quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Eu fui às touradas em Madrid

(ou o rei mandou cair dentro da folia)

Eu havia sentado por dois minutos num banco típico de praça que quase não existe mais. Era um daqueles banquinhos de cimento que rodeiam uma mesa onde há um tabuleiro quadriculado desenhado na pedra. A cerca de 50 metros estava o palco e mais um pouco adiante o Bip Bip e tudo naquela rua sem saída parecia ter um toque saudosista. Foi quando uma garotinha vestindo saia jeans e top rosa se aproximou e me perguntou se eu queria um. Eu perguntei se ela vendia, ela disse que não, que se eu quisesse me dava. Ela estendeu sua mão e me deu um saquinho recheado de confete e serpentina. Foi assim que eu conheci Vitória, uma pequena foliã de 7 anos que distribuía alegremente os artefatos de papel a quem quisesse. Em pouco tempo ela se perdeu em meio às pernas dos que dançavam e rapidamente voltou para me entregar mais saquinhos, e também às minhas amigas fanáticas por confete e que competiam pra ver quem acertaria algum galho da árvore com as serpentinas. Havia um concorrente que devia ter a mesma idade de Vitória e percebemos que ele era um novato na arte de jogar serpentina: mirava seus rolinhos de papel, que batiam em duas ou três cabeças próximas e caíam quase inteiros a menos de cinco passos. Foi quando resolvemos incentivar o garoto e lá pelas tantas o menino subiu em cima da mesa, de onde seus arremessos poderiam alcançar distâncias maiores. O Rancho da Flor do Sereno foi assim: marchinhas e crianças convivendo em harmonia, o bloco mais familiar e também o que concentrou a maior quantidade de confete e serpentina.

O Bola Preta, ao contrário, foi uma experiência quase traumática. Se o Rancho concentrou a maior quantidade de papel em forma de artefato carnavalesco e foliões mirins e fofos, o Bola concentrou a maior quantidade de pessoas que eu já vi. Pessoas suadas, devo ressaltar. Pessoas suadas e esmagativas e para ir embora do cordão foi preciso coragem e audácia. Escapar da multidão foi como renascer em meio a um sol escaldante no melhor estilo atravessando o deserto de Saara o sol estava quente e queimou a nossa cara. Uma vez no metrô de volta você conclui que burgueses são os outros e você tem mesmo um pézinho na aristocracia. Bem, alguns concluem isso.

O mais posto-novista dos blocos, por sua vez, foi o responsável pela destruição de parte da minha fantasia (ok, na verdade foi um pitoco desses de rua). A Rocha é apenas isso: um grande Baixo Gávea que segue mais adiante. Ele está ali todo dia na praça esperando por você. Com menos samba talvez, mas certamente bem menos pretensioso.

Já o Boitatá veio acompanhado de café-da-manhã com pão quentinho na casa de amigos e uma revelação: é preciso ter um mínimo de disciplina pra pular carnaval. E também: blocos que não saem muito do lugar são mais divertidos que os que traçam percursos. Pense só: é domingo, são 9 da manhã, o sol começa a fritar as cabeças, não há qualquer lugar decente para fazer xixi, você pula e dança e canta enquanto sente o suor escorrer impiedoso por todas as partes da sua pele (e olha o protetor solar indo embora), você bebe cerveja e também não há lugar próprio para passar mal. A sua sorte é que o Cordão do Boitatá está sobre um palco em vez de sobre um carro de som, o que significa que além disso tudo você não terá que acompanhar o trio elétrico. É nesse momento que você tem a epifania e resolve que bloco bom mesmo é aquele que não anda. Melhor ainda seria se o discurso engajado no começo do baile na praça não tivesse existido. Não me leve a mal, hoje é carnaval e a gente quer marchinhas e não conversa mole para boi dormir.

Outros blocos à parte, eu nem sei bem como acabei gostando de carnaval, só sei que quando bateu a quarta-feira de cinzas e 2007 finalmente deu ares de começo me deu uma tristeza grande, senti o coração apertado e uma lágrima de pierrot querendo escapar.

Findo o Carnaval, não sei o que será pior: esperar pelo próximo ou tirar os confetes do cabelo...

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Alegorias e adereços - II

A idéia é de um folião aposentado e assustado com a horda de gente que invadiu os cordões. Além de fundador, ele também será fiscal do bloco mais vanguarda do próximo carnaval. Eu gostei tanto que resolvi ser co-autora da proposta. Precisamos de adeptos. O nome do bloco é auto-explicativo: Se encher acaba.


Volto depois da quarta-feira de cinzas.


terça-feira, fevereiro 13, 2007

Le cinéma - II

"People just have an affair or even entire relationships, they break up and they forget. They move on like they would have changed brand of cereals. I feel I was never able to forget anyone I've been with because each person had their own specific qualities. You can never replace anyone. What is lost is lost. Each relationship when it ends, really damages me. I never fully recover. That's why I'm very careful with getting involved because it hurts too much. Even getting laid, I actually don't do that because I will miss of the person the most mundane things. Like I'm obsessed with little things."

