quinta-feira, agosto 06, 2009

No meu descaminho

Passei dois dias na banheira e quando resolvi sair de casa eu tinha trocado de pele. Mas aquele resto de tristeza ficou, porque era anterior, e porque era abstrata demais pra sair na água.

Me dei conta da calamidade no metrô, quando me vi sentada numa cadeira branca a esperar um trem, mas vários vieram e se foram sem que eu me mexesse. Uma sucessão de trens ia e vinha ao passo que por algum motivo desconhecido o ipod repetia exaustivamente a mesma música, uma que parecia com o sofrimento que sentira nas vésperas daquela tarde.

Depois de um tempo que não sei precisar, um senhorzinho metido em camisa e terno xadrez me estendeu o lenço amarelado que carregava no bolso do paletó. Ele tinha ainda uma camiseta de malha, dessas esportivas com tecido furadinho, que ia por debaixo da camisa.

Percebi que as minhas bochechas estavam inundadas, e que minhas mãos largadas no colo tremiam um pouco. O que fez aquele senhor se aproximar de mim foi o fato de que, embora eu não percebesse, eu cantava.

Eu cantava e chorava um choro doído, e as pessoas me olhavam com espanto e se afastavam com pena e pressa para dentro dos trens ou para as escadas. Umas ainda viravam os pescoços, mas todas seguiam seus caminhos enquanto eu continuava fincada, sem parecer saber que Norte era meu.

Quando finalmente tirei os fones dos ouvidos e polidamente recusei o lenço que o senhorzinho me estendia, consegui distinguir que seus murmúrios eram, na verdade, uma tímida e melancólica cantoria: sim, vai e diz, diz assim que eu rodei que eu bebi que eu caí que eu não sei que eu só sei que cansei enfim dos meus desencontros, corre e diz a ela que eu entrego os pontos.

Ele me contou sua história, e soube descrever tudo o que era necessário, e não mais que isso, pra que eu entendesse, e não era muito complicado e a partir de então tudo foi imediato: eu respirei três vezes e coloquei um dos fones no ouvido daquele senhorzinho, e passamos a tarde juntos a ver os trens que partiam e a cantarolar sem vergonha todo o nosso desalento na estação Cinelândia.

3 comentários:

Bruno Quintella disse...

Adorei o velhinho! E como é gostoso te ler, meu amor! Saudades...

beijo

Ziza - amiga do bruninho disse...

que lindo! quer fazer um curta?

Julieta disse...

quero!