segunda-feira, março 23, 2009

Your skin makes me cry *

Deixe que eu pense que você é do jeito exato que já conheço e que escorre bem para os menores cantos do molde que construí: deixe que eu saiba, como um cego, onde piso e onde pouso minhas mãos: deixe que eu ache que você é de um tamanho previsível, sem alardes: deixe que eu adivinhe o machucado do tombo que vou tomar: deixe que eu decida o que é cilada ou não: deixe que eu pense que armadilha é fazer seu jogo: deixe que eu resolva que é o contrário: deixe que eu possa te catalogar e te resolver em um minuto: e te imaginar com cheiros e deslizes que eu já sei: deixe que eu calcule a hora certa para ceder aos seus apelos: deixe que eu te saiba tão bem que não te precise, mas que eu te queira mesmo assim: deixe que eu te queira: deixe que eu te invente e te conduza pro final que eu escrevi: deixe que eu me dê como inventário pros seus olhos: deixe que eu me exiba como vitrine pros seus braços: deixe que eu te preencha um pouco: deixe de lado essa mania de ser tão como eu imagino que você seja: ande querido, já está na hora: venha logo: deixe que eu me surpreenda.

* So fucking special.

Radiohead em Creep.

terça-feira, março 17, 2009

Antes de dormir:

Segunda-feira só faz sentido depois que vejo o novo capítulo da série; perdi a vontade de ir àquele show, deve ser porque comprei o ingresso há tanto tempo que esqueci; me dá uma vontade de ser mulherzinha toda vez que passo creme no nariz; o relógio faz um barulho danado dos ponteiros e fico aflita enquanto não durmo, ou enquanto não acordo totalmente; o carro parece que sossegou desde que ficou todo amassado do lado direito; estou aprendendo a emprestar livros; não sei como se pede desculpas; uma pilha de revistas foi pro lixo; telecine light me vicia, por pior que sejam os filmes; acho que pedi ajuda esses dias, mais de uma vez; fico lendo um livro de 500 páginas achando que nunca vou chegar ao fim, mas já cheguei na metade; sou ecologicamente correta no super mercado e não gasto sacolas plásticas; minha máquina de fabricar água pifou, oh céus!; meu saldo bancário me odeia, e é inversamente proporcional ao meu caso de amor com a Zara; eu sei, são só besteiras; não sei o que fazer com todos os cartões postais que não tenho onde exibir; fico já antecipando as roupas que vou levar na viagem, mesmo que ainda falte um mês e eu não tenha casacos; José Luis Peixoto me fez chorar no meio do carnaval e foi por isso que meu celular se afogou na praia, porque preferi salvar o livro; tenho uma queda por dicionários antigos, daqueles que cheiram a velhice e cuja ortografia é duvidosa; ando militando a favor de suco de uva; ando acordando com o cabelo igual ao do Bozo, todo pro lado, um horror!; ando com vontade de escutar Lenny Kravitz cantando “baby it ain’t over til it’s over” só porque eu concordo totalmente, mas como é que faz pra saber que acabou?; tento matar umas pessoas, mas elas parecem ter sete vidas; são sete dias que se emendam em muito mais que sete horas de sono por noite; será que depressão dura uma semana só?; e será que é muito grave nunca ter ido a um concerto de música clássica?; a oftalmologista começou a me explicar a operação dos olhos e eu quase vomitei em cima dela de nervoso, eu não precisava de tantos detalhes assim, oras!; e aí perdi os óculos de sol dentro do carro, vê se pode; e pode fingir que ta tudo bem quando se morre de dor no pescoço?; e é possível gostar de alguma coisa quando alguém do seu lado na platéia não para de tossir?; às vezes eu lembro de uma vez que eu tinha uma estagiária e eu não tinha a mais vaga idéia do que fazer com ela, e agora eu estou que nem aquela música “I Just don’t know what to do with myself”; tanto clichê...; preciso estudar francês; sinto uma saudade tremenda da cadela da minha professora de francês, por mais estranha que seja essa frase; o protetor labial não impede que eu continue comendo a boca toda, o protetor solar não impede que às vezes descasquem as costas e essa proteção idiota que eu inventei contra as pessoas não impede que eu me desmantele toda de vez em quando, uma vez por dia, por não conseguir mais me desmantelar com elas; o som está com dificuldades para fazer os CDs tocarem; roubaram a bolsa da Jandira Fegali na Casa de Cultura Laura Alvim; a Casa da Gávea vai fechar; dizem que a Maria Bonita está falindo; esses amores platônicos perdem a graça tão rápido; não agüento mais escutar: crise, recessão, Barack Obama; e o Collor, alguém me explica?; é, eu sei, não entendo nada mesmo; detesto todos os colunistas do Globo, concluí com a Bebel; e esse sono que não me faz dormir?; meu joanete está crescendo e eu não sei o porquê; quantos baianos você conhece? Eu só conheço um, e foi sem querer; Toni me pega no colo toda vez que me encontra, mesmo que eu seja enorme; agora já chega, preciso dormir, amanhã acordo de novo ao meio-dia e nunca acerto o horário, fico bocejando até o pôr-do-sol; tenho que ligar pro despachante amanhã, sem falta; e o sono, meu deus, e o sono?; leio mais 10 páginas, só esse capítulo, ou tomo logo um remédio, daqui a pouco não consigo mais, agora já chega, jogo só mais uma partida de Tetris, busco água pro comprimido, desabo desmilinguida na cama antes que você me invada a cabeça outra vez.

