domingo, abril 23, 2006

Sonífera Ilha

Não é nada, só uma vontade de morar na praia. Sim, na praia. É, uma vontade quase sufocante de morar na praia. Ter o mar como quintal. Ter areia pra construir castelos. Ter meus próprios pés para destruí-los e minhas mãos para refazê-los quando der na telha. Fazer cartela de cor com os tons do pôr-do-sol, colocar a rede na varanda e adormecer com o cair da tarde, perder as contas de quantos cair da tarde, botar a cadeira perto de onde a espuma refresca as pernas, encontrar cavalos no meio das nuvens, fazer esculturas com palitos de sorvete, pular ondas, boiar olhando as estrelas, tremer de frio quando já é noite, fazer fogueira pra esquentar. Esquecer os livros, os filmes, as psicologias, os absurdos. Esquecer de levar chave, de ter dinheiro, de ligar pra ela, de passar batom, de comprar roupa nova. Deixar de lado um pouco as pessoas, os cremes, as vaidades, a correria, o cansaço, as buzinas.

Largar a vida num lugarzinho sozinho e calmo com barulho de oceano e conversar com o céu.

"Some dead people, people that were too sensitive to live: Sylvia Plath, Van Gogh, Virginia Woolf, Jackson Pollock, Primo Levi, Kurt Cobain, of course. Some alive people: George W. Bush, Arnold Schwarznegger, Osama Bin Laden. Put a cross next to the people you might want to have a drink with, and then see whether they’re on the dead side or the alive side. And, yeah, you could point out that I have stacked the deck, that there are a couple of people missing from my ‘alive’ list who might fuck up my argument, a few poets and musicians and so on. And you could also point out that Stalin and Hitler weren’t so great, and they’re no longer with us. But indulge me anyway: you know what I’m talking about. Sensitive people find it harder to stick around."

Nick Hornby again...

segunda-feira, abril 10, 2006

Acontece assim:

(mais ou menos)

A lente fica mais difícil de desgrudar do olho depois de algumas horas de sono sem tirá-la; travesseiro é uma questão de humor; camiseta furada, velha e desbotada é a melhor camisola e dá sono; a melhor música do Cidadão Instigado é aquela que te deixa na dúvida sobre seu teor brega; o Oswaldo é um bar a ser explorado; batida de tangerina é bom; smirnoff ice e doritos funcionam ainda mais naquele sofá da amiga, daquele jeito, naquelas noites; companhia é maravilhoso; ficar sozinha é necessário; os primeiros sintomas são a falta de sono e de apetite; a última instância é sair correndo serra das Araras acima; algumas pessoas irritam só de olhar; alguns cheiros persistem; as notícias ruins chegam aos montes e ao mesmo tempo; algumas pessoas que não deviam acabam morrendo; algumas pessoas que não consigo matar acabam aparecendo no meio das nuvens; algumas histórias parecem sempre inacabadas enquanto que algumas pessoas são sempre um esboço e pra sempre serão; algumas outras têm o dom de te deixar com a garganta seca de tanto falar; o lado direito do pescoço é sempre mais frágil e o primeiro a pifar; beijo na nuca devia ser obrigatório; cabelo bagunçado tem seu charme apenas se for por acaso; lençol dá uma boa roupa; isqueiro sempre some quando se mais precisa dele; vinho te redime de todos os pecados; supermercado é o paraíso das compras; escovas de dente são muito mais atraentes nas prateleiras que no seu banheiro; chuveiro elétrico não rola; sauna é vício; colchão mole dói; pé foi feito pra andar sem sapato; meia-calça ta sempre furada em dia de casamento; existe muito mais gente cafona que bem vestida; socar pessoas devia ser legitimado como forma de apaziguamento de seres; alguns humanos deviam ser legitimados como “os que devem ser socados”; barba não fica bem em qualquer um; psicólogas sempre tem a pergunta mais difícil; eu tenho direito de não saber, mas poucas pessoas reagem bem a essa resposta; alguns beijos são infinitamente mais inesquecíveis que outros; alguns olhares são como tiros que te atingem direto no peito e te derrubam na calçada; ciúmes é real; alguns enigmas não se decifram em abraços; o tempo das despedidas é sempre injusto; o sistema de telefonia móvel não entrega seus recados no dia certo; óculos ficam tortos e caem do rosto depois de quase cinco anos; pilhas de papel de rascunho só aumentam; a Epson gasta muito mais tinta que a Hp; você sente saudade dos detalhes mais particulares das pessoas e de seus gestos mais banais como mexer no cabelo, o todo acaba se perdendo; tem gente que sabe como usar as mãos; tem gente que sabe te fazer calar; aspiração no carro dura pouco; as fotos presas na parede desbotam muito rápido; os brilhos de alguns olhos assombram por tempo indeterminado; os sorrisos de algumas bocas dilaceram o estômago; o melhor lugar pra se ouvir música é o carro; alguns tetos são brancos demais; rede é um sonho que nunca vem; gargalhar é tão eficaz quanto fazer abdominais, só que é legal; a melhor parte de conhecer pessoas é quando você descobre sem querer que já se apaixonou por elas; as melhores pessoas são aquelas que se apaixonam por coisas; pessoas que não vivem um caso de amor com suas paixões são medrosas demais; estilo não se imita; grampos são uma boa solução para quando o cabeleireiro erra em você; lápis de cera é passaporte pra infância; capuccino não é café e nem chocolate, só é estranho; poucas são as decisões absolutas; somar é muito mais complicado que subtrair em alguns casos; é bem mais fácil errar; é ridiculamente fácil cair em tentação; intimidade demora mais do que a gente gostaria (às vezes); ombros consolam tanto quanto cerveja; amadurecer emagrece; acender a luz tem sua importância; palavras-cruzadas são sempre bem-vindas; algumas explicações demoram tempo demais; algumas pessoas demoram demais, algumas pessoas ficam tempos além; no meio da zona alguns gritos de socorro são friamente ignorados por gente que não entende nada disso; o cara que faz Banana Pancakes e pretend like it’s the weekend nunca aparece; sapos são muito mais interessantes que príncipes; existe uma série de pessoas irresistíveis e eu tenho a sorte de conhecer a maioria delas; Cazuza é atemporal e sempre faz sentido; “street’s like a jungle” , já dizia o Blur; você ta sempre desempregada quando todo mundo ta sendo promovido; solteiro, além de estado civil é também de espírito; a cabeça pára de funcionar junto com o corpo; tem sempre uma festa no dia da viagem e tem sempre uma viagem no dia da festa; é muito mais que só uma pedra no meio do caminho; “Vilarejo” da Marisa lembra Cem Anos de Solidão; a gente muda e continua igual; a gente continua igual e tudo muda; mudanças não consentidas são sempre cansativas e cansaços são sempre uma fuga; sonhos são refrescos em dias de sol e faz um tempão que não chove...

