terça-feira, dezembro 22, 2009

Come rain or come shine

(da série "coisas que ajudam a viver", ano 2009)

As coisas inusitadas que aparecem eventualmente numa mesa do Baixo Gávea, e que variam desde um bolo de chocolate ainda no tabuleiro até clémentines deliciosas vindas diretamente de Paris. Quarteirão com queijo especial. Todos os brigadeiros de muitos milhões de reais que podem ser devorados ao lado da Pizzaria Guanabara. A ansiedade de buscar o negativo revelado na loja de fotos, e poder conversar com o vendedor sobre os filmes, mesmo que você não tenha o mais vago conhecimento sobre o assunto. O Jobi e o Diagonal, dois bares para os quais nunca se deve dizer não.

O Grupo Corpo, mesmo quando não é incrível, mesmo quando é longe pacas, mesmo quando não acontece tanta mágica. Bruno Cesário e Joaquim Tomé quando dançam juntos de preto. O Tony, quando gargalha dando aula e me diz para atacar mais. O Toni com "i", quando me pega no colo. O celular quando apita mensagens contendo a palavra “tigresa”.

Todos os livros que eu posso ler, mesmo os ruins, mesmo os que não permanecem, mas especialmente os que me dão vontade de querer alguma coisa. Os quadrinhos de Peanuts, e poder envia-los por email. Os emails de madrugada que nos servem de confessionário para vergonhas escondidas. As conversas salvas de msn que posso colar no caderno como lembrança. Belle and Sebastian, sushi e sashimi. Uma credencial que guarda as emoções de um desfile de inverno, o livro de Ronaldo Fraga na estante. Assistir a um pedacinho do José Luis Peixoto na TV, sem querer. Passar o dia na piscina a devorar torradinhas com pasta e saber que isso é felicidade quando os amigos estão juntos.

Dar asas à insegurança no Tok & Stok. Ou na Zara. Ou no Hortifruti. Ou no Zona Sul. O almoço do dia primeiro de janeiro, sempre. Os dias em Angra que chegam por acaso, e as marolas da lancha parada em frente à praia. As noites de conversas infinitas adoçadas por biscoitos de avó num cafofo. O carpaccio do Gula Gula. As livrarias e os cafés dentro delas, e essas coisas bobas que viram elos: lanches, poesia, chocolate quente com creme.

A Casa da Matriz. O karaokê indie, mesmo quando não se consegue cantar Smiths no palco. Smiths, a banda que sempre salva a minha vida. O John Lennon quando canta. “While my guitar gently weeps” a todo volume no percurso Ipanema-Leblon de madrugada. Entender que “boboca” combina muito com “eu te adoro”, ou vice-versa. Ilhas gregas, com ou sem queijo feta. Um apartamento especial cheio de post-its na Rue de Rennes. O Calder no Pompidou. “A Última Ceia” em Milão. Os jardins repletos de risinhos infantis e gente a desenhar. As lingeries da La Perla. Os croissants da França, que são melhores que qualquer outro alimento do mundo. A alegria de avistar uma placa onde se lê “Underground”. Veneza quando chove.

Flertes via mensagem de celular. Ouvir Karma Police na Apoteose cheia e emocionada em frente ao Radiohead (for a minute there I lost myself, I lost myself). Acordar no dia seguinte do show do Radiohead e descobrir que a coluna não dói mais. Adorar a praticidade de enviar pro oftalmologista por email uma foto do olho cheio de gosma de manhã. Adorar a praticidade de desligar o telefone às vezes. Ir à praia com o ipod, e entender que ele serve pra essas coisas. O cachorro quando eu chego em casa, e quando ele brinca tão alegre que nem me importam as almofadas que vão caindo pelo chão. O cachorro quando eu estou triste, porque ele nunca piora as coisas. O cachorro quando eu estou feliz, porque ele sabe.

Um amigo que me deixa chorar, seja na mesa cheia de waffles ou no carro com abraço e colo.

Amigos que dançam quadrilha na sala do apartamento de um deles, amigos que dançam dentro de uma piscina esvaziada, amigos que não deixam a festa acabar (mesmo que para isso seja preciso ir a uma praia distante no frio), amigos que hipotetizam sobre ménage-à-trois.

O Ney Matogrosso no palco. As homenagens ao Michael Jackson. A Pina Bausch no filme do Almodóvar. As tardes na praia com vergonha da câmera apontada pra mim. Acreditar em horóscopo numa manhã de domingo. Inventar a pior cantada do mundo e ver que mesmo assim ela funciona.

Cazuza.

Aquela cama enorme cheia de travesseiros. Lecuona. As linhas 12, 13 e 14 da página 31 de “Cemitério de Pianos”. “O Estrangeiro” na língua original. Beijo no (meu) pescoço, mesmo quando acidental. As gravuras restauradas na parede. Dormir 12 horas seguidas, e sopa no inverno. Dramin, às vezes. Woody Allen esparramada num colchão pra 3 nos Jardins. Peças infantis com toda a criançada encantada na platéia. O Rei sob dilúvio. #41, do Dave Mathews Band. Vinícius de Moraes. Furtar catálogos de exposições em SP. Bolinhas-de-queijo. A lotação da praia e as piadas decorrentes, e quando a prima guardava lugar pra gente que chegava depois. Miss You, do Rolling Stones. A carta do Carlos. A carta da Bruna. A irmã no quarto ao lado. E, por que não, até mesmo o Zoológico. Fernanda Montenegro quando é Simone de Beauvoir. Sangria. The Rain Song, do Led Zeppelin. Cachorro quente feito pela Carol. E, confesso, Kid Abelha em dias nublados.

Palavras que começam com “des” – desamparo, descaminho, desmesura, desalento. Tudo o que vem depois que imito Marina Lima. Sessão da tarde, mesmo fora de época. Bombons. Yogoberry com manga. Grampos de cabelo, Grey’s Anatomy e a Lindomar quando me chama de “minha menininha”. A charutaria na Rua Senhor dos Passos. O Real Gabinete Português de Leitura e os sebos ali perto. Babilaques.

Sophia de Mello Breyner Andresen. Noites em que o melhor momento é quando o A-Ha canta Crying in the rain numa rádio duvidosa do carro e isso não significa que tudo foi ruim. Saber cantar Crying in the rain ainda de cór. Mergulho na praia da Reserva, onde ainda há conchinhas, depois de sessão de massagem com a Ana. Massagem da Ana. Ficar indie aos domingos. Colírios e uma gripe pra parar um pouco. O Bolero de Ravel. Tin tin e Capitão Haddock. E Milou, é claro. Saber a hora de sair. Começar tudo de novo. Acreditar quando a Globo canta que hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser. Levar sustos com presépios. Aprender a respirar.

Escrever um blog!

quinta-feira, dezembro 17, 2009

The "porteiro da noite" issue - vol 2.

Desde que a portaria do prédio entrou em obras que um sofá passou a habitar a garagem, e portanto, sempre esbarro o carro nele. Eu me sentia bastante idiota até perceber que bater o automóvel no sofá apodrecido servia para algo sensacional: acordar o porteiro da noite.

Eu havia dado um desconto na minha implicância com o porteiro da noite porque fazia um tempo ele vinha me chamando pelo diminutivo do meu nome, e era mesmo fofo. Porém tive de voltar atrás quando, numa noite de céu desabotoado, fiquei ao relento.

Funciona assim: com a portaria em obras só há uma entrada possível, a garagem. E com o porteiro da noite dormindo profundamente na madrugada, só há uma alternativa: possuir um controle eletrônico que abra o portão da garagem. Uma vez que o veículo se encontrava indoors, pronto: não houve interfone que acordasse o porteiro da noite, e quase não haveria remédio suficiente para a gripe de uma noite dormida na calçada não fosse uma breve internação no hospital mais próximo.

Curada a pneumonia, me vi diante do impasse: denunciar o porteiro da noite e execrá-lo em praça pública, ou melhor, em reunião de condomínio, ou conseguir medicamentos pesados e ilegais (quiçá uma máquina de café Nespresso) para manter o homem acordado.

Enquanto não tomo a decisão acertada, confesso, fantasio com uma noite abafada, dessas em que gota alguma se aventura por aqui, dessas em que o calor altera qualquer estado de consciência, dessas em que a pessoa, tomada por um suor que faz grudar a camiseta nas costas, enfia o carro sem pestanejar no sofá e o diagnóstico do seguro é taxativo: perda total.

terça-feira, dezembro 15, 2009

The end.

Dá sempre vontade de vomitar depois de tanto choro, e toda vez que eu vou embora é assim: um abraço estreito, a gente mistura risada com agonia e aborta flores. As tripas se reviram, a barriga dá revertério e me consolo porque sei que um dia volto.

Fico minguada por uma semana, de luto, só visto calças e tênis escuros, nenhuma renda pra amenizar. Então um dia faz sol, visto sedas de novo e retomo meu lugar.

Mas agora não: esta é a última vez que te abandono, daqui sigo pra tão longe que não haja bilhete de volta, cheiro de lavanda, estampa de flor. Esta é a última vez que te abandono, porque pensei muito e não posso continuar te abandonando, não quero mais me suicidar.

domingo, novembro 29, 2009

Carta a R.

Coração,

Prometi que te escreveria essa semana. Eu sei, nunca te contei sobre tal promessa, mas é que ando fazendo anotações mentais e em post-its de coisas que queria dividir. São bobagens. E pequenas. São nada, na verdade, só uma desculpa pra pegar na caneta, preencher o vazio de mais de oito dias sem ocupar qualquer folha do caderno, imaginar que estou mais próxima de você, confessar saudades um pouco idiotas.

Começou essa vontade de te escrever num dia que choveu descompassadamente, e em que eu não carregava guarda-chuva, e me abriguei no Real Gabinete Português de Leitura. Foi o primeiro post-it, espécie de resolução antecipada de ano-novo: entrar, ao menos todos os dias, no Real Gabinete Português de Leitura. Você precisa dessas coisas, às vezes? Tenho uma sensação de que esses improvisos me salvam de morrer todos os dias. Como levar o biquíni dentro da bolsa e passar o dia pensando no mergulho tardio no mar. Como devorar cachorros-quentes em dia de semana na casa da Carol, e cantarolar Fito Paez entre uma dentada e outra. Como encarar o trajeto do Centro a pé e entrar em todas as lojas de discos. Como, na ânsia de me desapegar de tantas coisas, deletar minha conta no twitter.

Como as legendas que você escreve para essas fotos que são tão tuas.

O segundo post-it não é resolução de nada. E nem os outros. São pedaços de nem sei o quê. Autores que me fizeram amar na última semana, pequenas queixas de uma discreta dor no tornozelo direito, indagações esquemáticas e indícios de pânico: até quando conseguirei carregar tantas sacolas? E se o carro sucumbir antes do tempo? Como faz pra se vestir nesse calor? E se sentar alguém esquisito ao meu lado no metrô? E depois que esse ano passar, faço o quê?

Nem planos, nem idéias, nem fugas. Quando 2010 chegar eu ainda vou estar assim, óculos vermelho, cabelo bicolor, ligeiramente bêbada tentando te convencer de que a gente pode fazer alguma coisa diferente, procurando no cd do carro uma música que você goste, arquitetando consolos vãos, evitando tuas mordidas embriagadas.

E procurando esses abrigos, que estão no cheiro de livros acumulados e mofados, na platéia de uma peça de teatro repleta de crianças hipnotizadas por tudo o que acontece no palco, nas tuas mensagens nonsense, que leio no celular ao acordar.

Acho que ando te entendendo tanto que me pego até sem saber como concordar: fica parecendo imitação.

E pensar que já quis te matar mais de uma vez...

Marcelo disse que você fala muito em mim. Acho que eu tenho falado muito em você também. Deve ser porque nos ganhamos de outro jeito esse ano, e porque ficamos sólidos, mais do que a gente poderia adivinhar.

E as saudades um pouco idiotas... Umas incorrigíveis, outras angustiadas, e essa que você já deve imaginar: uma tarde na praia. Mesmo que eu tenha que pagar seu mate.

Topas?