:: "Sua enorme inteligência compreensiva, aquele seu coração vazio de mim que precisa que eu seja admirável para poder me admirar. Minha grande altivez: prefiro ser achada na rua. Do que neste fictício palácio onde não me acharão porque - porque mando dizer que não estou, 'ela acabou de sair'." Clarice Lispector em Para Não Esquecer

sábado, março 14, 2009

Carta a M.

Meu mais querido,

Eu começaria essa carta com um longo “aaahhh” muito suspirado que te faria entender metade das coisas – a preguiça de mais um sábado, a lentidão depois de quatro caipirinhas, a vontade de ficar na cama me espreguiçando e acordando repetidamente.

Sonhei que falávamos italiano, e com as mãos. Sei que o seu tempo anda inversamente proporcional ao meu, não se preocupe, são coisas breves e fundamentais que tenho que te dizer.

Despencou uma chuva por aqui, depois de muitos dias secos, a cidade ficou com aquele jeito escorregadio e abafado de março, foi impossível não cantarolar “É a chuva chovendo, é conversa ribeira / Das águas de março, é o fim da canseira”.

Ontem falei tanto que acho até que emagreci, ou que fiquei mais bonita. E hoje falei mais ainda, no fim do dia entendi o cachorro com sua língua pra fora, devorei garrafas d’água e pus música instrumental bem alta, mas então o próximo cd no som começou, Elizeth cantava tão lindo “Ah seu eu te pudesse fazer entender...” Às vezes acho que posso fazer qualquer um entender, e a conversa desatada de ontem foi porque encontrei alguém que, ufa!, me passou atestado de normalidade: ela sentia tudo igual. Achei que íamos nos desabotoar em choro. É claro que terminamos a noite num abraço cheio de risadas. Meio nervosas. Tipo aquelas. Você sabe.

A pele das minhas pernas descasca de tão seca, estou providenciando o conserto. Voltei a usar lentes, mas no dia seguinte é batata, fico de ressaca e não posso ver nem quadro de Van Gogh na frente. Acho que meu cabelo está morrendo. E meu braço parece catapora de tanto mosquito que anda me mordendo. A rima foi acidental. É, talvez eu não tenha ficado mais bonita coisa nenhuma. E não me arrisco a dizer que fiquei mais leve, porque posso confundir tudo e na verdade acho que eu fiquei é mais murcha. É que depois de tanta conversa e análise, ainda ficou aquela abstração que a gente guarda, entende? Nada fica apaziguado... Então as risadas nervosas. Entrei no carro e não sabia nem que música escutar. Coloquei Unfinished Sympathy. Não é hipnotizante a voz dela? Fico alucinada.

