I feel so down...

fim de ano, natal, amiga longe, amiga perto, mãe, pai, cachorro, ateliê, seda, metrô, calor, viagem, avião, praia, maiô, café, vaga, suco, livro, dormir, bebedeira, discos, coca-cola, piscina, rpg, sauna, irmã, shopping, jardim, yoga, produção, redação, Ipanema, brechós, casa da vó, casa do pai, casa da mãe, casa de quem?, poesias, violão, cantoria, los hermanos, filmes, curtas, figurino, teresópolis, o globo, revistas, muitas, jamie lidell, stevie wonder, mergulho, som roubado, caetano, orquestra imperial, pizza, diagonal, travessa, dança, professor de dança, marvin gaye, coluna, joelho, miopia, saara, tingimento, renda, guipir, museus, ccbb, paris, rue de rennes, encontro, reunião, jobi, bazar, lojas, leblon, baixo gávea, soul baby soul, strip-tease, the strokes, matriz, cabaret kalesa, informal, petiscos, zero zero, dj, aniversário, casa nova, barcelona, gaudí, mosaico, andança, domitila, maria bonita extra, zara, huis clos, fnac, cidadão instigado, b-52's, cerveja, todinho, salada de frutas, gula-gula, sono de manhã, alongamento, dança de salão, gotan project, natalie merchant, taschen, fotos digitais, cirque du soleil, o clipe da madonna, carro, vale do loire, vinícolas, castelos de princesa, tapeçaria, caio f, a dama e o unicórnio, vintage, praia da reserva, pepê perto do wind, asa-delta, bloco de rua, elis e tom, tom zé, novos baianos, egon schiele, musa, desenho, gerchman, terapia, discussão, jane monheit, kubrick, peanuts, tribuneiros, blóguis, fotolog, orkut, mensagem de texto, aula de francês, voar de balão, primos, primas, tios, tias, qinho e os cara, os outros, copacabana, fotógrafos, fashion rio, caderno ela, chapéu, vestidão, chinelo, lygia fagundes telles, livro novo do nick hornby, mario vargas llosa, dias ferreira, gasolina, roberto carlos, maria bethânia, peer gynt, almodovar, woody allen, o ano em que meus pais saíram de férias, paulinho da viola, marisa, são paulo, leonilson na galeria luisa strina, casa batló, hang on little tomato, chororô, despedidas, calcinha da verve, esther weitzman cia de dança, isadora duncan, focus cia de dança, vivienne westwood, yoshimoto nara, caronas pra todo mundo, calça xadrez, jeans skinny, je vais étudier, palaphitas, belmonte de ipanema, cafeína, minha cama, travesseiro, brownie da didi, doc dog, sapato de cetim, flor na cabeça, cabeleireiro novo, a bunda da marylin monroe, george michael ao vivo, giverny, jardim das ninféias, planos, conclusões e quase tudo inacabado.

como diria o lobão: 2006 foi roquenrou meio nonsense.

(tô de autos e volto em 2007)

sexta-feira, dezembro 22, 2006

quinteto.

Foi no dia em que ela teve insônia e a gente discutiu relação platônica no telefone. Foi no dia em que ela me ensinou a apagar postes. Foi no dia em que a gente conversou mais no telefone que no café. Foi no dia em que ela riu quando eu disse "bocó" e foi nesse dia em que ela me mandou tomar vergonha na cara e ir atrás dele. Foi no dia em que ela desmarcou e eu fiquei brava. Foi no dia em que ela sacou que era sério e eu também.

Foi no dia em que eu fiquei sentada no sofá e ele me contou histórias. Foi no dia que a gente falou até a garganta secar e que a gente percebeu o poder que tínhamos de virarmos seres inquietos e que não calam a boca na companhia um do outro. Foi no dia em que a gente falou muito dos medos e eu vi que ele era tão confuso quanto eu sou e foi no dia em que a gente teve idéias geniais e que a gente descobriu que ser vizinho era melhor.

Foi no dia em que a gente se despediu no café e ela foi andando pra só voltar depois de quatro meses e foi no dia em que a gente resolveu que trabalhar juntas era tão bom quanto as trufas que comeríamos juntas meses depois. Foi quando a gente leu Vogue num frio de bater queixo, foi no dia em que a gente trocou figurinha sobre produtos de cabelo. Foi nesse dia que a gente viu Lecuona no DVD e amaldiçoou aquelas bailarinas invertebradas. Foi no dia em que a gente foi no parque de diversões e brincou de bate-bate, foi no dia em que ela agiu como eu adoraria que ela agisse.