Um beijo,

quarta-feira, novembro 18, 2009

They promised us truth

- “A penny for your thoughts”. É a expressão em inglês. Primeira frase de “Miracle”, do Bon Jovi.
- Mas não é tão boa quanto querer ser uma mosquinha no lugar errado.
- De fato não é. Mas a mosquinha, no fim das contas, também não consegue ler os pensamentos dos outros. Não é esse o foco?
- O foco é o quanto as pessoas mudariam a opinião delas sobre nós, se pudessem saber essas coisas, esses pensamentos automáticos sem repreensão ou julgamento. Pensamentos anárquicos. Acho que isso define.
- Sim. Mudariam.
- Quanto?
- Acho que muito.
- Então você diria que está atuando sempre? Que está o tempo todo podando o que vai dizer? Sem dar voz a esses pensamentos anárquicos?
- Hum.
- Desenvolva.
- Estou indecisa: acho que o primeiro pensamento é sempre anárquico. Digo: a primeira reação, de um modo geral. Depois é que vem a ponderação, a análise, os prós e contras. E então o primeiro pensamento já muda. Ou evolui.
- Entendo. Eu me pergunto pra onde será que vão essas coisas que a gente pensa e não diz. E fico curiosa, tentando adivinhar reações, prevendo o que aconteceria se a gente falasse mesmo logo essas primeiras palavras que vem à mente. Pensando que seria bacana dar margem a esses impulsos.
- Não seria um pouco selvagem?
- Talvez. Certamente seria menos Freudiano, no sentido de que seria tudo menos a-na-li-sa-do, menos estudado, menos mentiroso. Eu sinto falta da espontaneidade.
- Sim. Mas eu diria que você é das pessoas mais espontâneas que encontrei.
- Por que?
- Por causa de respostas como "putz, não, ele atrapalha qualquer suruba".
- Mas aí não era anarquia. Era álcool. Será que isso ajuda?-
- Pode ser. Ou um pouco de surrealismo. No sentido literal mesmo.
- Miró, Dalí, Breton? Essa gente?
- É. Era o que eles queriam, não era? Uma arte automática, do inconsciente? Tinham lá seus métodos, uns menos ortodoxos que os outros.
- Sim. Mas será que a gente pode voltar pra nossa gente? Será que a gente pode manter uma linha de pensamento mais Baixo Gávea, por exemplo?
- Claro. Foco. Baixo Gávea, por exemplo (...) Eu seria interditada no Baixo Gávea, por exemplo.
- O Baixo Gávea é um celeiro de pensamentos anarquistas mesmo. Uma média de 3 por cada pessoa que a gente encontra. Muita gente, né? Mas enfim. Você está pensando no que agora?
- Em nada anárquico. E também se fosse, eu não ia revelar.
- Eu acho que revelaria. Se fosse uma anarquia confessável. Ainda mais sabendo que eu não sou reacionária. Às vezes eu confesso essas anarquias mais brandas. Mas o que eu queria mesmo era saber as alheias.
- Mas as alheias de gente aleatória? Ou as dos nosso amigos? Da nossa gente baixo-gavista?
- Da nossa gente. Eu costumo perguntar.
- Elas respondem?
- Elas disfarçam. Minha mãe sempre pergunta no que estou pensando. O facebook também. Há há. Eu tenho vontade de ser sincera. Mas sempre acho que a pergunta é retórica. Ou mais pra preencher silêncio.
- Você pode responder está pensando na morte da bezerra. Ou pode cantar uma música “eu estou pensando em você, pensando em nunca mais te esquecer”. Ou pode dizer que pensa no Haiti. Outro dia eu quase respondi assim.
- É uma boa resposta pra acabar com qualquer conversa, né? A não ser que o interlocutor seja, sei lá, o André Lobato.
- Ééééé... Na verdade foi uma mensagem que chegou: “penso em você”.
- A gente sempre acaba falando de amor, né?
- E tem coisa mais anárquica que isso?

domingo, novembro 08, 2009

Trecho

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e separa.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, novembro 05, 2009

Das coisas

(outro volume)

Das dores

Cospe um homem de estatura mediana que veste camisa azul à minha frente, deixando sobre a plataforma da estação Cinelândia uma micro poça de saliva e repetindo o gesto que acontecera três horas antes na calçada da Rua dos Andradas, quando um senhor já encolhido pelo tempo deixou seu cuspe sobre as pedras portuguesas.

Cospe uma moça de short jeans, blusa amarela e gorduras localizadas salientes ao atravessar o sinal em Botafogo. Cospe o rapaz de sunga do calçadão num doce (e babado) balanço a caminho do mar, cospe um sujeito que carrega uma mochila pesada perto do posto de gasolina na Barra e é sempre: encher os pulmões e a boca e despencar pelo passeio público a baba incontida que deve carregar consigo alguma espécie de libertação. Deve haver algo de exorcismo numa cusparada, deve haver algo de transgressor, deve ser o exato oposto de engolir sapo, deve ser descarrego de tormentos e, portanto, cogito amanhã bem cedo dar uma bela e vigorosa cusparada em algum ponto da Nossa Senhora de Copacabana, de preferência bem no meio da cara de alguém que mereça.

Do suor

O prenúncio do carnaval é a praia do feriado em que não há vagas, água ou queijo coalho possíveis. Escafedem-se os espaços na areia, as ondas invadem pernas, cangas e bolsas esquecidas e o mar é redenção. Brilham os torsos nus dos jogadores de altinha, anarquizam a beira do mar as crianças, solidarizam-se as gentes apertadas e organiza-se a lista de espera do guarda-sol enquanto alguns sonham com cachoeiras, outros com piscina, outros com estação de esqui. O gesto de devolver os óculos ao topo do nariz é repetido cerca de 40 vezes por minuto, o menor cabelo desconforta, o galão do mate ofusca os olhos e já não se pode ir pra casa antes das quatro da tarde, quando começa a baixar o sol, a dispersão do aglomerado, quando se pode, então, esticar-se, cochilar, morrer de rir.

Dos vôos
Repousam no batente da janela os óculos enquanto deslizo pelo chão meus pés, e desenho em madeira giros e saltos e é como cachaça ou heroína, porque é transporte pra qualquer lugar. Fica jogada num canto da sala a blusa úmida, fica esparramada e delirante a pessoa ao fim da aula, fica a ressaca no carro no caminho de volta pra casa. Fico existencialista e dona de tudo o que é meu: joelho, ligamentos, pescoço, mãos, tornozelos, impulsão, tesão, calma, pausa, ataque,articulações e o melhor: pulso.

Dos laços

Emperram-se muito facilmente os zíperes de vestidos sem uso, amarelam-se as sedas guardadas e a linha sempre arrebenta na última agulhada, impossibilitando o nó que segura a costura, desatando mágoa e lamentos engasgados. Solicito consertos para os sapatos, que precisam de novas solas depois de tanta chuva. Escapam-me as vontades de tentar indiferença, de achar normal, de dizer: tchau, e entrego-me a perder as estribeiras.

Volta, que se você voltar eu prometo que dessa vez eu fico.



::
Washing against the lonely tenement has set my mind to wonder
Into the windows of my lovers, they never know unless I write
' This is no declaration I just thought I'd let you know goodbye '
Said the hero in the story ' it is mightier than swords
I could kill you, sure, but I could only make you cry with these words'.

Belle and Sebastian in Get me away from here, I'm dying.

sexta-feira, outubro 30, 2009

É festa no outro apartamento

Então nunca mais: nunca mais um milk-shake na praia colorida de pipas alheias aos teus braços enroscados nos meus, nunca mais teus jeans surrados debaixo dos meus vestidos intermináveis, nunca mais flores que saem dos teus bolsos para os meus, nunca mais tua rouquidão às três da tarde, nunca mais juntar nossa paixão desmedida por Vinícius, nunca mais os teus pratos cheios de sushi enquanto eu tento decifrar alguma coisa em você, nunca mais tua alegria com a tua vontade de dançar, nunca mais tuas demoradas conversas no telefone enquanto eu te olho e resolvo onde, meu deus, onde te encaixar nessa minha vida, nunca mais tuas paredes cheias de cor, nunca mais teus cabelos dentro das minhas mãos, nunca mais tua imitação de Jards Macalé, nunca mais o barulhinho do vinil rodando mudo na vitrola ("tá fazendo um ano e meio amor / que o nosso lar desmoronou"), nunca mais te telefonar para aplacar desamparo, nunca mais te encontrar pra me deixar largada no teu peito, nunca mais te avistar estatelado na areia teus lábios se descortinarem num sorriso largo, nunca mais tuas mãos despudoradas que faziam do meus rosto teu império, nunca mais tua mansidão, nunca mais teu abraço enorme e cheiroso que punha fim a qualquer uma das minhas tentativas de raiva contra você, nunca mais declarações de amor descabido entre dentadas num filé-com-queijo, nunca mais teus (meus) apelidos cafonas, nunca mais toda a bagunça que você deixa quando parte sem aviso, nunca mais me sentir possível ao teu lado, nunca mais te ter no banco do carona, nunca mais essa saudade lancinante que ataca toda vez, nunca mais essa vontade de conversar por horas a fio e afinal te deixar improvisar monólogos só pra ficar quieta e ouvir tua voz, nunca mais o teu carinho derramado em cada olhar, nunca mais aquela dúvida que a gente tem de não saber o que fazer um com o outro, nunca mais esse teu jeito de falar como quem sublinha palavras, nunca mais toda uma felicidade que eu nem sei mesmo se um dia eu senti com você, nunca mais essas apostas que a gente fazia em tardes de janelas trancadas pro mundo, nunca mais tardes de janelas trancadas pro mundo, nunca mais, então.


:: Acontecimentos - Marina Lima

sábado, outubro 17, 2009

Cry me a river

Respeito muito minhas lágrimas, a ponto de categorizar meus prantos e saber que todos, ainda que inúteis, são necessários. As noites me proporcionam esse sono pesado que se inicia banhado delas, porque é sempre antes de dormir que tudo dói e assenta no corpo, e portanto é preciso chorar. Sem esforços, sem dramas, só é preciso deixar que escorram gotas, que elas tombem sobre o travesseiro, que elas levem alguma coisa pra fora. Prevejo os olhos inchados no dia seguinte, as perguntas desconfiadas de quem os notará mais vermelhos, as respostas evasivas de “alergia, logo passa”. Me dedico ao ato de chorar com a mesma entrega que tenho para a dança porque quero a exaustão que vem depois, e a tranqüilidade que se segue.

O princípio do espanto é quando o oftalmologista diz que a qualidade da minha lágrima é péssima. Ele sentencia o diagnóstico com calma, como se o mundo já não fosse absurdo o suficiente, como se tal afirmação fosse tão natural quanto ter cárie aos 11 anos. Em seguida ele acrescenta que a quantidade de lágrima produzida é a esperada. Enquanto ele mostra imagens pouco convincentes dos meus olhos cheios de nervos inflamados e lágrimas não-lubrificantes, lembro dos tempos em que o ortopedista dizia que todo o problema das articulações era que eu tinha crescido rápido demais. Lembro, ainda, de uma fisioterapeuta que sequer me conhecia afirmar que a minha cabeça estava fora do centro de gravidade.

Como se a conformidade fosse a única reação possível, evito a conversa que eu poderia ter com o oftalmologista. Eu poderia argumentar que, sim, eventualmente chorei lágrimas podres justificadas por motivos ainda piores. Eu poderia, sem embaraço, contar que despejei litros de lágrimas de raiva quando o que eu mais queria era apenas disparar tiros de revólver contra alguém. Eu não hesitaria em apontar todas as lágrimas escorridas por causa de amores insólitos, términos covardes ou declarações pela metade. Eu poderia ter dito, também, que o crescimento acelerado não me havia transformado numa pessoa mais culta ou mais madura, que a minha altura repentina não tinha feito mais por mim que o curso da faculdade, e que as articulações eram, portanto, o malefício menos importante dentro de todas as metáforas que eu conseguia listar na minha cabeça torta, fora do eixo de gravidade. Eu adoraria cometer o clichê mais idiota e sem graça e afirmar que sim, tenho a cabeça mesmo no mundo da lua, e gerar aquela cara enfadada e constrangida de quem se vê obrigada a encerrar a conversa por motivos de força maior.

Isso tudo eu poderia ter dito a ele(s), mas não disse. Fiquei mais pobre por causa de todos os colírios e de toda a fisioterapia que se provou tão ineficaz quanto chata. Fiquei, também, mais obcecada com listas (músicas que contém a palavra “lágrima”: 7; a palavra “tear”: 8; a palavra “cry”: 15) e mais perplexa com o descuidado alheio em proferir frases que podem perturbar uma pobre alma. Tenho a plena certeza de que continuarei chorando em vão, literal e metaforicamente falando, com o agravante de que logo após de secarem as tormentas terei de correr para a geladeira, onde agora mora um colírio milionário, este que restabelecerá meus nervos ópticos (quiçá os outros todos).

Que me deixem chorar, com ou sem qualidade, e que os dias chuvosos se estendam ainda por mais tempo, que perfeição maior eu não consigo imaginar: já pensou que ridículo os soluços pós-choro na praia?

sábado, outubro 10, 2009

O desabotoado céu - vol 3.