Fui ver Bruno Cezario de novo, e me encantei de novo, e sonhei com os pés dele de novo e de novo e de novo e sim, é verdade, voltei a dançar. Sinto que meu corpo está me dando trégua e que está disposto a reajustes. É uma conquista, não sei até quando aguenta. Daqui a uns anos vou precisar de mais RPG.

Você acredita que três bailarinas dançaram ao som da voz de Gabriel Garcia Marquez lendo uma parte do primeiro capítulo de Cem Anos de Solidão? “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.” Comecei a reler. No fim todo mundo aplaudiu de pé, gritando “Bravo!”, foi o número mais bonito da noite. Se eu fosse um pouco cafona diria que foi mágico. Mas sabe, foi mágico mesmo.

Não me acostumo a ler estreia ou a ter ideia sem acento.
Continuo assassinando borboletas no banho. Não é culpa minha. Elas invadem o box, e são tão pequenas que acabam se afogando com os respingos que sobram pros lados. É uma catástrofe, eu sei. Mas são elas que ocupam o espaço. Outro dia apareceu um vaga-lume por aqui. O cachorro achou estranhíssimo. Ele brilhava tanto que nem sei. Me deu vontade de pique-esconde. Ou piquenique. Ou qualquer outra dessas coisas que eu sempre fazia em Penedo. Concurso de mergulhos. Brincadeira de estátua. "Mamãe posso ir?" Penedo era cheio de vaga-lumes. À noite, antes de dormir, ouço grilos lá fora. Não tenho certeza de que moro mesmo no Rio.
Bruno, o outro, voltou cheio de saudades. Ele está de barba e óculos. Mas isso é só pra você ficar com ciúme.

Assei biscoitos na casa de Maíra. Ela agora tem uma cadeira de balanço na cozinha, o que é perfeito para formar a massa do biscoito e fazer bolinhas. Ouvíamos a MPB FM e acho que foi por isso que os biscoitos ficaram meio estranhos. Ou por causa do forno que teimava em assar mais uma parte do tabuleiro que outra. A Maíra adorou os biscoitos. Mas é só porque ela não sabe que eles podem ser bem melhores.

Ando tentando gostar de muitas coisas esses dias, mas sabe o que me deixa realmente contente? Essas trocas que a gente faz, como aquele domingo de conversas em que nós funcionamos e rimos. Como a praia de hoje com ameaça de chuva e jornal compartilhado. Como a noite de ontem em que fomos sutilmente expulsas de dois restaurantes, como quando as coisas só terminam porque não têm mais pra onde ir. Tudo isso que pode se converter em inspiração, antes mesmo que a gente entenda. Parece que faz sempre sol assim.

A parte da música que mais gosto é essa “É o projeto da casa, é o corpo na cama, é o carro enguiçado, é a lama, é a lama.” Eu nunca sei se coloco ponto final depois ou antes das aspas.

Continuo recebendo mensagens que começam com “Vanessa...” e não sei como dizer que é engano. Continuo sem resposta de um email que enviei pra outra pessoa. Mas acho que a falta de uma já é tudo o que preciso. Mesmo assim dói. Acho que eu inventei tantas coisas pra mim e pra ele que acabei esquecendo de inventar um final. A gente sempre quer que as pessoas sejam diferentes do que de fato são. Algumas. Você pode ficar igual. Eu pretendo mudar algumas coisas. As pernas, por exemplo. E não falo só de hidratação. De caminhos também.

Pre-ci-so trabalhar. Estou considerando qualquer área que não seja: medicina, engenharia, odontologia. E direito. O que mais tem me tentado ultimamente é fugir com o circo.

Meu pescoço começa a falhar. Já são quase 11, estou metida numa daquelas camisetas velhas e desbotadas e gigantes. Não recusei convites para chopes porque desliguei o telefone. A única coisa que eu faria hoje seria me apaixonar. Ou receber massagem.

Me conte alguma coisa.

Sua mãe está linda no jornal!
beijos enormes e muitos,

terça-feira, março 10, 2009

Grand jeté

Eu acho que os bailarinos são deuses que suspendem suas respirações às vezes, para nos abençoarem durante o tempo em que dão suas piruetas, e acho que depois das apresentações eles sentam num banquinho, bebem uma garrafa d’água e choram. Muito, choram muito, porque sabem o esforço que têm que fazer, sabem que depois de dançar eles dividem tudo o que guardavam, sabem que distribuem para os outros as suas melhores partes, e as piores também, sabem que o suor é enxurrada, sabem que os aplausos são catarses e amor, e um pouco de inveja. Eles sabem que os aplausos são desejos.

