quinta-feira, maio 08, 2008

Carta a D.

My dearest,

Fazia tempo que queria mesmo parar. Ficar um dia em casa, ouvir músicas que me lembrassem você, te escrever.

Às vezes acho que o meu corpo funciona como um termômetro da minha cabeça e então percebo que preciso desacelerar.

Parece que o frio já começou por aqui. Voltamos a dormir de meias em casa, a praia está com aquele clima constante de fim de tarde e os cafés voltam a encher. Já tomo meu chocolate quente sem culpa. E chás. Uma pena, tiraram a minha sopa preferida do cardápio daquele restaurante. Quis protestar mas o garçom foi taxativo, a minha sopa não dava o menor ibope.

Ainda está quente aí?

Os noticiários continuam falando de coisas absurdas. Os anúncios de supermercado continuam absurdos também. Isso me faz pensar em como as pessoas não devem ligar pro que vêem. Acabo sempre desligando a tv. Estou com uma pilha de livros que não diminui. Ando sem foco, sem concentração. Esta semana emprestei dois livros a uma amiga. Um deles já estava na prateleira há um tempo. O outro mal tinha chegado. Foi um daqueles...! Li em poucas horas. Nunca empresto livros recém-terminados. Eu crio uma espécie de relação com os livros, preciso tê-los por perto, preciso reler trechos, gosto de saber que eles estarão ali. Gosto desse tempo de digestão, de ler arrebatamentos e de saber que eles estarão ali guardados e prontos para serem abertos de novo. Conversei sobre isso na análise.

Preciso me desapegar um pouco. Não, acho que não é isso. Mas preciso aprender a sofrer menos. Ao ficar longe das pessoas, ao me despedir das etapas, ao emprestar livros especiais para os amigos dois dias depois.

Ontem conversando ouvi: “Descobri que existe um lugar onde o chocolate é melhor que na Suíça. Acho que é na Bélgica”. Um pouco antes ele já tinha dito que havia viajado pelo mundo sem sair do lugar. Era o motorista que me levava até. Ele trabalhou anos num hotel. E foi lindo e triste ouvir aquilo. Eu tive vontade de comprar uma caixa de chocolates belgas para ele. Entende o que eu digo? Essas coisas me tomam, eu não sei como evitar. É o mesmo com os livros. Com as músicas também. Com os meus amigos.

Perguntei pra um deles outro dia quais eram as novidades. Um dos amigos, eu digo. Ela respondeu que havia parado de roer unhas. Eu gargalhei! E entendi. Entendi que essa era a resposta que eu podia esperar. E quis dizer a ela que a minha novidade era que voltei a dançar. Mas não voltei. Sabe, essas coisas dizem muito mais sobre as pessoas. Lembra quando me apaixonei por um cara que tinha uma rede no quarto? É isso o que acontece comigo. Eu aprecio os detalhes. E acho que eles são tão mais significativos. Talvez seja por isso que sofro tanto.

Encontrei aquele cara de novo. Não o da rede, o outro, você sabe. Não houve nada. Mas morremos de saudade em um segundo. Enquanto ele respirava no meu pescoço e eu no dele. Talvez três segundos... Eu sei que é bobagem. Continuei sentindo saudade depois, não sei ele. Mas sei que durante aquela respiração nós dois tivemos certeza um do outro e vai ver é isso... Eu sempre uso reticências quando falo dele, eu sei. Ele também usava quando falava comigo. Dava pra ouvi-las.

O que você tem escutado?

Acho que desisti daquela viagem. Na verdade não sei bem do que desistir. Sei que acabo insistindo em coisas por tempo demais, em pessoas e então de repente reavalio tudo e me bate essa dúvida. E então eu sinto aquilo que te disse no começo, uma dor nas costas, uma dor!

Hoje de manhã não consegui acordar. Ontem cheguei em casa chorando e minha mãe me deu um remédio. Acontece que hoje não houve jeito de sair da cama porque o remédio era muito forte e eu estava sonhando com a casa de Penedo. E eu precisava me esconder, precisava ficar num canto onde ninguém me encontrasse. No sonho. Eu era criança no sonho, dava passinhos pequenos. Eu não queria ir embora da casa de Penedo porque lá era muito seguro e voltar para o Rio era diminuir ainda mais o tamanho dos passos. Eu me escondia sob um lençol dentro da sauna e tentava apagar minha sombra na porta.

Eu estava apavorada no sonho. Eu estava apavorada ontem também. Entende por que eu não conseguia acordar? A minha cama era como respirar no pescoço dele, quente, seguro, feliz. E desabraçar isso tudo...

Não soube o final, se me encontraram na sauna ou se eu achei meu caminho de volta. O telefone tocou. Eu queria que fosse ele dizendo "eu também". Era do trabalho.

Sei que preciso dormir mais uma vez, está na hora de tomar o remédio de novo.

É esse o momento do dia em que penso muito em você e no seu caminho. Lembro do vôo que fizemos juntas e me pergunto quando vamos nos encontrar de novo. Não sei se estou pronta pra ir até onde você está. Acho que preciso me reconstruir primeiro. Torço pra que você não demore.
O livro eu te mando.

Espero que os cães estejam bem. O meu parece estar um pouco mais calmo. Faz alguns meses que não morde ninguém. O seu namorado eu sei que está bem. As fotos evidenciam! Dê um beijo nele. E não o desabrace, promete?

Um beijo com amor,

Sua prima.

6 comentários:

Anônimo disse...

que lindo, j. e que lindo que aquele livro lindo te inspirou tanto. escreva mais carta de amor.

Anônimo disse...

Que beleza de carta!

Sem querer viajar na maionese, mas acho que Moçambique te faria bem.

L.C disse...

mudei de blog mas, continuo vindo aqui sempre. e vc continua na melhor forma! Larissa

Rodrigo Gameiro disse...

eu fui escolher um cartão postal para te enviar. Mas só tinha de bundas, elevador lacerda e orixás da bahia. etnão acabou que não comprei nenhum. :(

bruna disse...

por que mais gente não diz que morreu de saudade em um segundo? Nem li os textos mais atuais porque esse me arrebatou e quero ficar com ele, depois eu volto;-)

Anônimo disse...

Dois trechos absolutamente sensacionais:
"Lembra quando me apaixonei por um cara que tinha uma rede no quarto? É isso o que acontece comigo. Eu aprecio os detalhes."
E "Eu sempre uso reticências quando falo dele, eu sei. Ele também usava quando falava comigo. Dava pra ouvi-las."
Gostei muito.
Também sinto falta da época em que se escreviam cartas. Tenho centenas delas guardadas em caixas de sapatos, no alto do armário.