segunda-feira, setembro 10, 2012

Sei que nada será como antes, amanhã*


Não sei como soube da existência de Inhotim, mas lembro de um dia, num bar com amigos, ouvir um deles contar que uma amiga recém-chegada de lá tinha definido o lugar como a Disney das artes. Também não sei se ela foi a curadora do termo, que apareceu depois em diversas reportagens e virou lugar-comum para descrever o instituto. 

Quando fui a Inhotim pela primeira vez, no carnaval de 2010, constatei a pertinência do adjetivo. Quando fui a Inhotim pela segunda vez, na Independência em 2012, constatei como a expressão havia extrapolado a conotação inicial e tinha virado outra coisa. E entendi como virar uma saudosista nesse intervalo de 2 anos. 

Previously, Inhotim era a Disney porque aquele lugar parecia não existir: uma terra de 400 hectares numa cidade do interior de Minas Gerais, sítio de um milionário da mineração, amigo de Burle Marx, que decidiu construir galerias para abrigar sua coleção de arte contemporânea, e que decidiu abrir seus portões à visitação. Era a Disney porque os pavilhões e galerias eram fruto de sonho, funcionavam à perfeição, eram limpos e cheios de funcionários simpáticos (em Minas isso não é de se espantar), e porque a experiência era sensorial, calma, em momentos até bucólica. Estar em Inhotim era renegociar sua relação com o tempo. Era tirar os tênis, caminhar sem quase cruzar com outras pessoas. Era, também, derramar lágrimas ao entrar em contato com instalações e obras que fogem à compreensão total, deixar de lado o condicionamento de ter que entender e dar conta de tudo, quase como desaprender racionalidade. Inhotim era um vazamento: um ter que administrar sua própria sensibilidade. Sentar na grama, olhar por outro ângulo, tentar ver ilimitado. Como dizem na Academia: ser atravessado por afetos. 

Passados 2 anos, Brumadinho me revelou a Disney sob outros aspectos. Alguma coisa se democratizou, mas não necessariamente a arte. 

O crowd na porta anunciava uma experiência muito diferente da que tive pela primeira vez. Inhotim 2012, usando emprestada uma expressão pejorativa, está infestado de haoles. Filas para a comida, para o banheiro, para a entrada, para os carrinhos que nos transportam aos pontos mais distantes, fila até para os bancos de madeira, para uma ou duas galerias, para fotos no caleidoscópio de Olafur Eliasson, que ganhou ares de entretenimento. A Disney dessa vez se operou nessa vertente: diversão. O que mais ouvi foram comentários irônicos e até debochados a respeito das obras expostas em Inhotim, coisas na linha do “mas isso até eu faria”. Outras falas demonstravam a completa incompreensão diante de trabalhos que parecem mesmo incompreensíveis. Vi guerra de almofadas dentro das Cosmococas de Hélio Oiticica, redutos de famílias inteiras que de certa maneira subverteram toda a lógica daqueles ambientes. Crianças nadando na piscina de abecedário, restaurantes lotados de grupos de amigos, poses e mais poses para fotografias dos belos cantinhos dos jardins, brincadeiras, lanches, instagrams e outras tantas posturas que indicavam que boa parte dos visitantes não estava tendo epifania alguma, tampouco se preocupava com conceitos, ideologias, intenções ou discursos artísticos. A Disney, para eles, é feita dessa alegria descompromissada, de um bonito dia de sol, de achar graça das coisas, e a outra Disney, de certa forma, diminui frente a esta, bem mais barulhenta e caótica, e que acaba se impondo aqui e ali.

Então fico nessa encruzilhada: de um jeito ou de outro, todos estão expostos à arte. Conversando com uma amiga à saída do instituto, caímos naquele papo cheio de crença nesses encontros: "Ainda que inconscientemente, Inhotim forma um público, a arte ganha adeptos e é melhor pra todo mundo." A gente que mergulha nesse universo tende a achar que é melhor pra todo mundo, porque às vezes o que parece não fazer sentido é indiferença, ou ficar longe de toda essa produção, não querer entender o processo, passar batido por cores e sons, ignorando toda e qualquer possibilidade de redenção. Mas a impressão que dá é que aquele também virou um lugar de lazer, de passeios, de paisagens. Não é pecado nenhum, é só outra coisa, e eu mesma me peguei nadando e rindo numa piscina que, cá pra nós, ninguém me convence de que seja algo mais que uma piscina. 

Não deixa de ser elitista ou preconceituoso achar que meu jeito de viver Inhotim é melhor do que essa nova Disney. Não deixa de ser romântico achar que todo mundo deveria sentir o que senti quando, neste sete de setembro, passei meia hora na galeria Miguel Rio Branco, ou quando voltei ao galpão Cardiff & Miller pela terceira vez, e tudo aquilo veio à garganta de novo. Se todo clichê fosse permitido, diria que é mágico, porque é se esquecer de si mesmo um pouco. 

Inhotim, para mim, é esse estado de suspensão. É cenário onírico, quase utopia. Um súbito gostar de patos.



obs. didática: fui muito feliz em Inhotim ambas as vezes. Mas para pessoas irritadiças como eu, recomendo evitar feriados. 


* Nada será como antes, Milton Nascimento.