quarta-feira, maio 09, 2012

Superlua


Aquela noite nos agrupamos em volta de um telescópio pelo qual não conseguimos ver a lua, o que não foi de todo um problema porque ela estava exatamente sobre nossas cabeças. Inclinamos pescoços, olhos e torcemos mãos,  pés, tiramos e colocamos o mesmo anel cem vezes do e no mesmo dedo, desajeitamos e reajeitamos a franja compulsivamente, mesmo embora eu nem tivesse uma, e demonstramos nossa inquietude de todas as formas possíveis enquanto relembramos tudo o que já fumamos nessa vida: canetas, chocolates em forma de cigarro, cigarro mentolado, cigarro light, cigarro extralight, cigarro, maconha, maconha em papel de fax, incenso (que em idade mais tenra também era usado como simples produtor de fumaça para dar mais veracidade à lareira feita de Lego). Além de ser difícil, por vezes utópico e/ou desesperador, parar de fumar, concluiu um de nós, é chato pacas, especialmente para os tímidos, os que não têm franja, os que não usam anel, os que vão a shows sozinhos. Qualquer pesquisa indicaria que homens carecas terão mais dificuldade em largar o vício que mulheres vaidosas.

Aí lembramos de como era o mundo quando as pessoas fumavam nos ônibus, nos restaurantes, nos shoppings. Como era o mundo antes da segregação que condenou o fumante a ficar quase sempre de pé na calçada, um olho nas cinzas e na guimba pra nada cair no chão, outro na bolsa pra nada ser levado. Quando nós éramos fumantes na calçada, ainda antes de nos conhecermos, antes de nos consolarmos em uníssono exclamando o quanto estamos mais cheirosos, com a pele mais viçosa. Deleite também é o fato de deitar a cabeça no travesseiro e as mãos terem odor de mãos, em vez de exalarem essência de Marlboro na cama. Chato é nunca mais poder assistir a um filme da Nouvelle Vague, onde todo mundo fuma e todas as mulheres têm franjas invejáveis.

A essa altura de desolação, a lua já caindo pro outro lado do muro, todas as outras pessoas que não a gente dançando kuduro na pista, porque era 2012 e o mundo funcionava nessa tentativa de eliminar o gestual do fumante – lânguido e charmoso, porque até disso dava saudade, daquele leve apertar de olhos ao tragar, do ângulo do braço, do queixo empinado ao soltar a fumaça – para perpetrar o sacolejo duvidoso de certas danças, arquitetamos a fuga. 
Porque tínhamos nos tornado seres ultracheirosos, saudáveis e cheios de anéis (“eu vou tomar aquele velho navio”), não nos restou outra opção senão irmos para nossas respectivas casas, vangloriarmo-nos, nos escuros dos quartos, da resistência contabilizada em calendário e caixas de Rivotril. 

Na manhã seguinte, mais um dia, a felicidade de não precisar de meio pote de Listerine para aplacar o gosto de nicotina misturado ao bafo matinal, um tutorial no youtube para aprender o Madison, quem sabe na próxima festa temos mais sucesso.

Um comentário:

Jeanne Duval disse...

Seu post me lembrou essa música, que eu acho toda genial, a começar pelo visual e a guitarra com drinks:

http://www.youtube.com/watch?v=4TV_128Fz2g&feature=related