quinta-feira, agosto 29, 2013

Moradas

En la mano crispada de un muerto,
en la memoria de un loco,
en la tristeza de un niño,
en la mano que busca el vaso,
en el vaso inalcanzable,
en la sed de siempre. 


Invocaciones

Insiste em tu abrazo,
redobla tu fúria,
crea um espacio de injurias
entre yo e el espejo,
crea um espacio de leprosa
entre yo y la que me creo.

::

explicar con palabras de este mundo
que partió de mí un barco llevándome



Alejandra Pizarnik






segunda-feira, agosto 05, 2013

1923

A minha avó, naquela manhã, mais parecia uma estrela de cinema ou uma imagem sagrada, dessas que todos querem tocar e adorar. A cabeça branca da minha avó – cor de neve brilhante, anos de xampu especial – se via de longe rodeada por outros cabelos, muitos adornados de brilhos e flores de domingo. A minha avó, naquela manhã, recebeu cumprimentos, apertos de mão, abraços e exclamações que saíam pelas mãos e pelos sorrisos de todos que foram parabeniza-la pelos seus 90 anos.

A minha avó, naquela manhã, desceu do carro em frente à estação ferroviária de Nilópolis, subiu as escadas da igreja apoiando-se no corrimão – que ela julga indispensável – e sentou-se no terceiro ou quarto banco do lado esquerdo. Recebeu as saudações do Frei José – que há uns 40 anos atrás casou uma das minhas tias, e que há uns 30 anos atrás me batizou, e que já fez outras bênçãos para a família – e acompanhou uma missa repleta de crianças, cantos, palmas e gestos, aqui e ali, que interpretavam algumas das canções. Minha avó subiu ao altar ao término do culto e leu, encabulada, palavras sobre as graças de se fazer aniversário. Minha avó rezou, levou uma salva de palmas e à saída comeu um pastel de queijo típico de feira, iguaria disputadíssima pelos fieis dali.

A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição recebeu a minha avó com tanto carinho que quase que ela teve que sair fugida, pois cada um que ia cumprimentá-la queria também falar com as filhas e a neta a tiracolo. A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, naquela manhã em que a minha avó parecia uma estrela, me deu a exata noção da ideia de comunidade, e uma inveja tão grande do subúrbio que, no caminho de volta, olhei praquelas casinhas imaginando a minha avó por ali, comendo bolos e gostosuras de uma vizinhança que jamais a deixaria voltar pro Leblon – e nem suas filhas e neta a tiracolo.

A gente vai passando pelas pessoas no dia a dia, e aquela gente dali vai parando pelas pessoas, numa tônica tão distante da nossa, e tão mais lógica. A minha avó, de fato, é uma estrela, e o subúrbio desperta mesmo uma ternura, porque é justamente o que emana. E suas filhas e neta a tiracolo, que sorte, provaram desse espelho, lugar que é contra a assepsia dos afetos.

Na volta pra casa eu fui pensando em alguns poucos sambas que sei cantarolar, e em como muitos deles nasceram desse sentimento de pertencimento, de uma relação com o seu lugar. Velhas rixas que compuseram hinos declaratórios a diversos berços, ou apenas odes a seus morros e feitiços. Tem alguma coisa nisso que eu queria pra mim. Eu não sei a minha avó mas eu, quando cheguei em casa, nem tomei banho e passei aquele dia sem lavar as mãos, querendo guardar um pouco mais, com um cd do Noel Rosa no som. Desconfio de que ela tenha feito o mesmo.