Foi no dia em que a gente descobriu que tínhamos o cd do Cardigans em comum, foi no dia em que a gente voltou da festa de vidro aberto e som roubado cantando Hopelessly Devoted to You. Foi no dia em que eu cuidei dela de bebedeira e foi no dia em que ela me ensinou que convite pra almoçar não podia ser recusado. Foi no dia em que eu não me importei se ia falir no fim do mês por causa dela. Foi no dia em que ela me ensinou mergulho de roupa às 5 da manhã. Foi no dia em que eu entrei na casa dela lá em outro país e a gente se abraçou forte à beca.

Foi no dia em que tudo furou e eu fiquei em casa ouvindo B-52’s e eu só queria todos juntos bebendo e rindo que nem antes. Foi no dia em que eu vi a dimensão que eles tomaram na minha vida e o espaço que eles passaram a ocupar. Foi nesse dia em que bateu uma puta saudade. Foi no dia em que eu espalhei fotos deles na parede do quarto. Foi no dia em que eu vi que isso era irreversível.

:: Nothing compares to you - Prince

segunda-feira, dezembro 18, 2006

O que não tem cansaço, nem nunca terá

Eu esperava ansiosamente o mês de dezembro. Os preparativos começavam em Agosto e o burburinho ia aumentando com o passar das semanas, de repente víamos as manhãs de sábado serem ocupadas por ensaio e num piscar de olhos o chão da academia virava um grande tapete colorido e brilhante de sapatos e sapatilhas enfileirados cobertos de purpurina e tinta. Todas as etapas do processo eram motivo de excitação e ansiedade: da escolha do tema à apresentação final, os menores detalhes viravam motivo de alegria. O espetáculo de fim de ano de dança era mais que uma apresentação para os pais e amigos, era uma celebração da nossa vontade de comunicar movimento, de uma união de pessoas que falavam através de corpo. Todo aquele exercício diário de ballet e outras técnicas, as eventuais contusões e dores, os tendões sobrecarregados, os desafios e tantas frustrações por não conseguir a pirueta perfeita, os ensaios que nos tomavam o tempo da praia e do sono, enfim, subir naquele palco era a compensação pela disciplina e uma catarse coletiva de meninas que viam na dança um meio, não um fim.

18 anos depois e uma retrospectiva de tantos espetáculos vividos me deixa com um nó na garganta e os olhos marejados. No começo era uma farra de criança e experimentar a fantasia era um delírio e merecia algazarra. Com o tempo a fantasia virou figurino, eu fui para os bastidores desenhar as roupas que eu mesma ia vestir e o prazer dobrado me dava ainda mais borboletas no estômago. As borboletas desapareciam no momento em que eu ficava meio cega ao pisar no palco e espremer levemente os olhos contra a luz forte. No fim de cada número eu nem lembrava que minutos antes quase fizera xixi de nervoso. Com o tempo os números aumentaram e eu me via trocando de roupa encolhidinha na coxia, uma pessoa desamarrando meus sapatos, outra molhando o meu cabelo pra mudar o penteado e de repente a maquiagem que escorria já não era tão importante assim. Nos primeiros anos de dança gel era acessório básico tão importante quanto a sapatilha. Com a coisa cada vez mais contemporânea só o que precisava era de um borrifador pra manter o cabelo molhado e solto e dos meus pés cheios de calos e pele machucada. Com o tempo os dias de ensaio geral eram passados o dia todo no teatro colando linóleo no chão, dormindo nos camarins e transformando em amizade aquela relação de aluno e professor. Com o tempo a gente começou a achar o iluminador um gato, a costureira me ligava quando tinha dúvidas e eu pesquisava preços de gráficas para imprimir o programa da festa. Com o tempo eu fui percebendo o quanto eu era completamente dominada pela vontade de dançar e dançar e com o tempo também eu fui crescendo e nem sei bem como de repente tudo ficou tão diferente que eu virei platéia.

Descobri que ser platéia era bacana mas que eu me emocionava demais num misto de nostalgia e boas lembranças e certeza de ter aproveitado tão bem e de ter vivido um caso de amor eterno com essa coisa, e também uma certa melancolia de estar do outro lado e uma certeza maior ainda que eu estava do lado errado.

