quarta-feira, janeiro 21, 2015

As coisas são mais fáceis na televisão


Foi numa dessas tardes de trabalho em que, entre uma leitura e outra, alguém diz que a Coca-Cola mexicana é a melhor do mundo. Fiquei incrédula, duvidando que a industrialização seja capaz de tais nuances: Toddy tem sempre gosto de Toddy, requeijão dificilmente fica melhor ou pior e todas as coisas que não dependem de safra ou de mim, em geral, são sinônimo de alegria. Ainda assim, resolvi conferir e foi batata: igualzinha, deliciosa, Coca-Cola com gosto de Coca-Cola.

A minha vida culinária tem sido feita de pequenos desastres. Receitas que sigo ao pé da letra e dão errado, carnes que ficam com sabor de nada e eventuais acidentes em que quebro sem querer um pote de mostarda em grãos no chão da cozinha, que é integrada com a sala, e então é domingo no verão e eu tento varrer os grãozinhos que se chocam uns contra os outros indo parar no lavabo, sob a máquina de lavar e eventualmente no quarto, como num jogo de bilhar em que o único vencedor é esse mundo tão cruel que te faz suar uns 3 quilos em meia hora. Nem o chuveiro é aliado porque a água está quente, mesmo que você gire a torneira fria ensandecidamente. 

Achei que com a chegada da páprica e das folhas de louro à minha prateleira algumas coisas se resolveriam, ao menos foi isso que me venderam. Que nada. Minhas refeições seguem insípidas, inodoras e quase insuportáveis. Toda vez que alguma coisa dá errada no meu fogão, portanto, abro uma Coca-Cola, carioca e gelada pela minha Brastemp que às vezes arruína as gelatinas, que viram uma mistura daquele vermelho envenenado com gelo. Tenho economizado os biscoitos Maria mexicanos para esses momentos em que tudo parece perdido, esses sim bastante superiores aos brasileiros.

Toda vez também que a gelatina se inviabiliza eu tento instalar minha impressora. É uma busca meio ilógica por algum sucesso doméstico, visto que impressoras foram feitas para vencer o homem, por mais que você se esforce. Na tentativa de descobrir algum talento para me virar comigo mesma, pego em armas e tento prender na parede a prateleira para abrigar todos os potinhos de temperos que nunca garantirão a satisfação gastronômica. Tenho até mentido para os amigos que me passam receitas “essa é mole, não tem o que errar”. É claro que tem, até a tapioca se quebra quando a transfiro da frigideira para o prato. A minha vida culinária, em resumo, se parece com a minha vida amorosa: uso perfume Chanel antes de refogar qualquer coisa, ponho a culpa na panela, vou dormir com fome e concluo que aquela música do Kid Abelha, afinal, serve para tudo, inclusive para aquela crase que você deixou passar no livro que estava preparando.

Somado a isso tenho agora 4 buracos na parede, duas prateleiras que jamais ficarão suspensas como deveriam e uma encomenda da Domino’s, que sempre terá aquele gosto (ruim) de Domino’s. É esse o meu consolo: a constância e a segurança desse tipo de comida, a certeza de que algumas coisas nunca frustram as expectativas e não sacaneiam a autoestima de ninguém.

É claro, sempre haverá um técnico credenciado para resolver as pendengas tecnológicas, assim como sempre haverá Edilson, o faz-tudo que usa cardigan, que combina um horário e aparece e faz parecer que algumas coisas podem funcionar. Pessoas Coca-Cola. Felicidade garantida. 


quinta-feira, janeiro 01, 2015

Cielito lindo


Esperando que la aspirina empiece a trabajar,
que acomode los cuartos, que revuelva el café
y que traiga a mi madre, fresca
a esta tarde de agosto
hojeo revistas estúpidas, escucho discos viejos,
me pregunto en qué momento
los dinosaurios sintieron
que algo andaba mal.

Fabián Casas 


É dezembro e todos estão em praias paradisíacas, inclusive eu: o mar é tão turquesa que parece falso e brilha em certos trechos. Evitamos todas as ruínas maias, deitamos em redes de hotéis onde queremos nos hospedar no próximo verão, comemos peixe ao pôr do sol e caminhamos em direção ao carro com as ondas que chegam fresquinhas em nossos pés. Um barquinho cheio de pelicanos está ancorado no meio de uma tarde e logo mais navegamos com um marinheiro chamado Jesus, o segundo em 2 dias. A internet é precária nessa parte do México e falar de férias e das coisas de deus é tão complicado quanto encontrar cartões postais por aqui. E além disso, o que dizer? “Queria que você estivesse aqui para boiar comigo.” “Saudades.” “Te amo.” “Feliz ano novo.” Não seria mentira, mas quando se está de férias tudo é só mais ou menos verdade.

