quarta-feira, agosto 12, 2015

Fico parada na borda mais do que o necessário, atravancando um pouco o tráfego, mas ninguém acha estranho porque ficar cansado faz parte, assim como interromper a série, recomeçar a contagem. Ou simplesmente não contar. Algum dia eu vou tentar isso: não contar. Nadar como se a piscina não terminasse nas bordas.


Paloma Vidal, Mar azul

segunda-feira, agosto 03, 2015

Quermesse

Foram bonitos todos os sorrisos de Stela que vi esses dias, tanta festa que já não sei mais que tamanhos em que lugares, mas todos largos. Foi bonito quando Maria chegou de chapéu e sacolas, e logo Ana veio da outra direção carregada, e foi bonito quando abrimos os primeiros papeis coloridos sobre a calçada. Foi bonito o moço descarregando o caminhão e logo dando forma a barraquinhas, que logo ganharam enfeites, flores, corações, milhos, cheiros e calor. Foi bonito quando apareceu a moça com vassoura e pá e foi varrendo e recolhendo folhas, sobretudo, foi bonito juntar gente que puxou fios, emprestou energia, deu palpite. Foi bonito Claudia amarrando chitas e prendendo fitas em parede de plantas, foi bonito cada carro que parou pra perguntar se ia ter festa. Foi bonito a Juliana com tanto sorriso, apesar de. Foi bonito o moço da padaria perguntando se ia ter comida típica. Foi bonito o Dado no alto da escada e uns tantos pescoços curvados para trás, olhos e expectativa de que o fio carregado de lâmpadas desse. Foi bonito o céu naquele dia, e foi bonito todo mundo de braços esticados nas pontas dos pés erguendo e protegendo as bandeirinhas, que iam de calçada a calçada, dos carros que passavam. Foi bonito a Edna gostando de todos os jovens da rua. 

Foi bonito quando Julia e Miguel chegaram bem caipiras com cachaça em punho, e logo atrás outro e outro e outro. Foi bonito quando acenderam a luz e a noite caiu. Foi bonito aquele grupo de cães confortavelmente esparramados na rua, e também o cumprimento caloroso do cãozinho que vinha no colo da Fátima. Foi bonito o tráfego de carrinho de bebês, as crianças vestidas de Homem Aranha, os cachinhos de Martim. Foi bonito quando Rosana e Bernardo e Fefê no colo saíram às pressas porque a sobrinha ia nascer. Foi bonito o trio tocando música, a pista de dança improvisada. Foi bonita a fila da cerveja, o pão quando acabou, o último queijo coalho compartilhado. Foi bonito o forró com o André e seu suspensório, foi bonito o menininho de 7 anos que tentava levar novos pescadores para a barraca das brincadeiras. Foi bonita cada alegria de quem apareceu, especialmente a da lua, e foi bonito quem elogiou até o ângulo, vocês pensaram em tudo mesmo, disse. E a dança das cadeiras e o empenho, a Mari pulando por cima de todos. Foi bonita a quadrilha que chegou quase na rua ao lado de tanta gente, aquele túnel que parecia não ter fim, a cavalgada que parecia carrinho de bate-bate, foi bonito o Marcelo gritando pra Ana o que ainda faltava dançar, foi bonito a Ana no microfone e só faltou ela cantar. Foi bonito o jeito que o Gregório deu pra casar uma galera: duplas, trios, beijos e risadas. Foi bonito 3 ou 4 pessoas assistindo de camarote da janela do prédio. 

Foi tão tão bonito quando a moradora mais antiga da rua, de bengala em punho, apareceu para falar, e tinha gente que nem sabia que ela já tinha aparecido mais cedo pra ver os preparativos. Foi de chorar, na verdade. 

Foi bonito aquele palco que fizemos e que recebeu família, amigo, amor e bicho. Foi bonita toda despedida. Foi bonito o alívio de tudo ter sido assim, e foi bonito quando a moça voltou com a vassoura e a pá, ainda que um pouquinho triste. As barraquinhas já vazias, a Maria já com frio, todo mundo já com fome, o Dado no alto da escada outra vez. O Alexandre pegando o carrinho pra carregar a tralha pra casa da Ana. A dona Vilma sugerindo fazer de novo amanhã.


Foram bonitos todos os sorrisos de Stela que vi esses dias, largos como todos os que se abriram naquele arraiá, e depois nós 4 deitados na sala sem saber como acabar, o cheiro da folha de mirra no portão, foi bonito todo mundo querer mais. Foi bonito quando o moço da padaria perguntou, também, se ia ter forró e poesia e eu disse que sim e que não, mas afinal teve, não é? Foi bonito ter poesia. Foi bonita a festa.