Amanhã é o dia do espetáculo e eu já avisei que vou chorar. O problema da dança é que ela te satisfaz de modo que 18 anos não são suficientes. Seria preciso uma vida inteira.

:: You really got a hold on me - The Beatles

sábado, dezembro 16, 2006

Esmalte

Foi na semana que fez aquele dia quente de doer, pés inchados e eu ia sentindo a roupa toda grudando e a testa oleosa, cabeça no tanque e deu meio-dia quando ela ligou. Ela sempre ligava essa hora, acordando, perguntando do vestido. Eu descrevia um pouco a peça, e sempre ocultava um detalhe para que houvesse surpresa. Eu separava as rendas e arrumava as fitas de cetim enquanto que ela bocejava lá num outro bairro e ia como se arrastando até a xícara de café. Duas colheres de açúcar. Eu esquentava meu almoço e ela esquecida no sofá, xícara na mão, jornal espalhado em volta e a unha do pé sempre vermelha. Impecável, ela era, sempre com suas roupas bem cuidadas e os cabelos num penteado daqueles de revista. Eu enfiava os cachos pra debaixo de um lenço e comia correndo, com pressa e então ia cortar as sedas, comprar a linha certa e sentava na máquina, o tecido fininho ia escorregando devagar, sempre numa linha reta e muito calculada, eu começava a juntar os pedaços pro vestido que fazia pra ela. Ela preparava a banheira e jogava na água quente pequenos saches de lavanda, ficava horas compridas, olhos fechados e o barulhinho dos seus braços se movendo na água. Eu fervia água pra tingir sua seda, combinava pozinhos de cores diversas até conseguir o azul que ela gostava, um tom com uma pitada de turquesa, mas muito discreto e chique, como tudo o que eu costurava pra ela. Eu via a luz do dia cair e pregava as rendas no barrado, debaixo do abajour eu ia ia dando ponto por ponto, fazendo uma pequena trama de rendinhas muito estreitas. Eu experimentava a roupa na manequim, checava se não havia esquecido alfinetes espetados nas rendas e por fim amarrava a fita de cetim na cintura. Embrulhava o vestido em papel fino e o acomodava numa sacola. Eu deixava o embrulho pontualmente às 19:45 na casa dela, que vinha à porta em seu roupão estampado, sua pele muito clara contrastando com as flores pretas do tecido japonês e ela me oferecia um chá. Eu sentava na cozinha bebericando da caneca enquanto ela provava a roupa. Voltava com um cheque e um sorriso satisfeito, e toda semana era assim: eu era sua costureira há 8 anos e ela nunca se queixava dos vestidos, usava-os em suas festas e jantares, desfilava meus modelos pelos países por onde viajava e eu sempre imaginava que devia deixar um rastro de flores pelo caminho, sempre achei que de seus pés saíam pétalas e folhas perfumadas e que a cada passo dela podiam-se ouvir suspiros. Eu ia para casa feliz por ter agradado, tomava um banho morno e me enrolava no lençol, dormia cansada e no dia seguinte começava um vestido novo. Foi então que a vi, pela primeira vez a vi na rua, eu estava a caminho de sua casa para entregar-lhe um novo modelo e ia andando 20 minutos adiantada. Ela abria o portão da frente e parecia uma boneca de porcelana: usava o vestido com roda plissada, cetim de seda de um vinho escuro, na cintura o laço um tom acima e sandálias de salto muito fino, de um cobre envelhecido. Esperei a hora certa e fiquei espiando pela janela. Como de hábito, bebi meu chá na cozinha. Demorou mais que de costume e parou na minha frente, as duas mãos na cintura, o roupão colorido e em poucas palavras sentenciou minha morte: não preciso mais deles, não preciso mais de vestidos novos. Lentamente me recompus do susto, peguei a sacola com o vestido recusado e tantos outros que eu agora sabia que não faria mais. Me virei sem dar tchau, sem perguntas e fui caminhando pra casa a pé. Nenhuma explicação, nenhum sentido e quando girei a chave na porta de casa foi que caí. Demorei no banho. Coloquei meu melhor perfume e vesti o modelo recusado, o meu melhor trabalho, uma composição de rendas das mais finas, 4 metros de fitas de cetim, o tom bege como se tivesse caído no chá e pequenos cristais que reluziam com o movimento. Calcei meu sapato de festa e apliquei o batom. Quase já não ouvia a vitrola. Pus a flor no cabelo e assim como num tango lento e arrastado e dramático ateei fogo nas roupas. Morri com as unhas dos pés pintadas de vermelho.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

nós.

“Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você.”

Eram 7 e 45 da noite quando eu senti os primeiros sintomas. Era quinta-feira e o tempo ameaçava chover, eu calçava sandálias e andava por ruazinhas quase prendendo a respiração, o cheiro dos becos do Centro da Cidade, urina escorrendo para os bueiros e uma chuva que não chove, a gente aqui nesse lugar abafado e tanta coisa abafada além do ar e eu com uma vontade do seu perfume. Nessa época a cidade parece que fica invadida por luzes que não páram de piscar e a paisagem some e desaparece em segundos e toda vez que eu volto a abrir os olhos e as luzes se acendem de novo você não está mais onde estava. Eu procurava um chiclete na bolsa enquanto olhava no relógio, 7 e 47 agora e a gente dançando abraçados, suas mãos no lugar certo e eu querendo e pedindo pra música não acabar. Volto à tona e dou meia-volta, pisco de novo e nada, você some e anda em outra direção e eu fico dando voltas, enfio as mãos no bolso e desenho círculos com as solas das sandálias gastas.

Eu enlouqueci nesse dia. Cheguei em casa e Caio F me olhava incrédulo da prateleira, como quem sabe e como quem diz finalmente, baby, agora vai conhecer a China ou espetar agulhas nesses braços finos, grita até perder a voz, mergulha bem cedo sem roupa no mar e anda até a curva mais longe e então procura uma montanha bem alta e salta, mas antes disso, por favor, criatura, AME de novo. Ele sabe que eu fiquei diferente, assim meio descrente e com raiva. Ele me olha do alto da sua experiência e me manda sair dessa obssessão que isso não é paixão que nada, isso é essa mania de ser só, esse medo de somar, essa covardia que você não assume, agora fica aí, entre lamentos e torturas, parada, imóvel e doida e andando no meio de gente que não vai te empurrar nem pra frente nem pra trás.

Eu deixo escapar uma lágrima e sento no cantinho meio encolhida, quase cena de novela.
Caio F disfarça e ri assim meio cúmplice me chamando de boba, eu sei como é, ele diz, e acrescenta que isso passa, que loucura de vez em quando é que nem um soco que a gente precisa levar, que é nessa crise que a gente realiza um monte de vontades, que é nos acessos de raiva que a gente bota pra fora, que essa coisa que cresce e consome e bagunça os cabelos, que essa coisa põe a gente em alerta. Caio F acha que eu tenho mais é que ficar doida e sair por aí falando sem parar, Caio mesmo fala pelos cotovelos e lamenta não poder me visitar no auge dos meus dias insanos, imagina a gente enchendo cinzeiros, sim porque com ele os cinzeiros sempre transbordam e então a gente ia sair numa noite fria pulando poças, íamos entrar num lugar escuro qualquer e encher a cara de tanto álcool que um de nós dormiria jogado no corredor do prédio assim como um rockstar entorpecido.

Caio F sabe que eu enlouqueci numa quinta-feira que ameaçava chover e me olha da prateleira como quem diz um monte de coisas essenciais e quando eu tento me reprimir e procurar um remédio terapia tarô hipnose cerveja ou um maço de cigarros ele me manda sentar e me diz desaforos, diz que eu não posso viver assim desistindo dos planos. Ele odeia quando eu deixo os sonhos irem se esmaecendo. Ele me manda sentar e me olha escancarado: vai fazendo assim até que um dia a inteligência vai martelar na sua cabeça que a sua vida não foi nada linda por sua grande incompetência em enterrar seus medos, você sempre dando tantos passos pra trás, fugindo de sorrir, receosa dos seus dentes tortos, querendo ser perfeita com esse jeito de Madre Tereza e no fim só vai te sobrar isso, esse horror, esse amargo forte, um gosto de ressaca e a garganta seca, a torneira sem água e as mãos pesadas enfiadas nos bolsos da calça, ah seu eu soubesse...

Vou dormir sem dar boa-noite e Caio cai displiscente da prateleira como que adivinhando. Ele sabe que ando com vontade de cantar. “Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático”. Não faz mal, ele diz. Caio F me beija e me abraça, nossos ossinhos se batem até fazerem clack e a gente chora um pouquinho, meio envergonhados, baixinho pra não acordar ninguém.

