segunda-feira, março 03, 2008

De uma bala perdida que me encontre por aí...

A "invasão" de bandas nas esquinas do Leblon e Ipanema ocorrida no fim do mês de fevereiro e idealizada pelos rapazes do Vulgo Qinho e os Cara tinha um objetivo mais que evidente.

Ocupando o que eles genialmente batizaram de “Quadrilátero das Vaidades”, os Cara fizeram música durante meses no Leblon. Sempre no mesmo lugar, à mesma hora do mesmo dia da semana. Houve reclamações. Houve também muita curiosidade. Houve uma quantidade grande de transeuntes que parou pra escutar, gente que parou pra dançar, gente que parou pra perguntar o que era, pessoas passeando com seus cães, crianças atraídas pela banda, bicicletas que diminuíram a velocidade, apressados que diminuíram o passo, flashes de fotos de tantos amigos, da imprensa, de recordações que tantos quiseram guardar.

Cansados de subirem os vidros dos carros, de ligarem o ar-condicionado em lugar de abrir as janelas, de se armarem de muros e cercas e de se fecharem em prédios vigiados, cansados das câmeras invasoras que os pedem pra sorrir a torto e à direito, cansados de evitar conversas no elevador, os Cara iniciaram um movimento pelas ruas, pelos esbarrões, pelo convívio de pessoas, pelas relações que se estabelecem quando os seres humanos se encontram, se tocam, se sabem reais. Pela possibilidade de conversas e de entendimento entre pessoas que se isolaram de medo.

O “Dia da Rua” viu a volta dos músicos ao seu palco principal, aquela esquina do Baixo Leblon. Nas outras todas que iam da Praça Cazuza à Jangadeiros em Ipanema, outros músicos e artistas tambémncantaram, chamaram as pessoas, abraçaram quem passava. Pequenos aglomerados se fizeram no percurso, muita gente sorrindo pro céu, gente que mora nas ruas, gente que mora nos prédios, gente que cedeu o ponto de luz às bandas, gente que avisou aos amigos e gente que não tinha a mais vaga idéia de que um dia um monte de caras munidos de seus instrumentos iria fazer de um pequeno show um ato tão simbólico.

Poucos dias depois nos deparamos com a nota na coluna de Joaquim Ferreira dos Santos em O Globo:

Silêncio!!!!!!! As bandas que ocuparam com baterias e guitarras as esquinas da Ataulfo de Paiva e da Visconde de Pirajá, quinta-feira, e infernizaram a noite dos moradores de Leblon e Ipanema, não voltarão às ruas. “Elas não tinham licença”, diz Mario Filippo Jr., o subprefeito da Zona Sul. “Se insistirem, os instrumentos serão apreendidos”.

“Infernizaram a vida dos moradores”???? “não voltarão às ruas”???? “Eles não tinham licença”????

É claro que eles não tinham licença. Eles não são patrocinados pela Oi.

Eu não sei se é preguiça ou estupidez do jornalista. Ele foi a algum show? Ouviu alguma música? Ele parou em alguma esquina do Leblon ou de Ipanema e sentiu-se infernizado pelo som que saía das mãos e bocas dos músicos?

Será que se ele fosse a um dos muitos (e concorridos) shows promovidos pela Toca do Vinícius NA RUA se sentiria infernizado? Ou daria uma trégua porque é bossa-nova e não um monte de garotos "com baterias e guitarras"? E o dono dessa loja? Quais serão os objetivos dele com essas apresentações? Alguém ainda acha que vai vender discos no Brasil?

O show da Claudia Leitte na praia de Copacabana infernizou a minha vida. O show da Ivete Sangalo na praia de Copacabana em comemoração ao aniversário do sabão Omo infernizou a minha vida também. A árvore de Natal da Lagoa infernizou a minha vida e inferniza todo ano com seus engarrafamentos quilométricos, a sujeira em que as praias amanheceram após o show do Lenny Kravitz infernizou a vida de muita gente que naquele fim de semana queria mergulhar sossegado no mar, o assaltante com arma na minha cabeça infernizou a minha vida, as pessoas dizendo “graças a deus não aconteceu nada”, isso infernizou muito a minha vida.

Aconteceram muitas coisas e eu não acredito em deus.

O que torna os mega-eventos comprados mais legítimos que as intervenções urbanas independentes?

Os patrocinadores e super corporações têm sempre autorização para armar o circo que querem, a árvore de Natal causou o transtorno que quis no dia de sua inauguração, eu paguei o seguro do carro pra poder tê-lo de volta, pago sempre o guardador que nunca tem o talão, pago até o cara na praia que depois vai roubar o meu telefone.

Ler essa nota num dos jornais de maior circulação do país infernizou a minha vida de moradora inteligente da cidade. Se os jornais não apuram o que quer que seja e se vendem cobrir shows e eventos licenciados, se o jornalista desta Coluna e tantos outros acham bacana publicar fotos de celebridades no curral VIP do show dos Stones, o mesmo que emporcalha a cidade depois, se o subprefeito se acha no direito de decidir o que é válido ou não ser apreendido, então vai ver que a estupidez é minha.

Qual é a diferença? O que faz com que pessoas possam relembrar os 50 anos da bossa-nova nas areias de Ipanema sem se importarem se estão infernizando a vida de alguém ou não? Quem é que decide?

Talvez seja exagero nosso o de acreditar que atos musicais politizados ou intervenções artísticas venham a influenciar de todo no andamento das relações sociais da cidade. Talvez seja utópico. Mas não é absurdo pensar que a provocação das nossas inquietudes talvez seja um bom caminho pra gente mudar e consequentemente promover melhorias ao redor.
As bandas tocando nas ruas pra quem quisesse ouvir certamente me provocaram muito mais que a citada nota do jornal.

Não é defesa de “amiga da banda”. É achar indecente a comodidade das pessoas em categorizar o que é bom pra elas.

Tratado.

É tarde, amanhã eu trabalho, insetos esquisitos habitam a parede ao lado, eu leio um pouco enquanto procuro resenhas de dança na internet e fico presa numa conversa nonsense, sua especialidade. Rio com uma ou outra frase que pipocam na tela, guardo os sapatos espalhados pelo chão, bebo água, visto a única camisola decente que me restou e tenho a mais absoluta certeza de que, apesar da sua insistência, fofo você não é.

Eu poderia atribuir tantas outras características. Senso de humor, inteligência, um charme indestrutível, certa insegurança. Fofura certamente não faria parte da sua cartela de adjetivos. Fofura não combina com o seu jeito rude e com a sua quase doçura que às vezes sem querer escapa. Fofo você seria se se deixasse ser doce sempre, mas num deslize minúsculo você já recupera sua pose, limpa a garganta, pisca um olho e vem com uma frase de efeito, um beliscão na perna.

Fofura não poderia coexistir com a mordida daquele dia. Ou com a sua mão ávida por debaixo da minha saia. Fofura não teria o seu cheiro. Fofura não teria me levado pr’uma cama no andar de baixo, não teria sua barba malfeita e nem esse sorriso largo e safado que tantas vezes eu vi (ainda bem!). Fofura seria o telefonema do dia seguinte, o carinho no meio da noite, certa hipocrisia até.

Fofura não faz parte das lembranças que eu tenho de você.

E se um dia você quiser me provar o contrário, espero que eu tenha razão porque fofura nenhuma seria melhor que o Carnaval que você me deu.