Celine em Antes do Pôr-do-sol.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

girl afraid *

Uma fantasia de colombina consome 7 metros de filó (3 metros de filó roxo, 3 metros de filó lilás e 1 metro de filó preto a 0,99 centavos cada metro), cerca de 5 metros de fita de cetim larga, 2 metros de fita de cetim fina, um ganchinho, mais ou menos 2 metros de elástico, 5 potinhos pequenos de purpurina, uma avó, uma neta, 10 pompons compostos por 30 círculos de filó (sendo 10 círculos roxos, 10 círculos lilás e 10 pretos em cada pompon o equivalente a 300 círculos de filó recortados pela neta) e um mês de trabalho árduo. Até a data de hoje, esse foi o meu maior feito do ano: uma fantasia de colombina. Tudo bem que ninguém sabe do que eu estou vestida. Não importa. Sem contar as roupas de barbie e bonecas, essa é minha primeira incursão no mundo da alta-costura e isso me basta.

Um caderno para a aula de francês constitui-se de folhas brancas sem linhas, capa de papel reciclado e fitinha preta para marcar as páginas. No final do caderno estão os verbos. Os títulos são escritos à caneta (Stabilo) verde; os exemplos e regras à caneta preta de tinta nanquim 0.2 e os exercícios de casa à lapiseira grafite 2B. Fiquei um pouco tensa quando a professora quebrou o padrão cromático escrevendo vocabulários azuis. Os livros de conjugação e exercícios foram comprados essa semana juntamente com um romance clássico nível 1 resumido para estudantes da língua. Dedico cerca de uma hora por dia aos estudos. Me esforço para ser a melhor da classe, mesmo que a aula seja particular.

Uma ida à Travessa do Leblon custa (fora o estacionamento do shopping) cerca de 90 reais e acrescenta 3 livros à mesinha (e futuramente à prateleira). Lavoura Arcaica foi o primeiro, Leminski está quase no fim e Clarice espera sua hora. Um novo Nick Hornby veio juntar-se à turma, que conta ainda com um Vargas Llosa e um Suassuna que é brasileiro e não desiste nunca (esse está na espera há um bom tempo, coitado).

Uma aula de dança depois de dois anos parada te obriga a beber gatorade (a mesma quantidade de tempo sem consumir a bebida), te lembra como seu joelho (e outras partes) ficava roxo, como o collant ficava molhado, como o joanete dói e como essa atividade é completamente anti-anatômica. Te lembra também como essas coisas todas tornam-se detalhes insignificantes pois que no fim da aula você se joga no chão da sala e sorri discretamente.

Em tempos de desemprego, encalhação e êxodo de amigos, são essas as coisas que salvam.

* The Smiths

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

708.

Deu um fim em todas as comidas que tinha em casa. Encarregou-se dos iogurtes e do sorvete que estava pela metade. Deu a carne congelada ao vizinho, que levou também os queijos. Tomou o ônibus pra Gávea onde morava um amigo e juntos tomaram as 5 latas de cerveja que ele ainda tinha. Era janeiro e não pode ligar o ar-condicionado naquela noite e não poderia nas próximas 29 seguintes. Acordou de ressaca e suado, o dedão do pé ensangüentado, a mesinha derrubada, livros e luminária no chão. A bateria do ipod acabou no terceiro dia e ele imediatamente entendeu que esse seria o seu maior contratempo durante os próximos 27 dias. Em pouco tempo a bateria do celular teria o mesmo destino. No quarto dia comprou um relógio antigo. Arranjou uma caixa onde guardou a televisão e colocou o grande relógio no local do aparelho. Assistia as horas como quem contempla o horizonte e pouco a pouco foi tomado inteiramente pela idéia de viver sem eletricidade. Suas mudanças cotidianas atingiram níveis drásticos. Comprou um pequeno isopor onde mantinha garrafas de água. Encaixotou o computador e pôs a caixa na prateleira mais alta onde não havia possibilidade de topadas ou tropeços. Em apenas 6 dias havia chutado móveis a ponto de quase perder a unha do dedão. O vizinho do 709 o acudia sempre que ouvia seus gemidos e tentava persuadi-lo do plano. Idéia mais sem cabimento, ele dizia. Não lhe dava ouvidos. Depois da primeira semana comprou uma máquina de escrever. Queria relatar os pormenores de sua nova rotina. A máquina ocupava agora o lugar que antes fora do computador. Ficava ao lado do relógio antigo. Uma pilha de papel estava sempre à disposição, alguns com resquícios de cera de vela, que por sua vez estavam em toda parte: na mesinha, sobre a geladeira, na pia do banheiro, perto do relógio, junto à janela. O único lugar pra onde não carregava velas era o closet, o que acabou por lhe custar risos dos pedestres que giravam as cabeças para ver melhor aquele sujeito que vestia calças e camisas tantas vezes descombinadas. Virou piada entre os amigos quando estes começaram a receber suas cartas. Eram cartas escritas à máquina, descrições minuciosas de seu novo estilo de vida, detalhes importantes de como fazia a barba, de seus longos banhos de banheira quando lia páginas e páginas dos livros que comprava em sebos, enfim, suas cartas eram como suas confidências, suas descobertas de pequenos prazeres há tanto esquecidos. Passou a beber vinho, que não precisava gelar e seus lençóis e roupas manchavam com a mesma facilidade com que topava os pés na primeira semana. Em três semanas seu ritmo foi mudando: andava a passos vagarosos, quase não via os amigos e movia-se como um pêndulo. Quem entrasse em seu pequeno apartamento veria ali um cenário: a máquina de escrever e o relógio lado a lado, as ceras de velas que cobriam parte dos móveis e davam ao lugar certo ar sinistro, os livros que se empilhavam pelos cantos no chão e ele sentado à beira da cama trajando vestes amassadas. Tinha se transformado num personagem e em cobaia de seu próprio experimento. Ao final de um mês sua mãe fez o que ele tanto adiara: pagou a conta de luz.