Eu acho que as pessoas que aplaudem os bailarinos entram em seus carros e até se esquecem de ligar a música, e dirigem com calma. Acho que as pessoas-platéia chegam em suas casas, abrem uma garrafa de vinho e tiram os sapatos enquanto se acomodam na poltrona e choram. Muito, choram muito, porque sabem o esforço que têm que fazer para não se desfazerem depois, porque conseguem entender que durante os minutos em que os bailarinos estão no palco elas só precisam gostar deles e olhar para eles e usar de seu egoísmo para com o resto de tudo o que acontece. Elas aplaudem porque precisam da catarse, desejam o amor. Elas sabem que os aplausos são levezas.

Eu acho que quem fica no meio do caminho, quem assiste e depois arrisca seus passos, quem risca os pés pelo chão e depois aplaude, acho que essas pessoas conseguem ter o maravilhamento que a platéia tem, e ao mesmo tempo conseguem o esvaziamento que os bailarinos fazem. Eu acho que essas pessoas, ao fim do espetáculo, entram no carro e não sabem pra onde ir. Eu acho que essas pessoas, ao fim da aula, enxugam o suor e sabem que estão prontas pra se preencherem de novo, de tantas formas e sensações, e não sabem exatamente quais. Elas chegam em casa, abrem o jornal e choram. Muito, choram muito.

E se tudo acabar, pra onde vão os aplausos?



:: "Dei um salão aos meus pensamentos! (...) Ri! Quem foi que disse que não vivo satisfeito? Eu danço!" Mario de Andrade


(a capa do Segundo Caderno do Globo de hoje, ou ontem - 2a feira 09/03 - me deprimiu).

sexta-feira, março 06, 2009

Das coisas

Do amor

Alguém munido de uma poltrona e boas mãos oferece cafuné na praia de Ipanema a módicos preços; no fim da aula de gyrotonic (ou o que quer que seja) eu deito a cabeça num travesseiro durinho que faz massagem no pescoço quando acionado; no meio da aula de dança contemporânea o professor coça as costas com movimentos precisos para relaxar os músculos; no final da sessão de massagem a Ana faz gato e sapato das minhas orelhas e traça caminhos no meu rosto que eu nem sabia; além de me dar um beijo na testa e me deixar sozinha, barulho de água na sala escura, cobertor quentinho, abraço de cânfora.

Do calor

Passar protetor solar nas costas, pernas, braços, barriga e cara dá um calor desgraçado, sua pra caramba de modo que o mar é o único destino possível, mas a água está morna de tanto sol; a orla da Barra parece sacanagem, com degradé de turquesas e cheia de ameaças às pessoas que trabalham, e cheia de ternura com quem não tem muito o que fazer, oferecendo um mar que deixa qualquer um carente depois; até o banho não tem sido tão gelado quanto deveria; o cachorro sofre e pendura a língua entre os dentes num arfar constante que me mata de dó, mas não adianta que ele não gosta do ar; alguém ainda usa chinelos, ou todo mundo só usa Havaianas?; um mergulho que não arda os olhos está no topo da minha wishlist.

De nós

Os grampos embaralham um pouco o que sobrou dos cabelos; as coisas na varanda secam umas por cima das outras com cuidado pra não manchar; a única coisa que não se confunde são as revistas que li, porque são todas iguais.

Da pele

Fica no repeat a música, como fica a minha cabeça, pensando e repisando e refazendo cada uma das palavras, não só as da canção, as tuas também. Por fim, penso que faltou uma frase naquela carta. Por fim, penso que outras pessoas precisam conhecer a cantora, talvez funcione pra mais alguém como funciona pra mim.

Te amo, pode ser?


::
A tua ausência me causou um caos
No breu de hoje sinto que
O tempo da cura tornou a tristeza normal


Maria Gadu in www.myspace.com/mariagadu , dica da Maíra.