quinta-feira, janeiro 01, 2015

Cielito lindo


Esperando que la aspirina empiece a trabajar,
que acomode los cuartos, que revuelva el café
y que traiga a mi madre, fresca
a esta tarde de agosto
hojeo revistas estúpidas, escucho discos viejos,
me pregunto en qué momento
los dinosaurios sintieron
que algo andaba mal.

Fabián Casas 


É dezembro e todos estão em praias paradisíacas, inclusive eu: o mar é tão turquesa que parece falso e brilha em certos trechos. Evitamos todas as ruínas maias, deitamos em redes de hotéis onde queremos nos hospedar no próximo verão, comemos peixe ao pôr do sol e caminhamos em direção ao carro com as ondas que chegam fresquinhas em nossos pés. Um barquinho cheio de pelicanos está ancorado no meio de uma tarde e logo mais navegamos com um marinheiro chamado Jesus, o segundo em 2 dias. A internet é precária nessa parte do México e falar de férias e das coisas de deus é tão complicado quanto encontrar cartões postais por aqui. E além disso, o que dizer? “Queria que você estivesse aqui para boiar comigo.” “Saudades.” “Te amo.” “Feliz ano novo.” Não seria mentira, mas quando se está de férias tudo é só mais ou menos verdade.

Come-se gafanhotos em Oaxaca, e também um sal feito de um verme (minhoca? lesma?) com o qual se deve temperar rodelas de laranja para degustar depois de uma dose de Mezcal: 40% de álcool feito de agave, passaporte para confissões e a solução para o Carnaval no Rio. O Lindt é melhor que qualquer chocolate feito por aqui, e sentimos saudades de Nescau. Faltam 43 estudantes no México e nem toda a cor das casas coloniais meio decadentes desvia a atenção das paredes que reivindicam a vida deles, nem todo o alvoroço das piñatas de papel maché impede as manifestações discretas pelas ruazinhas antigas. Cartazes espalhados por todos os cantos anunciam a noite de rabanetes, fogos e foguetes celebram a festa da Virgem, para a qual chegamos atrasados, depois de passar por inúmeras barraquinhas comandadas por zapotecas que vendem todo tipo de artigo religioso cristão. Uma mistura de trajes e longas tranças típicas com cheiro de gordura e cruzes católicas, uma população indígena que come pelas ruas o dia todo. Não se pode nem mesmo chegar perto da entrada da basílica, mal se veem os estandartes que desfilaram pela cidade minutos antes, uma multidão ocupa todo o espaço. Na praça ao lado um grupo de adolescentes ensaia uma dança. 2 dias depois, no jardim etnobotânico, uma dupla ensaia um pas de deux contemporâneo em meio a cactos. “No Brasil as coisas estão na pele, na superfície. No México é tudo na carne.”, diz a mensagem que chega enquanto tentamos entender essa confusão. Pode ser. E ao mesmo tempo, de alguma forma, aqui tudo é mais evidente. “Fue el estado”, dizem as letras apressadas. Desde há muito.

Voamos para o Distrito Federal com as malas mais pesadas. Troco qualquer marca de luxo pelos bordados de Yalalag. Deixo Oaxaca com febre e com uma coleção de vestidos: “Este é o seu traje de boda”, diz a vendedora maravilhosa de uma loja idem que passaria por inverossímil num filme de Almodóvar. Pelo pequeno labirinto do estabelecimento de paredes roxas um sofá está posicionado na entrada, recostada nele uma figura platinada de unhas brancas tão grandes quanto artificiais está descalça e tudo à sua volta está coberto por farelo de pão. Em meio aos trajes há um pequeno altar de flores no chão, uma panela elétrica que guarda um peixe para mais tarde, manequins quebrados, aparelhos de esteira, máquinas de costura, capacetes de bicicletas, bicicletas, jornais velhos, sacos plásticos entulhados de coisas e fotografias, muitas fotografias enquadradas das 3 mulheres que tentam me convencer a levar também uma saia. Jovens, pelo mundo, a cores e em preto e branco. Um dia, talvez, queria ter um lugar fascinante assim, mas com menos sujeira.

Planejamos decorar nossas casas com cactos na volta.

DF é difícil e o Tylenol não resolve nada. Funciono em dias alternados, consigo fazer o roteiro Frida e Diego e desisto definitivamente dos postais. O Zócalo nos deixa a todos mareados, os tacos já não parecem tão atraentes e o Buscopan mexicano é placebo. Entre pavões, mariachis, caveiras e uma quantidade descomunal de gente sinto uma quantidade descomunal de dor. Não tem nada a ver com as nossas impressões do país, mas sim com os dinossauros. Dr. Javier, o médico mexicano, dá soquinhos nas solas dos meus pés e garante que não é apendicite. O ideal seria voltar para a praia ou para o topo daquela montanha de piscinas naturais, aproveitar os últimos dias de idílio azul e água. A gente faz casas mesmo em viagens, e o ideal seria voltar para elas.

O ideal seria que os começos de ano fossem de fato começos, e não continuações mal remendadas de pendências, problemas gástricos e sangramentos indomáveis. O ideal seria que as paixões infundadas fossem como as férias, meio clandestinas para o resto do mundo e com data para terminar. A gente é que nem o México, parece. As coisas do mundo nos perfuram, não ficam mansas na pele, não. Espero a aspirina no calor inclemente do Rio: é uma liberdade ter cortinas em casa e 5 quilos para engordar. 



3 comentários:

bruna disse...

Viajei tudo de novo! O parágrafo da Maravilhosa... :-)

Anônimo disse...

Regina, que maravilha! Teu texto me chegou e acabo de riscar o México dos lugares a conhecer. Já lá estive ao lê-lo. Lendo-te lembrei de uma palestra a que assisti, do Miguel Sousa Tavares, naquela improvável biblioteca pública que fica ilhada entre um posto de gasolina, a Pinheiro Machado, a Santa Úrsula, os bares que dela vivem na Farani e uma vista espremidíssma da baía. Ele disse "nunca viajei sem escrever ou sem pensar em escrever: ir para ver e não contar a ninguém mais, aos que não foram e não poderão nunca ir, sempre me pareceu um desperdício, uma oportunidade não merecida." Portanto, mais viaje e mais escreva!!! Beijo, B.

Anônimo disse...

Em tempo, isso aqui é simplesmente genial: "O ideal seria que as paixões infundadas fossem como as férias, meio clandestinas para o resto do mundo e com data para terminar." Beijo, B.