Antes de fechar os olhos eu ainda pisco um tanto, à procura dele. É Caio quem aparece. O máximo que você vai ter é uma cara quebrada, um coração picado e moído e toda aquela coisa te rasgando que você já teve e agora você está aí inteira, não está? Viro pro lado, me cubro até os olhos, pisco mais duas ou três vezes. Caio F sabe, não adianta fugir. Um dia desses ainda fico presa no elevador com ele e então.

:: Canto de Ossanha, versão Elis Regina.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Transtorno obssessivo

(sobre yoga e calor)

A função do dia foi fazer o curativo da tatuagem da Charlotte, que a propósito é a minha “par” na confecção mais quente do mundo. A Charlotte parece ser uma das pessoas mais calmas do planeta, já até combinamos de fazer yoga juntas. Foi a Charlotte que me explicou, finalmente, o que é astanga mysore. Astanga Mysore, até quinta-feira, era apenas uma categoria curiosa de ioga para mim. A tabela de horários do Nirvana contém duas observações sobre esta aula: o aluno poderá chegar até 30 minutos do término da prática, que dura o triplo do tempo. A coisa ficou ainda mais estranha quando descobri a segunda obs: de acordo com a tradição, a astanga mysore não será praticada em período de lua cheia. Segundo a Charlotte, a tal da aula de astanga mysore é uma aula “livre” onde o aluno (a essa altura eu diria que o aluno atingiu o status de iógui-jr) pratica a sua própria prática independentemente da turma. Nenhum tipo de astanga deve ser feito ou melhor, praticado em período de lua cheia porque o exercício de iôga astanga já é muito intenso, bem como os períodos de lua cheia, portanto seria um exagero fazer os dois juntos. Ao que parece, yoga também é astrologia (antigamente yoga se escrevia com y e se dizia ióga, como eu não sei mais quem está certo eu escrevo e falo de várias formas).

Um dia desses eu estava esperando pelo começo da minha iyengar e uma aula de mysore ia começar. Notei que o professor estava 10 minutos atrasado e concluí que essa aula só pode ser uma zona: você chega uma hora atrasado e faz o que quer. É a graduação da yoga.

Iyengar, por sua vez, consiste numa prática muito paradona onde as posturas são exploradas minuciosa e demoradamente. É bastante recomendada para nós possuidores de colunas estragadas, bem como iniciantes da prática, pois que nela você aprende a usar seu corpo de forma a não se machucar e a atingir um alongamento intenso. Iyengar é chato pra cacete e dói que nem um cão, mas creio ser a forma mais rápida de aprender anatomia, inclusive a sua própria. Dia desses na aula de Iyengar básico o professor começou a dizer o quanto era importante conhecermos os nossos limites e nos ajustarmos a eles (e creio que as explicações e filosofices dos mestres ultrapassem o caráter didático em alguns casos podendo ser aplicados metaforicamente em diversas situações – olha a yoga virando psicologia aplicada). Foi quando ele deu um exemplo: você olha pro lado e vê a pessoa com a perna lá na orelha e fica triste porque a sua nem chega perto. Mas aí você pensa naquela macarronada que só você sabe fazer.

Foi quando concluí que a iyengar é quase uma terapia em grupo: você divide suas dores com o professor, que tem tempo de corrigir todo mundo e ainda busca apoio nos ensinamentos dele.

Isso tudo eu pensei no mesmo dia em que eu vi um sujeito vendendo coelhos no Saara. Eram tão pequeninos que cabiam na palma de sua mão. Eu pensei que era muita sacanagem o cara vender coelhos naquela confusão, que se nós humanos (com coluna boa ou não) já sofremos naquele ambiente imagina um coelho bebê.

Foi nesse mesmo dia que eu concluí que a sala da costura onde as máquinas trabalham é muito mais fresquinha do que a sala onde eu passo a maior parte do tempo. Além disso concluí que cinco técnicos de ar-condicionado foram incapazes de consertar o nosso. Por que mesmo eles são chamados de técnicos? Não sei. Só sei que foi assim.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Tango, suor e suco de uva

Minha função principal é a de assistência de estilo. No entanto, minha principal tarefa do dia foi copiar cds da chefinha pro computador pra gravar no i-pod dela depois. Com isso meu i-tunes ganha mais um monte de músicas, eu pego cds-r emprestados da empresa (as if...) and when I get home to you eu só quero dormir dormir dormir.