Come-se gafanhotos em Oaxaca, e também um sal feito de um verme (minhoca? lesma?) com o qual se deve temperar rodelas de laranja para degustar depois de uma dose de Mezcal: 40% de álcool feito de agave, passaporte para confissões e a solução para o Carnaval no Rio. O Lindt é melhor que qualquer chocolate feito por aqui, e sentimos saudades de Nescau. Faltam 43 estudantes no México e nem toda a cor das casas coloniais meio decadentes desvia a atenção das paredes que reivindicam a vida deles, nem todo o alvoroço das piñatas de papel maché impede as manifestações discretas pelas ruazinhas antigas. Cartazes espalhados por todos os cantos anunciam a noite de rabanetes, fogos e foguetes celebram a festa da Virgem, para a qual chegamos atrasados, depois de passar por inúmeras barraquinhas comandadas por zapotecas que vendem todo tipo de artigo religioso cristão. Uma mistura de trajes e longas tranças típicas com cheiro de gordura e cruzes católicas, uma população indígena que come pelas ruas o dia todo. Não se pode nem mesmo chegar perto da entrada da basílica, mal se veem os estandartes que desfilaram pela cidade minutos antes, uma multidão ocupa todo o espaço. Na praça ao lado um grupo de adolescentes ensaia uma dança. 2 dias depois, no jardim etnobotânico, uma dupla ensaia um pas de deux contemporâneo em meio a cactos. “No Brasil as coisas estão na pele, na superfície. No México é tudo na carne.”, diz a mensagem que chega enquanto tentamos entender essa confusão. Pode ser. E ao mesmo tempo, de alguma forma, aqui tudo é mais evidente. “Fue el estado”, dizem as letras apressadas. Desde há muito.

Voamos para o Distrito Federal com as malas mais pesadas. Troco qualquer marca de luxo pelos bordados de Yalalag. Deixo Oaxaca com febre e com uma coleção de vestidos: “Este é o seu traje de boda”, diz a vendedora maravilhosa de uma loja idem que passaria por inverossímil num filme de Almodóvar. Pelo pequeno labirinto do estabelecimento de paredes roxas um sofá está posicionado na entrada, recostada nele uma figura platinada de unhas brancas tão grandes quanto artificiais está descalça e tudo à sua volta está coberto por farelo de pão. Em meio aos trajes há um pequeno altar de flores no chão, uma panela elétrica que guarda um peixe para mais tarde, manequins quebrados, aparelhos de esteira, máquinas de costura, capacetes de bicicletas, bicicletas, jornais velhos, sacos plásticos entulhados de coisas e fotografias, muitas fotografias enquadradas das 3 mulheres que tentam me convencer a levar também uma saia. Jovens, pelo mundo, a cores e em preto e branco. Um dia, talvez, queria ter um lugar fascinante assim, mas com menos sujeira.

Planejamos decorar nossas casas com cactos na volta.

DF é difícil e o Tylenol não resolve nada. Funciono em dias alternados, consigo fazer o roteiro Frida e Diego e desisto definitivamente dos postais. O Zócalo nos deixa a todos mareados, os tacos já não parecem tão atraentes e o Buscopan mexicano é placebo. Entre pavões, mariachis, caveiras e uma quantidade descomunal de gente sinto uma quantidade descomunal de dor. Não tem nada a ver com as nossas impressões do país, mas sim com os dinossauros. Dr. Javier, o médico mexicano, dá soquinhos nas solas dos meus pés e garante que não é apendicite. O ideal seria voltar para a praia ou para o topo daquela montanha de piscinas naturais, aproveitar os últimos dias de idílio azul e água. A gente faz casas mesmo em viagens, e o ideal seria voltar para elas.

O ideal seria que os começos de ano fossem de fato começos, e não continuações mal remendadas de pendências, problemas gástricos e sangramentos indomáveis. O ideal seria que as paixões infundadas fossem como as férias, meio clandestinas para o resto do mundo e com data para terminar. A gente é que nem o México, parece. As coisas do mundo nos perfuram, não ficam mansas na pele, não. Espero a aspirina no calor inclemente do Rio: é uma liberdade ter cortinas em casa e 5 quilos para engordar.