sexta-feira, dezembro 28, 2007

(pequeno desvario de fim de ano)

"Ao fazê-lo, ele dava voz a sua discordância em relação à teoria do engajamento de seu amigo."
(Camus e Sartre - O polêmico fim de uma amizade no pós-guerra, Ronald Aronson, pág 161)

Continuando a brincadeira da Ana .

Se fosse a segunda frase do Prólogo seria: "Meu caro Camus: nossa amizade não era fácil, mas sentirei falta dela."

Se fosse outro livro a frase poderia ser bem mais interessante. Mas num escritório de lingerie no dia 28 de dezembro às 17:04 o único disponível era esse que estava na minha bolsa.

Eu me apaixonei por Camus no começo do ano. Foi com ele que traí Caio Fernando Abreu pela primeira vez. Mas não espalha.

domingo, dezembro 23, 2007

The end

Eu comecei a escrever textos para o fim de ano e depois de algumas semanas tentando resolvi desistir.

Eu ia contar de forma engraçada todas as maluquices do ano e de como uma lógica ao contrário e sacana se abateu sobre quase tudo.

Eu ia citar vários episódios, ia transformar tudo em histórias engraçadas. Mas depois de tantas confusões e correrias e de um dia inteiro dormindo eu lembrei de um sujeito que um dia disse “adoro seu blog de frases curtas em primeira pessoa”.

Então eu pensei que não tinha nenhuma novidade pra contar e mesmo que tivesse... os dias deste ano que se encerra foram tão caóticos que é preciso primeiro digeri-los para poder escrevê-los.

A única coisa que posso contar é que em meio ao caos que se instalou nas semanas de dezembro eu ainda arranjei um motivo pra achar que algumas experiências devem ser repassadas ao mundo.

Era tarde de alguma noite estressada e quando finalmente tirei os sapatos para dormir o celular apitou uma mensagem. O texto era uma frase curta em primeira pessoa: eu te amo. Demorou alguns dias para que eu resolvesse porque na verdade a mensagem era nitidamente engano. Pensei, pensei, reli o último post onde eu redescobria que o amor é realmente cego e finalmente respondi: eu te amo também.

Desliguei o abajur, virei pro lado e dormi, feliz por ter um novo amor!



:: o7's top 5 - Hairspray, Camus, Cordão do Boitatá, amigos lançando discos, a cura da coluna.

domingo, novembro 25, 2007

O dia em que o Béjart morreu

O dia em que o Béjart morreu foi o mesmo em que eu descobri que o ascensorista do prédio onde eu trabalho me ama. Nenhuma das duas informações foi fácil de descobrir e ambas poderiam ter passado despercebidas, não fossem algumas evidências que ocorreram antes mesmo que eu pudesse pensar em Béjart e ascensoristas de elevador de prédios onde eu trabalho.

O dia em que eu tomei conhecimento da existência do Béjart foi o mesmo dia em que eu tomei conhecimento da Lia Rodrigues e sua companhia de dança. Isso rendeu um post inteiro. E também rendeu, logo após a performance, uma conversa ao telefone com o Marcelo, que falou do Béjart. O Béjart não significava nada para mim até o exato momento em que o Marcelo, um pouco exaltado, perguntou como quem coloca muitas exclamações após a interrogação: VOCÊ NÃO CONHECE O BÉJART?!!!!!!! , e ele deve ter falado desse mesmo jeito, em caixa alta e negrito. Precisou eu ver Lia Rodrigues, comentar com o Marcelo, o Marcelo ficar decepcionado porque eu não conhecia Béjart, ver os videos do youtube enviados por ele, dar uma lida na Wikipedia e em sites de dança e ter a pergunta esfregada na minha cara repetidamente. A frase em caixa alta e negrito com exclamações VOCÊ NÃO CONHECE O BÉJART?!!!! ecoou na minha cabeça durante dias, e nem mesmo a minha tentativa de igualar meus conhecimentos de dança com o Marcelo me livraram da frustração de não ter sequer idéia de quem diabos era o Béjart.

Até que um dia, lendo um livro sobre a história da dança, lá estava ele: Béjart. O dia em que eu li o nome de Béjart se repetir em citações num livro que conta a história da dança eu entendi que cedo ou tarde Béjart e eu nos depararíamos num conhecimento mútuo sem fim e isso não poderia ser à tôa.