Foi mais por causa de Led Zeppelin do que pelo tempo, e me peguei pensando em chuva muito antes de desabar o toró. O caso é que suas duas músicas onde a palavra “rain” consta dos títulos foram precisamente as únicas ocorrências de felicidade daquela semana em que sol nenhum adivinhou o que eu queria, porque, de verdade, ele nunca adivinha.

E porque só a Rita poderia entender a questão e ainda tomar partido dela, enviei por email uma lista de 21 canções que contém o termo inglês no título, para saber se todas são tão brilhantes quanto aquelas, e algumas de fato são, e outras são só outras. Seguimos na empreitada e criamos a tradução da lista, com músicas que contém “chuva” no título (14, valendo uma corruptela para não negligenciar “Chovendo na Roseira”).

A obsessão foi além, a Rita não desligou do assunto e passou dias a fio escutando Plant e Page, e naquela semana me enviou mensagens onde tentava encontrar a melhor canção para escutar na seqüência do Led Zeppelin. Unânimes, resolvemos que só Janis Joplin poderia fazer isso com perfeição, sem estragar ou quebrar o clima. Mas de repente empacamos e eu comecei uma pesquisa ensandecida pela playlist perfeita, o que ainda está em curso e julgamento.

Minhas manias atacam especialmente nesses dias molhados, e agora que dilúvios já me deram lição de moral suficiente para não mais arriscar a vida de meus sapatos por aí, uso o cachorro como esquenta-pés, invisto no meu relacionamento com a atendente da vídeo-locadora e, claro, dou asas à minha síndrome de Rob Gordon. Não estipulo, porém, um all-time-top-5 como ele o faz, e sim reúno a maior quantidade de alguma coisa (preferencialmente inútil) numa lista que nunca tem fim: ditados populares que envolvem animais (39), músicas que contém dias da semana no título (12 em inglês, 5 em português), bandas que começam com “The” (24, mas me pareceu chata no meio), cremes hidratantes para as mãos que já testei (6), músicas com nomes próprios no título (48).

Quando algum resquício de sanidade volta à minha cabeça e eu preciso atender o telefone ou beber água, penso que já escrevi tanta coisa sobre chuva e me dou conta de que o temporal deu trégua. É quando decido comer, e percebo que sob as árvores nunca pára de chover. De repente sonho com as calhas da casa de Penedo, que me davam os melhores banhos das tardes de verão.

Mas é primavera, eu não te amo e Santo Antonio nunca veio em meu socorro.

À saída do restaurante um sujeito de boné me aborda, eu aperto a bolsa pensando que é assalto, e só quando engato a primeira marcha é que me dou conta de que ele queria saber meu nome, e de como ficou impossível ser romântica nessa cidade. Suspiro, e me ataca isso que também brota com a água que não pára de cair: saudade. Encho a cara de chocolate-quente e me especializo numa preguiça chorosa, e por fim decreto essa lista que encerra meu fim-de-semana e que só possui um item: pessoas com quem eu dividiria o edredom hoje, e com o lápis já gasto, providencio o conserto: pessoa, você.


vols. 1 aqui e 2 aqui.

terça-feira, setembro 29, 2009

Carta a B.D.

Ma chère,

Respondo tão imediatamente quanto possível, embora não creia, de fato, que haja aqui qualquer continuidade de algum dos assuntos que mencionou em tua carta. O que pretendo destes escritos que te encaminho é que neles respingue um pouco disso tudo que não cabe mais comigo, e que também não tem refúgio em mais nenhum lugar.

O que de mais urgente tenho a tratar é que concluí, ainda que aos tropeços, que “eu te avisei” é tão covarde de dizer porque não é conforto, é insensibilidade. Você, eu e todo mundo nos descuidamos de tantos avisos diariamente, e não é por isso que se vive? Não é por isso que pagamos contas exorbitantes e vomitamos vodca no dia seguinte? Não é por isso que quebramos a cara e passamos o batom de novo?

Imagine uma legião de pessoas civilizadamente avisadas escapando de ressacas, providenciando desencontros, dormindo tranqüilas e ouvindo música clássica em suas casas. Imagine a quantidade de bocejos cabíveis numa conversa com pessoas que se furtam a sorrisos, que nunca prolongam as férias, que obedecem aos sábados. Imagine só que mesquinharia não enfrentar chuvas na estrada, não extrapolar a paciência dos vizinhos por repetir os gemidos dramáticos do mesmo solo de guitarra sete vezes por dia.

Portanto a fúria. Porque é necessário ter ao alcance as melhores pessoas, aquelas que vão inventar outras formas de consolo, as que vão desafiar suas tristezas porque se empenharão em te fazer subir à superfície pra respirar, aquelas que olhando esses infernos (que às vezes chegam) vão te abençoar e te carregar no colo. Porque as melhores pessoas têm mais a dizer do que apenas “eu te avisei”, e quando elas dizem isso é que o inferno realmente desembarca, porque elas deixam de ser deuses e você percebe que elas são tão limitadas quanto você.

E então vem esse destempero, essa raiva interminável de não ter pra onde ir, essa frustração pesada de entender que ninguém quer saber, ninguém quer perguntar, porque é evidente demais, porque todo mundo alertou, porque eu já tinha previsto, porque é bobagem ficar triste por motivos que estão anunciados há tanto tempo.

Deve ser mesmo. Vai ver a demente sou eu.

Me acalma ouvir música, é só o que tem funcionado. Fico ridiculamente suspensa e com fé por causa de “The White Álbum”. Escute “While my guitar gently weeps” no volume máximo, mande os vizinhos às favas e você vai entender: a música soa tão impossível quanto as histórias que inventamos e quanto a tudo isso que a gente sente e não consegue nem decifrar. E se dá pra fazer música de tormentos, então vai ver que dá pra fazer outras coisas deles também.

Você não entende o que é dito nas aulas. Eu ando sem entender quase tudo. Mas acho que o que ele está tentando avisar é que é possível não ser medíocre nessa vida.

Te encontro no lugar de sempre.

segunda-feira, setembro 28, 2009

De cartas

Acontece isso quando as correspondências se dão em blogues: a Bruna responde aqui a uma carta que escrevi pro Carlos (aqui), que por sua vez me respondeu lindamente via comentários (e é pena que tenha sumido do Baixo Leblon, porque eu continuo por ali à sua procura pra continuar essa conversa).

Então eu, que sempre desenvolvi obsessões neste lugar (calor, SAARA, suicídios), agora prometo encasquetar com essas coisas de escrever pra todo mundo que (felizmente) me dá algum tipo de alento, mesmo que deles me surjam ainda mais perguntas e calos nos dedos.

Talvez eu volte a falar do verão no centro da Cidade, ou talvez eu volte a me matar por causa de gente com barba, quem sabe ainda possa haver confusões e episódios que envolvam o porteiro da noite. Fato é que há de se pensar sobre tudo o que a Bruna diz, e há de se insistir na praia, que talvez o Carlos continue por lá. Com sorte sentaremos os três na areia, deixaremos as ondas refrescarem os pés, e no fim do dia seguiremos praquele bar que sempre nos conforta, onde constantemente despejamos gargalhadas sobre as mesas.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Every move I make

Eu sei que no teste dos bares cariocas o Gustavo é o Bar da Praia e o Rodrigo é o Palaphitas (pfff), sei que a Fabi quer que o Acaso chegue e que o Kiko achou o jogo de futebol feio a ponto de não querer mais assistir nenhum. Sei que a Julia precisa de ajuda no jogo de Máfia Wars (que até hoje eu não sei o que é), que o Thiago adora a Elizeth Cardoso e que a Ritinha lembrou-se, graças a mim, que "D’yer Maker" é daquelas músicas que dá pra deixar no repeat por cinco horas seguidas. A Biba, se fosse uma roupa, seria um conjunto de lingerie (sexy), a Raphaela ta vendo o Emmy, a Biela sobreviveu ao casamento de ontem, a Cissa ta muito feliz porque casou (ontem), o Léo é flamengo até em Lima e o Bruno ta indeciso entre 3 nomes de mulheres que não fazem sentido nenhum pra mim. A Guga renovou sua playlist no ipod, a Carla convidaria o Kenny (entre outras pessoas mortas) para jantar, a Isa ta felizzzzzz com muitos “z”, a Adriana perdeu seu nextel. Eu sei que a Olivia também seria o Palaphitas na categoria barzinho do Rio (desde quando o Palaphitas é “barzinho”?), a Eduarda seria o Jobi (assim como eu), a Betinha se perdeu na liquidação da Livraria da Vila e a Bruna ta indo pra Hanói (com outra Julia). Eu sei que a Anita não está entendendo nada da venda de ingressos pro festival do Rio, a Bebel não conseguiu falar com a Inês no dia do aniversário dela (nem eu, até porque eu nem sabia), sei que o Eduardo queria saber desenhar, que a Maíra quer falar com a Luiza e que a Joana ama Bloody Mary. Eu sei que a Carol achou o final de "True Blood" bem ruinzinho. Eu sei que a Madá está pensando na vida, que o Chico quer ser Zé Mayer em uma outra e que o Augusto também pensa que o tempo é mercúrio cromo. Sei que o Manel gosta de “Kind of Blue” e que o Felipe deseja que durmamos bem ao som de John Coltrane (dormiremos). Eu sei que a Jô desejou Feliz Ano Novo pra Nicola, que o Antonio sempre lê "The Economist", que a Camila não sabe se compra um carro ou aluga uma casa. Eu sei que a Mel precisa de uma mandinga branca, que a Ana tá com saudades da Maína e que a Evelyn não tem forças nem para abrir uma Vogue.

Toda essa gente deve saber que andei comprando pneus, que planejei explodir o Detran, que tenho frequentado festas onde tocam Ace of base e C&C Music Factory (e que portanto planejo comprar um par de tênis Keds e usar perfume CK One). Toda essa gente deve saber que de fato escuto no repeat há cinco horas seguidas aquela música porque seriously: you don't have to go e a gente pode beber duas jarras de sangria por noite até pra sempre. Toda essa gente sabe que quero ficar sedada, que estou cabeloless e que voto Paulo Borges para presidente.

Toda essa gente sabe que eu perdi a lixeira do meu desktop já faz quase um mês e ninguém consegue resolver esse mistério. E eu pensando que o Facebook seria útil nesses momentos de aperto...

sábado, setembro 12, 2009

Extratos

O mundo poderia acabar enquanto alguém corta meu cabelo porque nada é tão relaxante quanto mãos que brincam com meus cachos, especialmente quando eu sei que no final eu sairei do recinto penteada (e socializável, portanto).

::

Se o mundo acabasse agora eu teria nas mãos essa persistência de uma saudade que não é avassaladora a ponto de me pôr louca e batendo à sua porta, mas que também não é tão branda que me deixe dormir sem sobressaltos, e que também não é prudente que me impeça de te dizer: putz grila.

::

Putz grila é também quando chego em casa e penso que Dona Laura desabafou comigo essa tarde, além de ter me lançado olhares cúmplices e trejeitos solidários. A testa se franze toda e fico com essas rugas de saber que as queixas de Dona Laura não cabem nesses meus dias, especialmente porque até bem pouco tempo eu pensava que Dona Laura queria me matar.

::

Substituo suicídios por assassinatos por justa causa, e minha defesa ganha tantas nuances a cada vez que relato o fato para alguém que penso em escrever um roteiro. Decido, porém, calcular os próximos passos, observar de perto as próximas vítimas. Mato o porteiro e em vez de ir ao cinema acampo na Yogoberry mais próxima, peço iogurtes cobertos com pedaços de manga e sento na calçada da praia pra ver o indo e vindo infinito.

::

Tudo passa e tudo sempre passará, desde que existam no mundo essas pessoas que se demoram onde as ondas estouram até você criar coragem pra entrar no mar (eu tenho medo das ondas), essas pessoas que topam quase qualquer coisa, mesmo que seja uma ida ao Zoológico no meio do feriado, essas pessoas que oferecem seus sofás num apartamento cheio de copos (e se oferecem de todo), tudo passa e tudo sempre passará desde que existam amigos que treinem cantadas com você, e cães fiéis que não entendem nada do seu choro e que te acolhem mesmo assim, e essa gente que você tem certeza que sempre volta.

::

Tudo passa e tudo sempre passará, desde que você saiba e permita que isso aconteça.

quarta-feira, setembro 02, 2009

Carta a C.

Caríssimo,

Chegou-me seu email no meio de uma terça-feira em que rasguei mais de 3 páginas do caderno. A segunda trouxe tanto enfado e andança que nada (e nada mesmo: nem feijão, nem vestido ou poema) funcionou. Ainda não funciona: até aqui matei todas as aulas que podia e concluí que essa dor que voltou às costas só pode ser porque amei demais, e isso é o máximo de beleza que eu enxergaria em algum lugar, não fosse tão patético. Tenho visto pouca coisa que me deixa assim: mexida e desfigurada, tão diferente que envolve um reprocessamento anatômico.