:: "Crushed like a bug to the ground", Let Down, Radiohead.

domingo, abril 09, 2006

Save tonight

(ou "A nostalgia pós serra")

Quem fica velho? A gente, as coisas ou o tempo? O que que vira saudade? Os lugares, as pessoas, os cheiros, os sentimentos ou as transformações de tudo isso? Quantos destinos nostálgicos, quanta poeira sai de uma foto, quanto mofo ficou dentro da caixinha, quantas cores a memória ainda consegue ver? Parece que foi ontem, parece que foi há anos atrás, parece que foi numa outra vida de tão longe, mas se fechar os olhos eu ainda ouço o barulho que o chão de madeira da cozinha fazia, escuto as bolas de tênis errando a rede, escuto os cães latindo à noite, escuto as musiquinhas do Nintendo e ela se acelerando porque o Mario pegou uma estrela que lhe tornava imortal. Quantas horas eu gastei tentando derrotar os dragões dos castelos, quantas caixas de bombom azuis, quantos campeonatos de ping-pong, quantos campeonatos de estrela, de desfile, de penteados, quantas conversas com os duendes, sim, duendes, ninguém nem sabia o que era maconha, mas a gente tinha certeza de que os baixinhos de chapéu habitavam a árvore que ficava perto do balanço de madeira, que por sua vez ficava próxima à escadinha que nos levava à capela e à quadra de tênis, e naquele tempo eu ainda “jogava” tênis, tinha uma raquete Prince e errava mais ou menos todas as bolas. Preferia ensaiar as peças de teatro que apresentávamos durante a páscoa, me empenhava nos diálogos e nas roupas, ignorando portanto, todo e qualquer sinal que a vida me mostrava todo dia (profissionalmente falando). Recebíamos aplausos da nossa platéia fiel, nossos pais, quando estes ainda eram mesmo nossos pais, e não o contrário, e dormíamos cedo, depois de alguns pães com requeijão que novamente devorávamos no café da manhã. Inventávamos brincadeiras que duravam dias, fazíamos cama de edredons e se fôssemos esquecidas naquela casa cheia de quartos acho que não nos daríamos conta. A vida era boa no meio de um jardim imenso com estátuas que nos assustavam de noite. Quantas vezes improvisamos tobogãs na colina, queimado, bobinho, pulamos corda, elástico. Quantas risadas cabem numa casa cheia? Quantos anos se passaram desde a primeira vez em que passamos batom, com 13 ou 14 anos, para irmos à boate? Quantas músicas cantamos, quantas vezes nos escondemos do juizado no banheiro, quantas noites dançamos até sei lá, quantos dias seguintes sem ressaca (ah, que delícia!), quantos copos de coca-cola bebíamos? Quanto tempo faz desde o primeiro cigarro escondido, desde as tardes de compras, dos bolos com calda de chocolate, dos filmes de comédia? Quantas canções podem contar anos das nossas vidas? Quantas vezes entramos no carro ao som de Eagle-Eye e rumamos pra cachoeira do Vale, quantas vezes frio depois da cachoeira, quanto tempo faz? Quanto tempo... parece que foi ontem, parece uma outra história, parece que dói às vezes de tanta saudade. As lembranças vêm em turbilhões e quando eu paro pra pensar em tantas épocas e tantas histórias guardadas e em como aquela casa virou um baú que volta e meia me espreita. Me assusto com a quantidade de detalhes que ainda trago na mala. Algumas coisas, quando bem conservadas, são como a estrelinha do Mario.


:: ouvindo Eagle-Eye Cherry “come tomorrow/ tomorrow I’ll be gone” música tema dos tempos da calça colorida...