quarta-feira, julho 06, 2011

O dia em que jantei com Claire Denis



(para Ana)

Todo mundo precisava de um casaquinho no dia em que jantei com Claire Denis. Passávamos pela temporada atípica de inverno no Rio, aqueles poucos dias em que todos nós desejamos o verão de volta, aqueles poucos dias em que relativizamos o conceito de meio-dia em janeiro, aqueles breves instantes em que todo mundo tem um resquício de naftalina na pele e uma jaqueta de couro no figurino.

Uma semana antes do dia em que jantei com Claire Denis eu não fazia ideia de quem era Claire Denis, ou melhor, não fazia ideia de como era o cinema de Claire Denis. Também não conhecia alguém que viria a me emprestar um dvd de Claire Denis, tampouco imaginava que uma música da Corona viesse a fazer parte da minha lista de Prozac Songs. Uma semana antes do dia em que jantei com Claire Denis, eu não podia imaginar que uma música da Corona coubesse num filme francês inspirado em Melville, e que essa cena se tornaria pra mim o perfeito sinônimo de dancing with myself

Eram tempos bons aqueles que precediam o dia em que jantei com Claire Denis. Eu experimentava novidades que me enchiam de alegria, sorria pelos motivos mais prosaicos, fazia test-drives em concessionárias e lidava bem até com piadas de vendedores da Volkswagen. Eu acordava cedo pra tomar um café da manhã consistente e cantava as curvas da estrada de Santos enquanto era a única babaca a obedecer os limites de velocidade do aterro do Flamengo, e até o trânsito era motivo de felicidade: eu chegava atrasada na natação, deixava de nadar 200 metros e me dedicava à discografia completa do Rei. Eu havia me tornado uma daquelas pessoas felizes e completamente irritantes que tanto detesto, mas nem isso me abalava: a vida era boa no dia em que jantei com Claire Denis, o prato thai preparado por um cineasta era ótimo, e uma ou duas conversas que se iniciavam naquela noite eram ainda mais promissoras.

Mas a vida tem suas surpresas, e no dia em que jantei com Claire Denis eu fui abordada por alguém que não entendeu que eu não estava a fim de elucubrações complexas sobre a vida, a literatura ou a procedência de sotaques. No dia em que jantei com Claire Denis, e em todos os outros dias da minha vida em que nada ou ninguém acontecem, eu não queria conversar sobre bloqueio de escritor, ou sobre seu processo criativo de escritor, ou sobre qualquer outra pauta que envolvesse teorias ou critérios demais sobre o ato de escrever. No dia em que jantei com Claire Denis, eu tentei explicar ao meu interlocutor que eu não tinha qualquer propriedade sobre o assunto, que escrever, pra mim, não era uma Questão que precisasse de maiúscula, que eu nem mesmo iria à Flip e que menos ainda eu sabia porque o valter hugo mãe insiste em só usar minúsculas. No dia em que jantei com a Claire Denis eu estava muito mais interessada em perceber como o efeito físico das emoções arrebatadoras, sejam elas boas ou ruins, causadas por cenas sublimes ou grotescas, são irremediavelmente as mesmas (pernas fracas, revertérios no estômago, levitação). Eu olhava desesperadamente pros lados procurando o Pedro ou o João Manuel, que com sorte entenderiam meu código e iriam me resgatar com a desculpa esfarrapada de consumirmos algo no bar. Até mesmo a Cuba Livre sem gosto que estavam servindo àquela hora me parecia mais atraente do que aquele papo intelectualoide que eu tentava a todo custo evitar.

No dia em que jantei com a Claire Denis lamentei o fato de ter me tornado uma pessoa simpática e comunicativa que não sabe como se desvencilhar de gente mala. Ir ao banheiro teria sido a solução. Eu pensava em como seria boa a explosão de um bueiro naquele momento. Ou um ataque antropofágico.

No dia em que jantei com a Claire Denis deixei duas pessoas falando sozinhas, fiz passos de dança excêntricos quando o dj colocou The Rythm of the Night na pista e não consegui retomar as conversas promissoras que se haviam iniciado antes que eu fosse interrompida pelo tal sujeito. No dia em que jantei com Claire Denis eu não troquei uma palavra com Claire Denis. Voltei pra casa embriagada num taxi com a certeza de que na estrada de Santos eu não vou mais passar.

4 comentários:

Anah disse...

quem foi o mala? ai ai o táxi da derrota...

Julieta disse...

derrota total!!!

Isabel disse...

<3

Isabel disse...
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