Tem sido uma questão, essa (ou esta?). Me veio ao final daquele ballet. Será que aos poucos a gente vai perdendo essa pré-disposição aos deslumbramentos? Ou será que a gente anda correndo tanto e lendo tanto e sabendo tanto que fica mesmo sem saber parar e gostar dessas coisas? Ou será que é porque isso que sempre foi tão bom só pode ser tão bom e quando não é frustra? Ou será que essas coisas estão de fato repetitivas? Ou será que sou eu? E se for? E se eu te contar que outro dia quase não agüentei comer aquele prato todo de bolinhas-de-queijo? E se eu te contar que comi, porque deixar pela metade seria tão assustador pra mim quanto pros que estavam na mesa? Parece pequeno, eu sei. Mas assim percebo como é doído deixar essas partes que não sou mais pra trás. É doído porque não sei o que virá depois e ao mesmo tempo não sei como lidar com essas coisas que já foram minhas e que não são mais. Você sente isso às vezes? Você acha que é muito exagero pensar nisso tudo só porque não ando gostando de ballets?

Talvez seja. Essas conversas ficam melhores quando tem Carol do outro lado. Nós fazemos isso: destrinchamos essas miudezas e elas viram um monte de perguntas. Raramente sei responde-las. Carol diz que também não. Essa semana ela me perguntou o que me motiva e eu não conseguia saber nem por um decreto. Eu sei essas motivações abstratas e que ficam tão bem em blogs e textos que se pretendem bacanas: pé de jabuticaba, Clarice Lispector, vidro do carro abaixado, filme novo pra ver.

Estou com essa mania de enumerar coisas sem pé nem cabeça.

Estou com essa mania também de ficar querendo e tentando sonhar com ele. Mas não funciona, e nunca sei se é porque é quarta-feira ou se é porque é precaução.

E se a gente começa a assumir pra todo mundo essas mudanças? E se a gente começa a falar mesmo tudo o que quer, e se a gente começa a abraçar de verdade as pessoas, e se a gente pede um tempo pra uns? E se ninguém entender, será que dura muito essa solidão? E se a gente já estiver mesmo sozinho?

Eu te escreveria mais, não fosse essa escuridão pela janela. Está certo, eu te escreveria mais, porém não quero. Não quero e não é de birra e nem pra te convencer de que não tenho mais frases. Não quero porque as coisas que eu tenho pra contar ainda não aconteceram. E se virarem de verdade, te conto logo e sem fôlego, e fico feliz porque serão boas, minhas e novas. Fico feliz porque sim.

A previsão pro feriado é de chuva. Será que vai ter mesa no Jobi?

Um beijo,

terça-feira, agosto 18, 2009

A varanda


As plantas

Eu nunca gostei de cuidar de flores, tanto que na minha varanda eu cultivava aquelas plantas atemporais que ficavam verdes o ano todo. Eram poucos vasos, dois ou três apenas, e também havia a árvore do quintal do prédio, e isso me bastava. O meu sonho de varanda era uma rede, mas no fim das contas o que acabou indo parar ali foi um sofá de vime repleto de almofadas coloridas. Era ali o único lugar da casa em que funcionava o telefone, e portanto a varanda foi ganhando acessórios que atendiam às necessidades das longas chamadas: ventilador, tomada, cinzeiro, copos d’água, frutas da estação, baralho e até uma mantinha que aquecia nos dias mais frios. Eu passava horas na varanda, desfiava histórias sem fim ao telefone para os amigos que moravam longe, confessava amores e ensaiava cometer pecados que nunca passaram de vagas promessas. Eu recontava as últimas piadas que tinha escutado a quem precisasse rir, discutia livros com quem era de livros, tentava convencer um alguns a viajarem comigo, persuadia outro a almoçar naquele restaurante novo e disfarçava em calma (e às vezes em doçura) aquela excitação ao falar com ele. Eu acreditava em todos os conselhos que dava ao meu irmão, e eventualmente me debulhava em lágrimas quando o meu melhor amigo me perguntava: como você está?

Quase sempre eu estava de pijama porque gostava de falar no telefone à noite, quando todas as coisas que eram do dia tinham terminado, quando o cabelo ainda estava úmido e cheirando a condicionador, quando o prédio ficava tranqüilo e propício a abrir correspondências, e quase sempre eu sentia esse desamparo, sobre o qual só era possível falar com ele.

O inverno

Aconteceu então que depois de dois anos, pela primeira vez, choveu durante todos os dias daquele inverno, e porque caía barbaramente a temperatura quando chovia, e porque o toldo não era suficiente pra proteger, e porque o chão escorregava, naquele inverno, eu trouxe tudo pra dentro e fechei a varanda. E, ao fechar a varanda, fechei meu mundo, que ficou em suspenso e aflito, ansioso pela primavera.

O aquário

Nos primeiros dias de chuva eu gostava de ver os pingos escorrendo pelas folhas das plantas, e gostava da sensação de estar seca e protegida atrás do vidro. Gostava do barulho também, que apaziguava em parte a falta de notícias do outro lado do interurbano. Eu imaginava que desabava o céu em todo canto, e que todas as pessoas deviam fazer a mesma coisa que eu: tecer cachecóis, colecionar recortes de revistas e encharcar as pernas de cremes. Pela primeira vez reparei nas outras varandas com seus toldos que pareciam ser mais eficazes que o meu. Notei que os meus vasos eram infinitamente mais feios que quase todos os outros, exceto uns de plástico preto que faziam casa a galhos frágeis que já se tinham quebrado desde a segunda tempestade, numa outra varanda. Mas a chuva apertava e em poucos minutos já não se via nada.

Eu pensava distinguir uma brasa de cigarro que se demorava na varanda em frente, mas a noite deixava tudo tão preto, e a chuva tornava tudo tão turvo que eu julgava não ser possível que alguém fumasse do lado de fora.

O encontro

Na quarta semana aconteceu que pequenos papéis cheios de anotações começaram a chegar. Era sempre o mesmo tipo de papel, provavelmente tirado do mesmo caderno. Dobrados e envelopados cuidadosamente, e deslizavam sob a porta em horários diversos. O objeto de escrita variava, e a caligrafia funcionava em tinta azul, preta ou à lápis (a minha letra nunca obedeceu a nada que não fosse bic preta). Eu estranhei que não houvesse selo, e logo ficou claro que os bilhetes só poderiam vir de alguém muito próximo. Mas não eram bilhetes: logo eu entendi que eram respostas, a muitas das perguntas que eu tinha feito durante os anos em que não choveu. Essas respostas continuaram chegando durante todo aquele inverno, e à medida que o volume da chuva crescia, aumentava a quantidade de envelopes pela porta. Eu respeitava o anonimato do remetente, e me mantinha à distância, sempre na cozinha ou no quarto, e espiava a entrada da sala periodicamente, e esfregava as mãos, porque ficavam geladas e inquietas e afoitas, e vibrava a cada “shoop” por debaixo da porta, e me surpreendia ao reconhecer neles respostas e comentários a muitas das histórias que eu tinha contado e inventado, e muitas vezes chorei ao entender algumas daquelas linhas que falavam de coisas que eu já nem lembrava mais. Eu me indagava como era possível que alguém guardasse tantos detalhes, e como era possível que alguém tão absolutamente desconhecido pudesse saber tudo aquilo: que eu não tinha muita paciência para flores, que eu não lidava bem com quem não gostasse de Raduan Nassar, que o meu riso era de nervoso quando falava com ele, e que eu abreviava domingo de manhã porque me distraía da conversa com o barulho das crianças no play.

Só um dos vizinhos poderia saber que eu adorava desligar o telefone aos domingos pra ficar debruçada no pára-peito achando graça dos risinhos chacoalhantes das crianças pequenas do prédio. Mas eu tinha receio em descobrir quem era, e substituí a curiosidade por uma espécie de conforto, e fiz desses acontecimentos um recanto tão macio quanto as almofadas do sofá de vime. A primavera chegou, e fui eu quem escreveu o último bilhete, que deixei sobre o tapete de entrada do hall para que o remetente recolhesse quando viesse deixar seu envelope: amanhã é 23 de setembro e faz tempo que não tomo um sorvete.

O começo

Eu não recoloquei o sofá de vime na varanda. Resolvi levar adiante a idéia da rede. Era o que me aconselhava um dos bilhetes, o penúltimo, pra ser mais exata. Era o único que usava um papel diferente, maior, colorido, num desses envelopes pardos e grandes.O último bilhete trazia a única pergunta à qual nenhum de nós dois sabia responder: o que acontecera com ele, porque ele não viera me visitar esse inverno, onde tinha ido parar aquele amor.

Eu queria me balançar e olhar o pedaço de céu que me cabia, e esperar que soasse a campainha. Perto do meio dia eu abri a porta e parado diante de mim estava um homem que tinha mais ou menos a minha altura, mais ou menos a mesma cor de cabelo que a minha, que também usava óculos, e que também esbanjava para o mundo a possibilidade de, finalmente, usar chinelos. Eu o convidei a entrar, mas ele sabia que no fundo eu não gostava muito de receber visitas. Busquei a bolsa, e embora qualquer um julgasse que essa situação era completamente absurda, não encontrei qualquer susto na chegada do meu vizinho. Após o sorvete percebi que a brasa de seu cigarro queimava no mesmo ritmo daquela que eu julgava distinguir no escuro. Ele explicou que se sentira muito só naquele inverno, que tinha saudade de ouvir minhas histórias, minha voz, meus engasgos. Ele explicou que foi sem querer que tudo aconteceu, e que por minha causa tinha desistido de parar de fumar. Ele explicou muitas outras coisas de sua vida, que gostava de ver filmes na TV, que mascava chicletes em dias alternados, que preferia campo a praia e que eu ficasse tranqüila porque Lavoura Arcaica era um de seus livros preferidos também. Temi que ele fosse voltar à questão principal desses amores perdidos quando ele disse que também tinha um. Seus óculos embaçaram e achei que era hora de voltar pra casa, telefonar praquela amiga que tinha ido morar longe, saber se o inverno tinha sido generoso para o amigo que escrevia um livro, e roer disfarçadamente as unhas esperando que a primavera trouxesse pra mim ele, e mais: ter a certeza de que meu vizinho estaria ali escutando tudo.

Antes de nos despedirmos, meu vizinho queria fazer uma última pergunta. Duas, ele emendou. A primeira foi tão fácil que até hoje rimos dela: posso voltar? A segunda foi uma surpresa, e o verdadeiro começo dessa coisa que aconteceu logo em seguida: qual é o seu nome?

quinta-feira, agosto 06, 2009

No meu descaminho

Passei dois dias na banheira e quando resolvi sair de casa eu tinha trocado de pele. Mas aquele resto de tristeza ficou, porque era anterior, e porque era abstrata demais pra sair na água.

Me dei conta da calamidade no metrô, quando me vi sentada numa cadeira branca a esperar um trem, mas vários vieram e se foram sem que eu me mexesse. Uma sucessão de trens ia e vinha ao passo que por algum motivo desconhecido o ipod repetia exaustivamente a mesma música, uma que parecia com o sofrimento que sentira nas vésperas daquela tarde.

Depois de um tempo que não sei precisar, um senhorzinho metido em camisa e terno xadrez me estendeu o lenço amarelado que carregava no bolso do paletó. Ele tinha ainda uma camiseta de malha, dessas esportivas com tecido furadinho, que ia por debaixo da camisa.

Percebi que as minhas bochechas estavam inundadas, e que minhas mãos largadas no colo tremiam um pouco. O que fez aquele senhor se aproximar de mim foi o fato de que, embora eu não percebesse, eu cantava.

Eu cantava e chorava um choro doído, e as pessoas me olhavam com espanto e se afastavam com pena e pressa para dentro dos trens ou para as escadas. Umas ainda viravam os pescoços, mas todas seguiam seus caminhos enquanto eu continuava fincada, sem parecer saber que Norte era meu.

Quando finalmente tirei os fones dos ouvidos e polidamente recusei o lenço que o senhorzinho me estendia, consegui distinguir que seus murmúrios eram, na verdade, uma tímida e melancólica cantoria: sim, vai e diz, diz assim que eu rodei que eu bebi que eu caí que eu não sei que eu só sei que cansei enfim dos meus desencontros, corre e diz a ela que eu entrego os pontos.