Fico feliz de não ter morrido de calor ainda e confesso que estou seguindo o "só por hoje". Tem dado certo, depois de 3 dias estou aqui viva.

O suco de uva do McDonald's é qualquer coisa de N O J E N T O. Por que chamam aquilo de suco de uva? O último suco de uva que mamãe comprou também era meio esquisito. E o pior é que esqueci o nome do que ficou em primeiro no top 5.

Ioga às 7:15 da manhã com uma sujeita chamada Shakti. É pra rir? Nã nã ni. Dói. M U I T O. A Shakti está em primeiro lugar no meu ranking dos professores que um dia ainda vão me matar de esforço e esticação de membros (estou escapando da morte diariamente, serei eu um gato?).

Bajofondo Tango Club. Não é o Gotan Project mas é bom. Veio tocando no trajeto até em casa e me fez feliz. Estou ligeiramente louca por tango, não que o meu conhecimento sobre o assunto seja, digamos, considerável. Mas de verdade mesmo, precisa ter algum?

Filmes na PUC. Aquele da peruca queimada. A M E I. Tenho uma amiga cineasta e ela é demais. O filme ficou belo e ainda está semi-acabado, quando ficar totalmente pronto eu vou me emocionar. Foi uma delícia fazer parte do processo e melhor ainda foi ver a coisa dando certo ao lado dos amigos!

Tenho um amigo que me dá o melhor abraço do mundo!

No fim do dia meus pés ficam inchados e minha manteiga de cacau derretida. Fora a roupa que fica grudadinha nas costas. Isso quando eu não fico grudadona no banco do carro (no metrô eu não me arrisco a sentar).

Estou numa fase de temas obssessivos. Só vou falar de calor durante um tempo... Eu tentei variar o assunto durante esse post mas na verdade o que eu queria mesmo dizer é que hoje no final do dia os homens chegaram pra consertar o ar-condicionado da confecção. Vamos todos rezar a oração que o Senhor nos ensinou????

:: Ouvindo Natalie Merchant porque eu ADORO! cantoras que gritam e se esgoelam!

::: obs. ADORO! a aparição de gente nova nos comentários.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Notícias do SAARA - mais uma parte

Eu faço trabalho voluntário. Ou quase isso. Trabalho por solidariedade e se esse não é o principal motivo do trabalho voluntário então me corrijam.

Meu primeiro dia de trabalho foi, pra ser exata, um longo e caloroso deja vu. E quando digo caloroso não pensem na afetividade que a palavra pode conotar, pensem em calor mesmo.

Faz mais ou menos um ano que saí do atelier de uma estilista porque ou eu fazia aquilo ou ia passar férias no Juqueri. No dia em que entrei no metrô de volta pra casa, sabendo que nos dias e meses e anos e vidas seguintes não teria que voltar praquela confecção de gente doida, eu respirei fundo e prometi mentalmente que jamais me meteria em furada semelhante. Devia ter assinado algum papel que me desse cobertura.

Tudo aconteceu semana passada, quando fui inocentemente almoçar com a ex-chefa. Queria matar saudades, papear apenas. Eu estava totalmente desarmada quando ela me pediu pra voltar. Me encheu de elogios e disse que eu era tão boa pra ela, que sentia tanto a minha falta e aí, bem... Já faz uns meses que saí da terapia e deu no que deu: voltei.

Eu estava hoje na plataforma do metrô em direção à Zona Norte quando o relógio marcava meio-dia e quarenta de segunda-feira. Não é a linha 4 do metrô de Paris, alguns diriam, mas é a única linha que te leva ao SAARA, o que já garante algumas semanas de pesadelo. Os vagões cheios e você indo pro inferno em forma de mercado e aí está: pra quem duvida que o mesmo trauma possa ser causado duas vezes. Até o Delírio Tropical nessas redondezas vira um caos. E ainda não tinha começado a quentura.

Quando a mocinha anuncia Uruguaiana Station eu já começo a suar frio e quente ao mesmo tempo. Quente porque a sensação é de que a temperatura se eleva à mera pronúncia na palavra Uruguaiana e frio porque esses fonemas combinados me dão arrepios. Chego à superfície já ensopada e aos primeiros acordes da rádio SAARA misturados à quantidade de gente que anda devagar e lentamente te impedindo de dar passos do tamanho normal e ainda um tal de berros anunciando promoções e o fato de a temperatura ter-se elevado mais uns 17 graus...

