quinta-feira, julho 20, 2006

Ó Lua...

Um dia ganhei um Santo Antonio de presente. Foi de uma amiga. Ela disse que achava que eu estava há muito sozinha, já se completavam dois anos de solteirice e que me faltavam companhias bacanas, que tinha muito tempo que eu não saía assim com um cara legal. Ela falou assim mesmo desse jeito meio disfarçando meio amenizando. Ela fez um puta eufemismo porque ela podia ter dito simplesmente que eu estava assim encalhada pra cacete e precisando de alguém. Isso já faz um tempinho. Na verdade já faz um tempão, e mesmo que não seja taaanto tempo assim já foi o suficiente pro Santo dar jeito na situação.

Mas o caso é que ela me deu o tal do Santo, disse que tinha ganhado da avó e que Santo Antonio não se compra, você tem que ganhar de presente de alguém que já fez uso dele, vai ver que é pra dar sorte, né? Parece herança isso, coisa que passa de pai pra filho.

E lá veio ela com o Santo Antonio dentro de uma caixa de café. Ela deve ter pensado que eu ia ficar com vergonha de receber o Santo assim sem embalagem no meio da rua, deve ter pensado “tadinha, a pobrezinha já está encalhada, o mundo todo não precisa saber”. Vai ver se ela tivesse dado o Santo sem caixa de café alguém podia ter visto e se interessado, sei lá, vai que o homem que visse isso estivesse encalhado também, vai saber?!

Fato é que a amiga me deu o Santo bem embalado.

Eu já conhecia aquela historia que Santo Antonio tem que ser maltratado. Por isso que eu nem abri a caixa de café com o Santo dentro, eu já sabia o que era o presente, e só de maldade eu deixei o Santo lá fechadinho, sem luz e sem ar. Achei que ele podia ficar assim um tempo, meio sufocado e meio claustrofóbico. Esperei pra ver. Por via das dúvidas comprei também um batom. Não funcionou. Botei a caixa com o Santo dentro do armário, deixei ele lá ainda mais no escuro, no fundo da gaveta cheio de meia por cima. Deixei o Santo assim no breu total e soterrado por um tempo, pensei “agora sim”. Pra reforçar as chances comprei um vestido novo. Nada. Virei a caixa com o Santo de cabeça pra baixo, no fundo do armário, escuro, sem ar, na gaveta das meias, deixei de lavar as meias pra ver se o chulé fazia uma pressão e ele me arranjava logo um namorado. Comprei uma mini saia e uma sandália de salto, sabe como é, resolvi pedir reforços. Não apareceu nem assombração. Botei o Santo na caixa fechada de cabeça pra baixo na varanda, ao relento, sujeito a frio e calor, vento, sol, chuva, tempestade, cachorro fuçando. Me matriculei na ioga, na musculação, no curso de espanhol, marquei uma hidratação, fui à manicure, fiz depilação e até botei alguns ml de silicone assim só pra garantir. E nada, nenhum pretendente.

Foi então que achei que de repente essa historia de maltratar o Santo podia ser uma baita mentira, poxa, não faz sentido, que Santo masoquista é esse? Tirei o pobrezinho de dentro da caixa, acho até que seu sorriso se alargou um pouco. Construí um altar pequeno e acendi uma vela de sete dias. Passou uma semana e nada. Coloquei flores a seus pés, e uns pães também. Nada. Aumentei o altar, substituí a vela de sete dias por uma dessas perfumadas da originallis, o pão da padaria por um belo ciabatta italiano e deixei até um azeite extra-virgem ao lado. Fiz uma escova janponesa, li livros interessantes, comecei a freqüentar cineclubes. Nenhum namorado. Fui dormir na sala e o quarto virou uma pequena capela, até alguns romeiros iam lá de vez em quando. Comecei a me interessar por política, ia às reuniões da associação de moradores, me matriculei no curso de culinária básico para solteiros, passei a ir mais ao Zona Sul à noite, sessão de congelados. E nenhum pretendente. Decidi erguer uma catedral pra Santo Antonio. Contratei uma assessoria de imprensa, fui capa de jornais e revistas, eu, linda, magra, cabelo liso, peitão, mestre-cuca, zen, literata, cinéfila e massagista (o curso de massagem veio logo depois da lipo nos culotes). E nem assim.

Foi então que resolvi procurar a Mãe Valéria de Oxossi, que me prometeu trazer a pessoa amada em três dias. Conversinha pra boi dormir, essa Mãe Valéria.

Comecei a ficar com uma raiva, um ódio, uma coisa que ia espumando cada vez mais. Olhei praquele Santo ali sorrindo impunemente, o mentiroso, foi me dando um ódio, uma raiva, uma coisa que ia espumando, aquele homem ali carregando uma criança nos braços esse Santo desgraçado, comecei a desconfiar que ele era um recalcado, isso sim, e cada vez me dava mais raiva e mais ódio e mais espuma na boca e comecei a odiar o Santo e a Mãe Valéria e todos os Santos do mundo e todas as Mães de Oxossi, Oxum, Ogum e o que mais existir e comecei de repente a odiar a minha amiga, aquela que me deu o Santo, ela que desfila por aí com seu namorado e comecei a pensar que se não fosse por ela nada disso teria acontecido e eu ia continuar encalhada.

Agora estou encalhada e falida.