Ele me contou sua história, e soube descrever tudo o que era necessário, e não mais que isso, pra que eu entendesse, e não era muito complicado e a partir de então tudo foi imediato: eu respirei três vezes e coloquei um dos fones no ouvido daquele senhorzinho, e passamos a tarde juntos a ver os trens que partiam e a cantarolar sem vergonha todo o nosso desalento na estação Cinelândia.

segunda-feira, agosto 03, 2009

Top 5 razões para ser feliz num fim de semana

1. A caixa de chocolates que chega junto com um jantar, que chega junto com ela, que chega nesse exato momento da vida em que eu quero e preciso e adoro conversar com ela, mais do que com quase todas as outras pessoas do mundo.

2. A varanda com flores e passarinhos gordos dessa outra casa que eu tenho, e o cochilo no sofá, após o almoço, com sol batendo na cara.

3. Trânsito na Jardim Botânico, o suficiente pra repetir # 41, do Dave Mathews Band várias vezes, e cantar nãnãnãs no solo de sax, e querer que a vida tenha esse ritmo.

4. Lembrar que existia ainda um livro do Nick Hornby que eu não tinha lido, e que é justamente o que fala sobre canções, o que permite descobrir que mais alguém no mundo além de mim mesma não se importa tanto quanto deveria com o Bob Dylan, e que te faz lembrar de uma música meio cafona que o Rod Stewart cantava ("I can tell by your eyes that you've probably been crying forever"), e que te dá essa vontade doida de saber de novo tocar “Come as you are” no violão.

5. Faz um intervalo na chuva e fica verão domingo. Um dia de praia com toda aquela gente semi-nua voltando a ser dourada, as crianças de baldinho na mão, as ondas batendo no pé, as pessoas sorrindo, os sorveteiros contentes, essa vontade bobinha de tirar fotos de celular dos amigos, e até a iminência de caixotes é uma boa perspectiva. A vida é boa quando tem sol.



quinta-feira, julho 30, 2009

Never been so easy or so slow*

* "You could make me cry if you don't know. Can't remember what I was thinking of you might be spoiling me too much, love, you're gonna make me lonesome when you go." Bob Dylan


Ele desembrulha todas essas histórias que eu não sei e numa gargalhada me espatifo no chão como se fosse azulejo, e ficam todos os pedaços sobre o tapete quentinho dessa casa que eu criei. Ele prepara a lareira, a sopa e a gente nunca pára de falar quando têm mantas sobre os joelhos. Eu folheio a pilha de revistas, ele beija meu umbigo e esquecemos até de beber conhaque e todos os licores coloridos. Ele me abraça do tamanho certo, e eu derreto pra todos as quinas das mãos, das pernas e dos ouvidos dele. E da boca, e é tão fácil que ele esquece de dormir, e eu também.

Desde que ele não está mais aqui, dou bom dia pras paredes e durmo de meias, esquento café pra um e invento esse final tristíssimo: a casa morre afogada de tanta chuva, me tranco no banheiro a estrangular flores, fico sem mais nem porquê à tarde. Investigo no espelho do closet e constato que sumiu da minha bochecha direita a marca tão efêmera quanto essa história de paixão desenfreada: uma mordida de mosquito.

terça-feira, julho 28, 2009

O dia em que o Merce Cunningham morreu

O dia em que o Merce Cunningham morreu foi o mesmo em que qualquer possibilidade de matar o blog se dissipou. Com tanta gente morrendo eu não teria coragem. O dia em que o Merce Cunnigham morreu foi o mesmo, também, em que eu acendi uma vela pro Rodrigo Pederneiras, porque depois de Isadora Duncan, Marta Graham, Béjart, Pina Bausch e Merce Cunningham, sei lá. Na (minha) linha de sucessão o Pederneiras é o próximo. O dia em que o Merce Cunningham morreu foi, ainda, o mesmo em que eu resolvi odiar o Word que o queria transformar a todo custo em Mercê Cunningham. E, pra completar, o dia em que o Merce Cunningham morreu caiu num período péssimo, porque de repente to cheia de assunto e alguns textos esperando na fila.

Mas como tudo o que é ruim pode piorar, o dia em que o Merce Cunningham morreu foi quando o Marcelo riu da minha neurose de que o Pederneiras pode morrer (e eu não contei pra ele que telefonei pros hospitais de Belo Horizonte pra saber se, por acaso, o Pederneiras não estava internado em algum deles), e riu porque eu disse que neurose é o preço da ponte aérea, porque é claro que o Grupo Corpo estreia em São Paulo em duas semanas, afinal o Municipal está em obras.

Honestamente? O dia em que o Merce Cunningham morreu sucks.

segunda-feira, julho 27, 2009

A crise nos campos de morangos

Então eu descobri que sou capaz de me emocionar tudo de novo vendo o mesmo musical infantil que já me havia feito chorar ano passado; e que estou com essa mania de largar o Rodrigo sozinho por aí, seja no cinema ou numa festa; e que a minha tinta de cabelo volta e meia realmente some e só encontro depois de quatro ou cinco farmácias; e que até agora não há nada de errado com a barriga, nem pedra na vesícula, nem nada no fígado, nem nada no baço e nem nada em nenhuma outra cavidade abdominal, o que é bom, e por isso sigo sem beber, o que não é tão bom assim, e isso pode significar uma mudança drástica na minha vida social.

Mas o pior de tudo, o que é verdadeiramente problemático, é que eu descobri que odeio, não é exagero, odeio, ODEIO (convence mais em capslock?) o nome desse blog. Exato, eu não sei onde eu estava com a cabeça quando resolvi batizar esse blosgpot de “Strawberry Fields”. Tem coisa mais cafona? Deve ter sido um surto adolescente. E eu nem amo tanto assim essa música. E agora, por uma dessas fatalidades fatídicas, estou presa a esse diabo desse título pra sempre porque não consigo pensar em outra solução, e mesmo que conseguisse, ia acabar confundindo a cabeça dos leitores e consultoria de marketing nenhuma aprovaria esse plano de mudar uma marca já consolidada.

E pra piorar, não sei nem mesmo mexer no layout deste blog. Se eu conseguir, prometo, dispenso as estratégias de qualquer empresa de branding, volto a ter cabelo preto (nunca sai de moda e a tinta está sempre lá), tomo um porre homérico que me fará passar mal por cinco dias seguidos, apago esse letreiro brega e fico, então, feliz e desbatizada.


:: Let me take you down, cause I'm going to strawberry fields. Nothing is real.

sábado, julho 25, 2009

"Estrago a pessoa amada em 3 dias"

(escrito numa camiseta em Ipanema)

Era dilúvio quando a frase do título me pegou e desde então eu já escrevi milhares de coisas sobre o assunto (na minha cabeça). Cheguei num nível de obsessão com a frase que fiz um top 5 imaginário de pessoas amadas que eu estragaria. No fim eu sempre concluí que não estragaria ninguém. Eu acho.

No fim (de novo) o melhor que consigo pensar é que é deveras mais eficaz estragar logo a pessoa amada, porque possível e provavelmente ela não te ama de volta. E até onde eu sei, mãe de santo alguma vai convencê-la do contrário. Então pense: a pessoa amada vem, nada dá certo, o relacionamento gera sofrimento pra uma das partes e está feita a cagada.

Melhor estragar antes. Em 3 dias e você descobre que a pessoa amada é uó e logo desfaz-se o sofrimento.

quinta-feira, julho 23, 2009

Carta a B.

Ma chérie,

Hoje o dia parecia que ia dar jeito, que alguma coisa ia ser boa, que alguma coisa ia ser minha. Por algumas razões nada obscuras e completamente óbvias, a quinta-feira terminou com o gosto amargo de um temaki completamente vomitável. Mas você sabe, o dia de passar mal foi sábado e é pra frente que se anda.

Eu comecei a desconfiar de todo o meu futuro quando me vi dando voltas pelo Shopping da Gávea procurando uma loja que com certeza deveria estar no terceiro piso. Eu rodei tanto que não deu tempo de ir na manicure nem de comer folhado na Chez Anne. Pra piorar, a liquidação da Osklen estava péssimae tudo continuava custando mais que o compreensível. Mas havia uma luz no fim do túnel porque a música que tocava no Shopping era "Just Another Day", do Jon Secada, o que foi o primeiro aspecto positivo do meu dia e eu até cantarolei. Você sabe, "Just Another Day" é uma das top 5 músicas pra ouvir so-zi-nha no carro, cantando aos berros, fazendo todo mundo dos outros carros se divertir um pouco ao pararem no sinal.

Poucos minutos depois, já a léguas de distância e atrasada, percebi que todos os bilhetes de metrô haviam sumido, que eu só tinha cinco reais na carteira e que eu teria que me segurar naquelas barras dentro dos trens correndo sério risco de me contaminar com gripe suína. Dez minutos depois eu já estava tossindo e panicada, sem nem mesmo ter idéia se tosse consta dos sintomas. Pouco antes de chegar ao trabalho o meu caderno foi cruelmente tragado por um bueiro imundo da Rua dos Andradas. Eu ando tão cheia de idéias e planos que desenvolvi uma técnica de escrever andando pra anotar qualquer coisa que possa virar: um catálogo, fotos de moda, textos, twitters, outro emprego, tese de mestrado. Exato, ando com desejos acadêmicos. Mas lá se foi o caderno, porque me distraí com os pastéis e ele despencou tragicamente.

Então as quarenta e três idéias do dia foram descartadas, não apenas porque o caderno ficou irremediavelmente fora de alcance, mas também porque essas coisas acontecem, né? Enfim. Quando pela janela do atelier começou a entrar o som de uma música do Coldplay eu achei que tudo poderia ficar agradável novamente. Então eu me dei conta de que a calça que eu vestia estava completamente tomada por bolinhas e fiozinhos puxados no quadril direito. Era o meu fim decretado, visto que eu comprara a calça exatamente vinte e quatro horas antes.

A minha última salvação encontrava-se no mesmo bairro em que a primeira, e lá fui eu correndo pra aula de dança, me esticar e rodopiar e terminar a aula carimbando o chão com a mancha de suor das minhas costas. E aí, ma chérie, uma coisa muito dolorosa aconteceu: a minha hérnia voltou e eu senti o lado direito todo da lombar doer como se alguém estivesse espetando agulhas num boneco de vodu que tivesse a minha cara. Era o meu fim, de novo. Rezei. Comi um temaki. Cheguei em casa, matei o porteiro três vezes, vomitei o temaki e aí você aconteceu: se você estivesse aqui a gente iria tomar uma taça de vinho qualquer safra acompanhado de pizza do supermercado. A gente ia delirar com a última campanha do perfume da Jil Sander, porque se você estivesse aqui eu saberia como é a última campanha do perfume da Jil Sander. Se você estivesse aqui ia consertar toda essa chatice de dia cheio de vírus, algas e tecidos de quinta.

Mas você não está, portanto eu coloco outro dramin pra dentro, fico absolutamente desorientada e caio na cama, não sem antes colocar um montinho de travesseiros sob as pernas, hérnia de disco, sabe como é.

No sonho a gente gargalha na estação Saint Sulpice e volta pra casa de manhã cantando “but remember this every other kiss that you ever give...” a plenos pulmões e fazendo cara de drama. No sonho a gente ainda é vizinha, tem praia em Paris, a Carol nunca fura e a ponte aérea funciona tipo a da novela das oito, toda hora os amigos vão e voltam e nunca ninguém chega a querer se matar de saudade.

Se você estivesse aqui, ma chérie, você ia saber o jeito certo de consertar tudo. Porque você não está, fico crente e canto Jon Secada como um mantra: whyyyyy can’t you stay foreeeeveeeeeeeer Just give me a reason, giiiiiiiive me a reason cause Iiiiiiii Iiiiiiiiiiii don’t wanna say it, I don’t wanna find another way...

Como se traduz isso tudo pro francês? Como se mede saudade?

Me diz, minha querida: co-mo-faz?

Bisous,


(ps. A internet não funcionou quando eu queria ter postado esse post...)

domingo, julho 19, 2009

Estação Uruguaiana

(ou: Quando porteiros e SAARA se encontram)

Ainda está lá na Estação Cinelândia a lojinha de sapatos cheias de scarpins de saltos incrivelmente altos e finos. Ainda está lá na Estaçaõ Carioca toda aquela gente que parece que vai te esmagar no metrô, que medo. Eu ainda confundo Rua da Alfândega com a Senhor dos Passos. A farmácia da esquina ficou completamente destruída. Os pastéis enormes e lindos ainda não me convenceram.