Atravesso a Senhor dos Passos e noto um tapete vermelho, tento fingir que estou em Ipanema, penso em neve e quase rezo pra descobrir que a minha verdadeira vocação é economia, que nasci pra usar tailleur e sapato de bico fino dentro de uma sala devidamente RE-FRI-GE-RA-DA.

Recupero parte da dignidade porque finalmente o antigo sobrado da Rua dos Andradas ganhou um elevador. Antes de tocar a campainha dou uma última olhada para a escada, reconsidero a opção de fugir mas lembro de quanta carência há no mundo e encaro o meu destino cruel: a costureira que me odeia, a sala sem ar-condicionado e os outros funcionários insanos que vou encontrar pela frente.

Calma, é só esse mês, tento pensar. Me distraio com as revistas, etiqueto roupas que vão para os compradores, experimento peças que talvez precisem de ajustes, tento não me estressar com as brigas de chefa e chefo, escapo da costureira que (ainda) quer me matar, morro de fome porque a comida do Delírio não foi suficiente, tento ignorar o telefone, ponho os pés inchados pra cima e jogo conversa fora com a minha patroa que tinge à beira do fogão industrial onde a temperatura se eleva uns 46 graus acima do que faz no SAARA.

Volto pra casa ouvindo Beatles, que no som afirmam Baby you’re a rich man e eu duvido tanto...

Em casa eu tomo um banho, ligo o ar-condicionado e tomo coragem pra perguntar o que eu realmente preciso saber: quem é o louco da história?

sábado, dezembro 02, 2006

Minha alegria, meu cansaço

Os melhores dias foram aqueles de circo, de palhaços e cores vibrantes, os melhores dias foram aqueles de picadeiro e alegria, de corda bamba e trapezista. Os melhores dias foram aqueles de sol, de mar calminho que parecia até piscina, os melhores dias foram aqueles de ventinho no fim da tarde, de picolé sujando as mãos, de castelos que podiam estar em qualquer parte do mundo. Os melhores dias foram aqueles de neve, de bonecos que cresciam junto com a gente, de lareira e poltrona com caneca. Os melhores dias foram aqueles de férias, de dias inteiros com céus que se estendiam até a vista se perder, de gramados enormes pisoteados por tantos pezinhos, de flores colhidas por muitas mãozinhas. Os melhores dias foram aqueles passados no jardim em companhia das bonecas, das formigas e de passarinhos que iam construindo suas casas. Os melhores dias foram aqueles de doces e balas enroladas em papéis brilhantes, de olhinhos ansiosos por pacotes recheados de açúcar. Os melhores dias foram aqueles nos parques cheios de balões e prêmios, dias de carrinhos e carrossel, os melhores dias foram aqueles de tempo girando. Os melhores dias foram aqueles de chuva, de banhos improvisados, de tremer de frio depois, de ficar debaixo da beirada do telhado pra colher mais água. Os melhores dias foram aqueles de sucos, de cheiros fresquinhos e de tanto refresco. Os melhores dias foram aqueles com você, conversa fiada na esquina, olhando no relógio pra não se atrasar. Os melhores dias foram aqueles de farra, ficar acordado até tarde trocando segredos, fazer confidências nos diários e suspirar com o coraçãozinho apertado. Os melhores dias foram aqueles de pic-nic, de pão quentinho com geléia caindo na toalha. Os melhores dias foram aqueles com você, café na livraria e a gente querendo comprar quantos livros pudesse carregar. Os melhores dias foram aqueles de festas, laços nos cabelos e sapatos engraxados, os melhores dias foram os de música com dança, a orquestra tocando e a gente rodando, rodando, rodando. Os melhores dias foram com você, risadas na escada subindo pra aula e a gente querendo entender tanto mundo, tanta idéia. Os melhores dias foram aqueles de calma, flanando por aí, passando por vitrines. Os melhores dias foram aqueles sem pressa, caminhando devagar, andando até longe. Os melhores dias foram aqueles com você, a gente querendo colorir as coisas, dois à toa trocando lembranças e sonhos, fazendo planos e indo assim sem saber como. Os melhores dias foram antes de você chegar, dias de noites em que eu dormia, de dias em que eu acordava.