Respiro aliviada ao ver que lupas ainda são vendidas junto a bolsas plásticas de água quente (R$5,00 cada), porque isso parece fazer mais sentido que muita coisa, a maioria delas, na verdade (imagina comprar uma lupa sem uma bolsa de água quente ou vice-versa?). Descubro que os corantes Guarany não produzem mais a tinta bege, e portanto a vida no atelier frente ao fogão de tingimento complicou-se: azul, vermelho, amarelo e marrom nunca dão um bege tão bom quanto o finado. O cáqui que inventaram para substituir também não dá certo. O almoço no restaurante a quilo continua dando 15 reais. O café agora é na Pavelka, muito melhor que a Colombo. Homens de cabelo ralo e barrigas proeminentes continuam andando com pentes de dentes finos nos bolsos de camisas de algodão. A Dona Laura, essa também não mudou, e porque ela continua sendo uma pedra no caminho, e porque ela continua me dando bom dia com uma cara de vômito e um "opa" ("opa"?!), e porque ela ostenta um bigode medonho, tornou-se o meu novo porteiro da noite.

Eu continuo preferindo seda pura, e torcendo por um frio pra usar veludo, mas não tem jeito, no SAARA faz calor até nos dias de temperatura mais baixa, já dá pra sentir da escada rolante do metrô. Na volta pra casa, eu continuo errando a saída e quando vejo estou em frente ao Odeon, pensando em letreiros e filmes.

Em meio a todo o déjà-vu (não me venha sugerir psicanálise), a grande conquista do dia, quiçá do ano, foi o meu novo amor, um desses que aparecem novinho em folha quando menos se espera. Pelo interfone ele me avisou que o reboque estava chegando no meio da tarde de domingo. Desci as escadas num galope com a blusa de ontem, a saia que tinha ficado sobre a cadeira, os cabelos descontrolados, pantufa e meia-calça e salvei meu carro de mais um reboque. E então assim, ofegante e certamente reprovada por qualquer consultora de moda no quesito modelito, me apaixonei perdidamente pelo porteiro da tarde, meu novo herói.

segunda-feira, julho 13, 2009

Laranjeiras

Essa história que ficou encalacrada entre o Largo do Machado e o túnel Rebouças, ela volta em detalhes e cheiros quando perambulo pelos brechós da Rua Alice e experimento alguns vestidos verdes, que receberiam elogios quase imperceptíveis se tantas coisas... Mas não compro nada.

Na esquina da mesma rua já não como mais pastéis porque já não vivo mais aqueles dias de Cesaria Évora de manhã, de tomates secos em frente a um filme em língua estranha. Essa história de demorar a dormir pensando em desculpas pouco convincentes pra te fazer entender que a gente não dava certo, mas a gente dava certo, lembra?

Essa história cheia de razões que eu mesma escrevia, ela volta em cores quando passeio por ruas que eram suas, e que continuam no mapa apesar de mim. Essa história, cujo final eu escolhi, quando volta me pega numa saudade tão boa e pouco dramática de nem sei o quê. Essa nossa história de saudade, deve ser isso, fui eu que inventei do começo ao fim.

sexta-feira, julho 10, 2009

O twitter é aqui - vol. 2

13h15
Todo dia de manhã engulo água da pia e depois uma porção pequena de flúor oral-B azul e tenho certeza que um dia isso vai trazer algum mal. É que dá muita hipocondria no inverno

13h25
E o batom laranja que nunca sai? Infecção, na certa.

13h30
Tipo o filtro solar. Excesso de fator de proteção na pele, e mesmo assim as sardas se expandem. Não faz nenhum sentido.

13h55
( "E algum trocado pra dar garantia." )

14h22
Sexta-feira eu ganho dois centímetros no alongamento, mas hoje me estiquei tanto que tenho certeza que estou com 1m77. Segunda tudo volta ao normal pra 1m72.

15h18
Algumas coisas, porém, passam a fazer sentido tão de repente: o cd da Cibelle, o nome dos passos de ballet, havaianas (as legítimas), sashimi de salmon.

15h22
E outras ficam à espera de alguma coisa que resolva: esse dia seguinte, tentando estancar saudades.

15h24
( "Pra poesia que a gente não vive, transformar o tédio em melodia." )

15h27
E essa ausência de quadros na parede...

15h29
E esse ipod amarelo, em que momento da vida se escuta ipod?

15h31
E onde diabos foi parar o cd do Grande Circo Místico, caracolis?!

16h50
É alguma vértebra que não tá legal e que inflama desde o pescoço até o cotovelo deixando o braço direito tão pesado e o ombro completamente inútil. Penso: sofrer de amor não parece tão trágico.

16h54
( "E algum veneno anti-monotonia." )

17h00
Faz sentido também quando Tony gargalha mexendo a mandíbula, e só ele deve fazer isso.

17h04
E esses suspiros que duram o tempo exato dessas saudades, que duram bem mais que abraços esquecidos, que percorrem o exato trajeto da dor que começa na garganta e toma de assalto o cotovelo. No fim é tudo a mesma coisa: dói, e é físico.

17h41
( "Ne me quitte pas / Je ne veux plus pleurer / Je ne veux plus parler / Je me chacherai là / À te regarder / Danser et sourire / Et à t'écouter / Chanter et puis rire" )

17h45
Ne me quitte pas.

18h00
É que às vezes parece que o mundo não faz nenhum sentido quando você não participa do Twitter, sabe?

quinta-feira, julho 09, 2009

The "porteiro da noite" issue

Fazia tempos eu andava com uma certa vergonha do porteiro da noite porque passava sempre das duas quando eu chegava em casa e não importava o dia, porque vida de gente como eu é assim: passa-se a tarde de quinta na praia a beber cervejas e as noites de terça e quarta a debater relacionamentos alheios no baixo. Por causa da vergonha eu decidi ficar em casa, e por causa da aula de dança eu decidi chegar tranqüila, tomar um banho quente e terminar um livro, e por que os vizinhos andam reclamando que a garagem está excessivamente cheia de carros o porteiro da noite veio gentilmente pedir que eu entendesse que não podia seguir estacionando o carro no interior do edifício, que eu entendesse que ele não se opunha ao ato, porém que era preciso também compreender a posição do síndico e dos vizinhos e que eu não poderia ocupar mais uma vaga visto que cada apartamento tem direito a somente duas vagas e veja bem meu bem: porque eu realmente queria tomar um banho e comer eu fui tratando de retirar o veículo da garagem, de tranqüilizar o porteiro da noite dizendo que eles (quantos fossem) tinham razão (sempre), afinal eu estava (há meses) infringindo as leis do condomínio e que eu só havia tomado a drástica decisão de guardar o automóvel indoors por conta de um reboque em que na ocasião o porteiro do dia resolveu ocultar esse detalhe e eu fiquei, chave na mão e luzes de babaca piscando na testa, a procurar o carro na rua. E por causa do vizinho, aquele. O porteiro da noite disse que sim, que o porteiro do dia havia contado a ele. Pedi então que o porteiro da noite me contasse caso o porteiro do dia soubesse que meu carro fora rebocado outra vez, visto que, ao que parece, o entrosamento deles é bem maior que o meu.

Foi então que o jogo virou: já sob a tão sonhada água quente, pensei que o porteiro da noite sempre, sempre mesmo, está a dormir quando eu chego ao prédio. Ele só acorda quando eu já estou em frente ao elevador, esperando e bocejando, e então o porteiro da noite diz frases sem sentido, me chama de outros nomes e volta a dormir no sofá, imagino até que babe. E então em vez de certa vergonha me deu certa raiva desse cara que nunca, nunca mesmo, cumpre o seu papel primordial de me abrir a porta de madrugada, ou de me orientar quando entro com o carro na garagem para que eu não arranhe ainda mais a lateral direita no caminho estreito entre as pilastras. Foi então também que eu me dei conta de que o porteiro da noite sempre, eu disse sempre MESMO, deixava o vizinho, aquele imbecil, estacionar de forma errada ocupando duas vagas, uma das quais deveria ser a minha. De repente me deu o estalo, eu virei persona non grata na garagem do edifício por causa do porteiro da noite, que obviamente é cúmplice não só apenas do porteiro do dia (quiçá do reboque), como também do vizinho.

Foi então, também, que saí do banho, coloquei um vestido e um sapato de salto, daqueles bem barulhentos e irritantes que vão fazendo tec tec pelo caminho e resolvi que essa noite eu só chegaria ao prédio depois das 3 e meia, quando o porteiro da noite estivesse no melhor do sonho. E de taxi. As instruções para o taxista eram de que embicasse o carro na garagem fazendo estardalhaço e que desse uma buzinada que faria com que o porteiro da noite levantasse de um salto. Então eu adentraria a portaria pisando firme em meus saltos tec tec e falando alto como uma bêbada que chega em casa sem idéia do volume. Com sorte eu estaria realmente bêbada, e com mais sorte ainda eu passaria mal na portaria. Ou no elevador. Se fosse um dia em que os astros conspirassem a meu favor, até o vizinho acordaria diante de tamanha confusão.

terça-feira, junho 30, 2009

O dia em que a Pina Bausch morreu

O dia em que a Pina Bausch morreu foi o mesmo em que eu entendi que não poderia confiar jamais outra vez em oftalmologistas, especialmente os que dizem que no meio da cirurgia de miopia a pessoa sente um cheiro de queimado e que é normal. Normal, na minha concepção, é sentir cheiro de xampu no cabelo, de bueiros no Leblon ou de bifes na cozinha. Ou acordar e não enxergar as horas no despertador na mesinha, ou tomar banho de óculos, ou tira-los da cara e fazer uma seqüência de rolamentos míopes na aula de dança e terminar desnorteada.

O dia anterior ao da morte da Pina Bausch foi quando eu resolvi de fato que eu não faria a operação de miopia, mesmo se o especialista em retina dissesse que as degenerações do olho esquerdo não eram nada, o que de fato ele disse.

Nos minutos anteriores ao oftalmologista afirmar que minas retinas estavam aptas à cirurgia eu vislumbrei toda a cena que fatalmente aconteceria se eu adentrasse a sala de procedimentos com aquela touca protetora comprimindo os cabelos. Eu me agarraria na minha mãe, no meu pai e em quem mais estivesse pela frente gritando e chorando e tapando meus olhos com as mãos, como fez a garota loirinha de seis anos que estava na sala de espera comigo, e que não deixava pingarem nela o colírio dilatador de pupilas nem por um decreto.

Eu quis dizer a ela que o olho dela ia arder só um pouco, pior era o meu que exalaria cheiros de queimado. Eu quis dizer a ela que era melhor dilatar logo as pupilas, que pelo menos ela tinha pai e mãe para a levarem para a casa sã e salva num carro onde não precisaria se arriscar a dirigir após a consulta. Eu quis dizer a ela que pelo menos ela não tinha idéia de quem era Michael Jackson, muito menos Pina Bausch.

No dia em que a Pina Bausch morreu eu poderia ter feito uma boa ação para aquela criança, que provavelmente ficou traumatizada com a ida ao oftalmologista e que, assim como eu, provavelmente, nunca mais colocará os pés naquela clínica. Em vez disso eu entrei no carro e vim dirigindo pra casa com os olhos dilatados encolhidos com o excesso de claridade, quase me acidentando de cegueira, vertendo lágrimas dentro de um carro sem trilha sonora, pensando que talvez o meu pai tenha razão quando diz que não precisamos superar todos os nossos medos nessa vida. No dia em que a Pina Bausch morreu eu cheguei em casa viva e sem enxergar de perto, de longe ou de médio. Me tranquei sob as cobertas e dormi dez horas.

O dia em que a Pina Bausch morreu foi o mesmo em que uma aluna nova chegou à minha turma de dança, e após 40 minutos ela perguntou se eu conseguia fazer a aula toda de óculos sem problemas. Sim, eu respondi. Sem qualquer problema.

quarta-feira, junho 24, 2009

Tomar o mundo feito coca-cola

"Só falta te querer
Te ganhar e te perder
Falta eu acordar
Ser gente grande pra poder chorar"
Lulu Santos in O Último Romântico

É que às vezes acontece isso de chorar com uma mesa entre nós, de ficar sombria e engasgada e encrencada numa linha curva de pensamentos tortos, acontece às vezes de enxugar os olhos com guardanapo timbrado, de inundar hastes de óculos gastos e marrons, de esfregar os olhos e ter soluços pequeninos e contritos que tentam cessar essa torrente que se põe a desfiar histórias e lembranças tão de trás, tão de longe.

É difícil dizer se um abraço teria sido consolo, ou se mousse de chocolate, ou se meia, ou se noites clandestinas que viravam refúgios com espelhos nos tetos, tudo isso pra deixar pra lá esses redemoinhos de coisas e perguntas, pra deixar pra trás melancolias cheias de dúvidas que não terminaram e que então desse lado da mesa vêm à tona tão naturalmente como espirros em dias úmidos.

É que quando fica inverno essas coisas jorram: esses humores quase sempre tão disfarçáveis, esses prantos que geralmente sabem que o melhor horário é no meio de uma madrugada sozinha, essa carência de pele e do outro que normalmente se conforma com os suspiros de uma saudade que nunca vira nós dois, essa insegurança que habitualmente se esconde entre piadas e um jeito de ir vencendo os dias graças a risos que não têm por que.

E tosse. E essa letargia, esse estado hipocondríaco que vem com travesseiro, falta de convites para comer fondue e pancadas de chuva à tarde.

É que às vezes acontece isso quando fica inverno: esse frio, esse pulmão congestionado, lenços de papel que vão secando uma porção de lágrimas desordenadas, um medo que só mesmo roupa de flanela, "me dá um beijo então / aperta a minha mão". É que às vezes, com sorte, passa um filme de infância na "Sessão da Tarde".

quarta-feira, junho 03, 2009

Cravo bem temperado

Assim como as mães e os homens, todas as avós devem ser iguais, mas certamente nenhuma se compara com a minha. A minha avó tem um cabelo branquinho mais comestível que algodão-doce e sempre aquela voz de conforto que só as avós sabem ter. A minha avó arregala os olhos quando fica embatucada, porque ela sim sabe bem o que é ficar embatucada. Ela fica intisicada também, e só ela sabe quando alguém fica uma ou outra coisa. Quando eu penso que ela vai dizer que fulano estava embatucado ela diz intisicado e vice-versa. Só a minha avó tem sabedoria e vivência suficientes pra distinguir estados de espírito tão semelhantes.

A minha avó faz doces politicamente incorretos que arrepiariam os cabelos de qualquer americano babaca se entendesse que eles vêm embrulhadinhos um a um e se chamam preto-de-alma-branca. A minha avó certamente iria para a corte. Muito embatucada.

Foi a minha avó que disse que eu deveria passar leite de mamão verde nas perebas da sola do pé. A minha avó é assim: ela tem netas que às vezes pisam onde não deveriam. Então, por causa de minha avó, aqui em casa de manhã todo dia tem gritaria quando o leite de mamão verde encosta na primeira ferida. Eu não fico embatucada nem intisicada porque com a dor que dá só tem um sentimento possível de se sentir: solidão. Eu dou pulinhos até o quarto, coloco o pé pra cima e faço origamis.

Verdade seja dita: eu tento fazer origamis. Origamis combinam muito bem com esse sentimento de solidão profunda que a dor te traz: ninguém, ninguém mesmo, nem sua avó nem sua mãe nem sua irmã podem te ajudar.

Avós podem fazer quantos doces indecorosos forem possíveis, que não vai melhorar a dor. Mães podem dizer quantas vezes forem necessárias pra filhas olharem por onde andam que eventualmente elas vão enfiar o pé na jaca. Irmãs podem dividir o sofá todas as noites para verem juntas a novela que não tem jeito, o pé vai continuar queimando. E nem mesmo as três juntas seriam capazes de decifrar os confusos desenhos do livro de origamis, o que me leva à conclusão de que todos os japoneses devem ser também iguais: não-embatucados, não-intisicados, felizes, tranqüilos e zens com acupuntura, yoga, medicina oriental e avós que lhes ensinam desde cedo a fazer dobraduras, porque só assim mesmo pra conseguir fazer girafas e sapinhos saltitantes.

Quando o embatucamento começa a dar lugar à solidão é que o pé já parou de doer e eu já gastei uns cinco papéis especiais e não consegui fazer um cisne. A minha avó diz ‘não se preocupa, na maciota você consegue’. Então a minha avó faz mais uma demonstração de sua experiência e me aconselha a montar meus origamis com o bisneto dela, um rapazinho de três anos, engraçado e serelepe também conhecido como meu primo. Só que meu primo, eu juro, está mais interessado em escutar óperas. Me dou por vencida: no fim de semana faço uma visita de taxi, caminho manca até o quartinho dele e resignada pergunto: quer ouvir um pouco de Bach?

sexta-feira, maio 29, 2009

Argumento

Eu não sabia
Que virar pelo avesso
Era uma experiência mortal.

Ana Cristina César, Fagulha, dentro de Inéditos e Dispersos.

Toda livraria deveria começar pela sessão de História. Mas assim como todas as outras, essa aqui também tem uma seqüência de prateleiras e corredores que não segue lógica alguma. Dobrando à direita após a Culinária, por exemplo, você chega à Literatura Nacional. Mais à frente ficam os livros de cinema. É a segunda parada, porque geralmente cortamos caminho pela sessão de Design, que é também bastante folheada quando a gente vem tomar café. Tá certo, toda livraria deveria começar pelo café. Comprar um livro sentindo todo o corpo quentinho, com aquele resquício de creme chantilly no fundo do céu da boca. E waffles: comprar um livro depois de ter comido waffles com mel num domingo chuvoso, qualquer orelha ou contra-capa fica com ares de prêmio Nobel, e os filmes dos livros ficam ainda mais clássicos, e alguns mais injustiçados pelo Oscar.

O intervalo no Cinema é seguido por uma espécie de férias, que acontece sempre que chegamos na Poesia: uma prateleira tímida que deveria durar corredores inteiros, que deveriam abrigar sofás e poltronas revestidos por camurças cor de vinho, que deveriam afagar leitores aquecidos por xícaras de chocolates-quentes. O único sofá, porém, fica ali perto da porta da entrada, dando boas vindas aos ventos frios que sopram toda vez que alguém chega aqui.

Perto da gente, sobre nossos joelhos, aterrissam versos e estrofes que nunca vamos comprar. A prateleira de poesia é tão envolvente que resolvemos nunca comprar nenhum daqueles volumes, só pra voltar sempre. A gente opta por se esparramar pelo chão em frente, e resolve colher aos poucos os poemas grudados nas páginas, a cada domingo chuvoso ou sonolento que acorda no fim de tarde com doses de cafeína e açúcar em pacotinho. Escolhemos obras distintas, passeamos pelas folhas até que um de nós comece a falar: sabe, e se eu te contasse que nunca li um livro do Ferreira Gullar? A gente resolve que não é desaforo: tudo bem, eu também não. A gente ri um pouco, olha pros lados, não queremos que ninguém pense que é deboche, não aqui, não a gente, vamos levantar? Só mais esse, peraí, é o que comecei semana passada, é curtinho.

Os livros do Shakespeare estão sempre perto da coleção do Nelson Rodrigues que toda vez eu digo que vou comprar, desde que os meus sumiram na mudança ou foram comidos pelas traças. São pesados e lindos. Os livros, não as histórias. E se eu te disser que não saco nada de Shakespeare? Oras, você não precisa me dizer tudo o que pensa. Mas que tudo bem, cada livro do Shakespeare dessa edição deve valer 3 ou 4 selos no cartão fidelidade.

No caminho até o caixa rodamos o display dos livros de bolso. Ele gira meia volta, pára meio emperrado, a gente descobre que ainda dá tempo, passa por todos os países do mundo e no fim acaba voltando: semana que vem comemos bolo de laranja de sobremesa, tomamos suco pra não entalar e terminamos aquele volume pequeno do Manuel Bandeira se os dois prometerem não revelar pecados na Literatura Estrangeira. Tem dessas coisas, a gente sempre deixa a Poesia com rimas acidentais. E se a gente completar os selos do cartão com Flaubert, de quem também não sabemos muita coisa? Mas e o Shakespeare? Mas e todos os outros? Suspiramos.

A sessão infantil fica do outro lado do caixa. Chama a atenção o colorido, a leveza, os risinhos chacoalhantes que se escutam por ali. Escolhemos aqueles cheios de brincadeiras e sensações táteis onde a língua do cachorro é de veludo, o pêlo do gatinho é de pelúcia e as ondas do mar são de algodão que nem barba de Papai Noel. O banquinho em formato de flor é pequeno demais para nossos 50 anos somados, sorte que somos dois. ‘O rapto das cebolinhas’ era livro ou peça de teatro? E o menino do dedo verde, o que ele fazia mesmo? Eu amava ‘Lúcia já vou indo’, mas quase chorava toda vez. E ‘Marcelo, Marmelo, Martelo’, que tinha o meu nome na capa, que história era essa? E ‘Mamãe Monstrinho’? Será que daqui a muito tempo a gente vai esquecer ‘A Peste’? E se um dia eu não lembrar mais como era ‘Morangos Mofados’? Será que o mundo acaba? E se a gente começar a reler todas essas prateleiras? Abandonamos a poesia, aqui o chão é macio e nunca dói. Mas os infantis ficam fora do caminho, depois do caixa, longe da porta, lado oposto do sofá, nem se vê o Cinema daqui e o cheiro do café não chega. Mas a Poesia fica ao lado da Política. Mas a Literatura Nacional fica bem ali.

Toda livraria deveria começar pela sessão de História, e se a gente trocar de café? Sabe, tem um ali do outro lado da rua, na calçada, sem livraria acoplada, sem sustos ou tropeços, moço, onde fica a auto-ajuda?

domingo, maio 24, 2009

O dia em que eu (não) matei o blog

Então sexta-feira o Carlos disse que o caso do vizinho tinha sido um bom momento no meu blog. O Carlos disse que eu devia escrever mais, ao que eu argumentei que estava sofrendo de falta de assunto. Carlos fez, portanto, o comentário que trouxe à tona o tão falado vizinho, e ele não deve imaginar o que este ato inofensivo de encorajamento a uma blogueira em crise fez com a minha confusa cabeça.

Antes do Carlos, porém, eu já sofria pressões de todos os lados. Começou quando fiz o Gabriel chorar. Fazer o Gabriel chorar é muita responsabilidade, porque eu nunca vi o Gabriel na vida e de repente ele chegou aqui e se emocionou ao saber que eu transformava sussurros ao pé do ouvido, proclamados por um sujeito loiro, em suicídios. Imagina se o Gabriel descobre que há sei lá quantos anos atrás eu escrevia sobre bolinhas-de-queijo? Seria um leitor a menos, na certa.

Houve então a questão do ciúme dos amigos. Depois do texto que escrevi pro Bruno, os amigos clamaram por declarações semelhantes, coisa que nunca se repetiu. Todos se julgavam merecedores de textos e estudos sobre suas adoráveis pessoas, e eu até concordava, mas nada que eu escrevesse sobre eles parecia ser bom o suficiente, eles ainda se ressentiam do Bruno ter abocanhado os melhores parágrafos. A coisa piorou quando eu comecei a romancear conversas que eu tinha com a Carol. A Bebel entrou numa crise tão grave que há três semanas atrás eu era a principal suspeita no caso da morte (por asfixia) do peixe dela, que morava num aquário daqueles de história em quadrinho, muito vintage e assassino sem renovação de ar. Tenho certeza que a acusação foi um reflexo dessas mágoas ainda guardadas.

Até que veio o Omar, roubou um texto pro site da banda dele e indicou o blog para pessoas importantes que ao lerem os parágrafos seguintes vão achar que estão consumindo posts de uma adolescente emo.

O fato é que os sussurros ao pé do ouvido cessaram de tal forma que meu estado civil mudou de solteira pra encalhada e eu nunca mais consegui falar sobre amores ou paixões, e comecei a espalhar a notícia de que atearia fogo ao blogspot. Eu estava decidida, e ninguém me convenceria do contrário, nem o Gabriel me faria mudar de idéia, nem a perspectiva de ser lida por pessoas importantes, nem se eu ganhasse fãs no Orkut, nem por toda bolinha-de-queijo do Jobi eu continuaria escrevendo.

Até que o Carlos veio com essa. O caso do vizinho foi um ponto alto do seu blog, ele disse. Aí eu paniquei. Eu não quero matar um blog cujo ponto alto foi o vizinho. Eu não posso matar um blog cujo ponto alto foi uma história que aconteceu há sei lá quantos meses atrás. Onde foram parar todas as coisas interessantes que eu tinha pra dizer? Cade meu senso de humor que fazia rir gente desavisada que vinha parar nesse http? O que aconteceu que eu não faço mais o Gabriel chorar?

De uns tempos pra cá eu virei essa pessoa estranha que quer obedecer as leis e rebatizar um blog agonizante de Campos de Morangos. Eu me transformei em alguém que deleta seus próprios textos antes deles virarem arquivo de word, e que escuta música clássica nas tardes de segunda-feira com o tio. Eu de repente acordei e era essa pessoa que vira musa na praia numa foto em que só aparece a minha mão e se acha narcisista de te-la, a foto, na parede do quarto. De lá pra cá eu virei uma pessoa comprometida com o cartão fidelidade da livraria que divido com o melhor amigo. Virei uma pessoa que dorme com travesseiro da NASA e que discute o sexo dos anjos no Keb. Eu virei uma pessoa que come no Keb.

Eu virei uma pessoa que precisa ser convencida a não matar seu próprio blog, que precisa ser convencida de que a falta de tinta de cabelo pode ser poética e trágica, de que a falta de amores e paixões pode ser sarcástica, de que suicídios podem acontecer por causa de um livro ou do Bolero de Béjart, mas seria bom se pelo menos um fosse por causa de arrepios provocados por um beijo no pescoço. Eu virei essa pessoa que precisa ser convencida a superar o ponto alto de seu blogspot, que precisa ser convencida a inventar mais tantos conflitos imaginários quanto forem possíveis. Eu virei essa pessoa que precisa ver de novo assunto nas coisas, e que precisa acreditar no potencial de todas as piadas que são contadas e recontadas nas mesas do Baixo Gávea. Eu virei essa pessoa que cansou da análise e agora precisa ser convencida de que costumava ser boa nessas coisas de contar histórias. Eu preciso inventar novos vizinhos, assim em negrito. Eu preciso de alguém que me defenda, e de dois ou três aplausos inteirinhos pra mim, e então prometo: não mato blog nenhum.

segunda-feira, maio 18, 2009

O twitter é aqui

(ou: Pensamentos cruciais de segunda-feira)

16h30
Com soluço. Tomar água de cabeça pra baixo funciona?

16h42
Ainda com soluço. Alguém me dá um susto?

17h00
Meus álbuns de foto estão grudando, será que talco resolve?

18h50
Depois de percorrer 5 farmácias, concluo: minha tinta de cabelo está em falta. Isso sim é grave.

18h59
Ouvindo Secos e Molhados, organizando as fotos de dentro da caixa, que também estão grudando. Haja talco!

19h01
O verme passeia na lua cheia...

19h10
Doces Bárbaros, preparando a invasão.

19h11
Tem cantora melhor que a Bethânia???

19h12
Tudo ainda é tal e qual.

19h24
Cachorro tentando comer meu creme hidratante de mãos.

19h32
Indo jantar.

20h40
Seriously. Cabelos brancos ocupando 1/3 da cabeça.

20h45
Soluço de novo. Como faz?

21h00
Indo pro shopping comprar chapéus.

21h50
Seriously. Quem se importa?

sábado, maio 16, 2009

Novembro

O que acorda o teu desejo deve ser a fermentação do álcool no sangue, e por isso prefiro te encontrar quando os teus níveis de sobriedade são completamente duvidosos. Nessa embriaguez nos amamos sem censura até que venha o dia seguinte, com seus raios de manhã e copos d’água incessantes, uma ressaca que tenta apagar esse sentimento vazio de consumação imediata. Um sussuro quase morto de ‘bom dia’, tão estúpido, prazeres sem depois, os preservativos no lixo, até parece com a gente, fingindo dormir por falta de assunto.

domingo, maio 10, 2009

Air France

Se alguém perguntar por mim diz que ando andando pacas, dentro e fora de estações de metrô que nunca estão onde deveriam. Diz que o único problema por aqui é a minha pele, que não suporta frio e que se rasga e se descola das pernas e do rosto. E o meu tênis, que está tentando me matar. Diz que minhas mãos estão morrendo e que meus olhos ficam encolhidinhos quando venta, e que pingo uma porção de colírio que felizmente os fazem arregalar-se nas horas certas. Diz que ando cometendo todos os pecados possíveis: que saltito pela Rive Gauche, que uso boina no Marais e que suspiro nas escadas rolantes do Pompidou. Diz que ando comendo pães por convicção, e bebendo vinhos por precaução. Diz que atravesso a London Bridge escutando The Smiths (até o ipod é clichê) e embarco no Eurostar cantarolando Rolling Stones. Diz que fico com mania de tirar fotos de crianças de bochechas vermelhas nos Jardins de Luxemburgo. Diz que sento nos cafés de Saint Germain e fico com uma vontade louca de escrever alguma coisa, nem que seja qualquer coisa, um postal, um diário, uma página pequenina do caderninho amarelo que divide a bolsa com a câmera. Diz que ando apaixonada pelo Capitão Haddock. Diz que desisti de usar os mapas que comprei ou as lentes de contato, aqui os óculos combinam. Diz que quase choro quando entro na Saint Sulpice e tem missa de domingo. Diz que começo a acreditar de novo nessa fé irracional que me faz acender vela na igreja medieval, que me faz achar graça em fila e nos preços em euros. Diz que até a Beatriz Milhazes passou a fazer sentido pra mim. Se alguém perguntar por mim, diz que piso em poças, atravesso pontes e olho para os canais de Veneza pensando em Charles Aznavour: adieu Pont des Soupirs, adieu rêves perdus*. Diz que encho as malas de máscaras enfeitadas e souvenirs cafonas que vão entulhar ainda mais as estantes. Diz que me desapeguei de revistas e de telefones, e que me divirto tanto sem poder ser encontrada. Diz que pouco importa se não entendo muito do que dizem no filme, e que não quero voltar, não agora, não ainda. Diz também que ando comprando cadernos, muitos, de todas as cores e tamanhos, e que por isso faço planos para escrevê-los, pode ser no meu quarto mesmo, pode ser na esquina da Rue de Rennes, pode ser no terraço de uma casinha branca em Santorini.

* Que c'est triste Venise, na voz de Aznavour.

sexta-feira, abril 03, 2009

E-mail

(enviado há 10 minutos, ainda sem resposta)

::

Hoje vi um pedaço da novela das Índias, isso acontece pela terceira ou quarta vez, e todo capítulo é batata: os indianos estão em suas casas na sala, conversando e de repente outros membros da família vão descendo as escadas e todos começam a dançar. A Laura Cardoso fica sentada na sua poltrona dançando com os braços, as crianças dançam sorrindo, as mulheres dançam sorrindo, até o Caio Blat dança sorrindo!, a Juliana Paes começa seus passos e mexe aqueles olhos esbugalhados pra lá e pra cá (e dá muita aflição), e então o Raj (não sei o nome do ator) aparece com aquela roupa de colonizador inglês pós-Nicolas Gesquière para Balenciaga e se esforça muito pra sorrir e encarar tudo com normalidade e entra na dança, literalmente. Então ficam todos assim, dançando loucamente como se não houvesse amanhã, com uma música nas alturas que ninguém sabe muito bem de onde vem.

me pergunto se no próximo jantar em sua residência devemos todos, do nada (porque é sempre do nada, tipo: ei, me passa um brigadeiro? e aí todos começam a dançar) começar a sambar ensandecidamente até o sol raiar.

digo isso por que você já foi à Índia, pode elucidar essa questão?

de qualquer forma, o Xexéo já deve ter comentado sobre o caso em alguma de suas colunas. De qualquer forma, também, baixei sambas diversos, só pra garantir. E por último, de qualquer forma, vai ver nem é tão bizarro assim, vai ver isso é coisa de gente que não consegue entender pra que diabos serve um twitter.

segunda-feira, março 23, 2009

Your skin makes me cry *

Deixe que eu pense que você é do jeito exato que já conheço e que escorre bem para os menores cantos do molde que construí: deixe que eu saiba, como um cego, onde piso e onde pouso minhas mãos: deixe que eu ache que você é de um tamanho previsível, sem alardes: deixe que eu adivinhe o machucado do tombo que vou tomar: deixe que eu decida o que é cilada ou não: deixe que eu pense que armadilha é fazer seu jogo: deixe que eu resolva que é o contrário: deixe que eu possa te catalogar e te resolver em um minuto: e te imaginar com cheiros e deslizes que eu já sei: deixe que eu calcule a hora certa para ceder aos seus apelos: deixe que eu te saiba tão bem que não te precise, mas que eu te queira mesmo assim: deixe que eu te queira: deixe que eu te invente e te conduza pro final que eu escrevi: deixe que eu me dê como inventário pros seus olhos: deixe que eu me exiba como vitrine pros seus braços: deixe que eu te preencha um pouco: deixe de lado essa mania de ser tão como eu imagino que você seja: ande querido, já está na hora: venha logo: deixe que eu me surpreenda.

* So fucking special.

Radiohead em Creep.

terça-feira, março 17, 2009

Antes de dormir:

Segunda-feira só faz sentido depois que vejo o novo capítulo da série; perdi a vontade de ir àquele show, deve ser porque comprei o ingresso há tanto tempo que esqueci; me dá uma vontade de ser mulherzinha toda vez que passo creme no nariz; o relógio faz um barulho danado dos ponteiros e fico aflita enquanto não durmo, ou enquanto não acordo totalmente; o carro parece que sossegou desde que ficou todo amassado do lado direito; estou aprendendo a emprestar livros; não sei como se pede desculpas; uma pilha de revistas foi pro lixo; telecine light me vicia, por pior que sejam os filmes; acho que pedi ajuda esses dias, mais de uma vez; fico lendo um livro de 500 páginas achando que nunca vou chegar ao fim, mas já cheguei na metade; sou ecologicamente correta no super mercado e não gasto sacolas plásticas; minha máquina de fabricar água pifou, oh céus!; meu saldo bancário me odeia, e é inversamente proporcional ao meu caso de amor com a Zara; eu sei, são só besteiras; não sei o que fazer com todos os cartões postais que não tenho onde exibir; fico já antecipando as roupas que vou levar na viagem, mesmo que ainda falte um mês e eu não tenha casacos; José Luis Peixoto me fez chorar no meio do carnaval e foi por isso que meu celular se afogou na praia, porque preferi salvar o livro; tenho uma queda por dicionários antigos, daqueles que cheiram a velhice e cuja ortografia é duvidosa; ando militando a favor de suco de uva; ando acordando com o cabelo igual ao do Bozo, todo pro lado, um horror!; ando com vontade de escutar Lenny Kravitz cantando “baby it ain’t over til it’s over” só porque eu concordo totalmente, mas como é que faz pra saber que acabou?; tento matar umas pessoas, mas elas parecem ter sete vidas; são sete dias que se emendam em muito mais que sete horas de sono por noite; será que depressão dura uma semana só?; e será que é muito grave nunca ter ido a um concerto de música clássica?; a oftalmologista começou a me explicar a operação dos olhos e eu quase vomitei em cima dela de nervoso, eu não precisava de tantos detalhes assim, oras!; e aí perdi os óculos de sol dentro do carro, vê se pode; e pode fingir que ta tudo bem quando se morre de dor no pescoço?; e é possível gostar de alguma coisa quando alguém do seu lado na platéia não para de tossir?; às vezes eu lembro de uma vez que eu tinha uma estagiária e eu não tinha a mais vaga idéia do que fazer com ela, e agora eu estou que nem aquela música “I Just don’t know what to do with myself”; tanto clichê...; preciso estudar francês; sinto uma saudade tremenda da cadela da minha professora de francês, por mais estranha que seja essa frase; o protetor labial não impede que eu continue comendo a boca toda, o protetor solar não impede que às vezes descasquem as costas e essa proteção idiota que eu inventei contra as pessoas não impede que eu me desmantele toda de vez em quando, uma vez por dia, por não conseguir mais me desmantelar com elas; o som está com dificuldades para fazer os CDs tocarem; roubaram a bolsa da Jandira Fegali na Casa de Cultura Laura Alvim; a Casa da Gávea vai fechar; dizem que a Maria Bonita está falindo; esses amores platônicos perdem a graça tão rápido; não agüento mais escutar: crise, recessão, Barack Obama; e o Collor, alguém me explica?; é, eu sei, não entendo nada mesmo; detesto todos os colunistas do Globo, concluí com a Bebel; e esse sono que não me faz dormir?; meu joanete está crescendo e eu não sei o porquê; quantos baianos você conhece? Eu só conheço um, e foi sem querer; Toni me pega no colo toda vez que me encontra, mesmo que eu seja enorme; agora já chega, preciso dormir, amanhã acordo de novo ao meio-dia e nunca acerto o horário, fico bocejando até o pôr-do-sol; tenho que ligar pro despachante amanhã, sem falta; e o sono, meu deus, e o sono?; leio mais 10 páginas, só esse capítulo, ou tomo logo um remédio, daqui a pouco não consigo mais, agora já chega, jogo só mais uma partida de Tetris, busco água pro comprimido, desabo desmilinguida na cama antes que você me invada a cabeça outra vez.

:: "Sua enorme inteligência compreensiva, aquele seu coração vazio de mim que precisa que eu seja admirável para poder me admirar. Minha grande altivez: prefiro ser achada na rua. Do que neste fictício palácio onde não me acharão porque - porque mando dizer que não estou, 'ela acabou de sair'." Clarice Lispector em Para Não Esquecer