O dia em que eu tomei conhecimento do ascensorista, por sua vez, era o primeiro dia de trabalho dele, que passava a substituir o ascensorista antigo que havia morrido e a quem eu mal dava bom dia. Diferentemente da Velma Kelly que acha que foi a culpada pela morte do James Brown, eu não tive qualquer participação no falecimento do ascensorista antigo e sua morte me fez apenas acordar para a cordialidade que eu devia ter com o novo ascensorista. O que eu não podia supôr era que o novo ascensorista teria cabelo platinado e um cd gravado com as canções que ele costumava tocar nos bares e que ele emprestaria tal disco para mim. Eu não pude perguntar ao Marcelo: VOCÊ NÃO CONHECE O ASCENSORISTA?!!!! porque a resposta era bem óbvia, e a não ser que ele seja o próximo Roberto Carlos, eu jamais poderei esfregar na cara do Marcelo a sua própria ignorância.

Até que um dia, subindo ou descendo no elevador, o ascensorista platinado começou a puxar papo, eu ainda estava fragilizada pelo não-conhecimento do Béjart e acabei sendo simpática demais, de forma que a cordialidade virou-se contra mim no melhor estilo feitiço-feiticeiro e eu jamais consegui me livrar das conversas matinais que duravama 11 andares.

O dia em que o Béjart morreu foi o mesmo em que o ascensorista disse que me achava parecida com a Ana Paula Arósio. Eu levei na brincadeira porque ele também já disse que as pessoas o confundem com o Fábio Assunção e porque eu sei que com quem eu me pareço mesmo é com a Silvia Buarque. Mas quando eu percebi que ele estava falando sério o elevador parou no meu andar, eu escapei de uma conversa surreal que começava e então a epifania aconteceu. Eu entendi que tanto Béjart quanto o ascensorista, separados por léguas intermináveis de mais ou menos tudo o que eu poderia pensar (continente, profissão e principalmente tinta de cabelo) , tinham entrado na minha vida para que eu tivesse uma dupla epifania.

EU precisava saber quem era Béjart para dar a triste notícia ao Marcelo, que desolado até me perdoou pela minha quase gafe. E eu precisava saber que o ascensorista me achava parecida com a Ana Paula Arósio para lembrar de algo que há muito eu esquecera: o amor é mesmo cego.

terça-feira, novembro 20, 2007

Dedicado:

(às pessoas das fotos)

Era a aula de química, ele olhava pela janela e pensava para então quase enterrar a cabeça no caderno que só tinha poesia. Depois ele a chamava, ela lia, fazia carinho em sua cabeça até ele quase adormecer, e então despertava e dizia que a amava enquanto rabiscava coisas no seu caderno, coisas que não eram dele, músicas que ele não compôs e essas músicas ficaram irremediavelmente associadas a ele. De tudo o que mudou, uma coisa não volta atrás: ainda nos amamos. E é ouvir Sereníssima pra lembrar daqueles dias.

Era depois de algum programa e a gente chegava em casa e ligava o computador para continuar a conversa, porque a gente tinha muuuuito assunto e era mais divertido falar tudo por ICQ. E ela era a última tecnologia em pessoa e o meu computador era provavelmente um Itautec falido, empacava e não havia reza que desse jeito. Eu telefonava baixinho de madrugada e citava U2: you’ve got stuck in a moment you can’t get out of, mas não era ela, era a minha máquina na verdade. E toda vez que o Bono diz que You’ve got to get yourself together é a cara dela que vem à cabeça. E até hoje quando escuto Sarah McLachlan dizer que o amor dele é melhor que sorvete... é batata! Ela de novo.

Era de manhã, o ventilador do teto ligado e ele sempre queria que eu ficasse mais um pouco, eu nunca fiquei, mas a voz de Maria Bethânia amanhecendo uma Tarde em Itapoã meio melancólica é o tema do fim da nossa história que nunca foi trágica nem eufórica, foi apenas uma história cuja trilha sonora eu mesma providenciei. E toda vez que a escuto cantar Vinícius é dele que lembro, da vitrola no canto do quarto, do ventinho sobre os lençóis.

Era domingo, às vezes tinha ressaca, às vezes ficava nublado e sempre combinava aquele cd, aquela voz cheia de efeitos e era ela quem dizia que Moby tinha tudo a ver com a véspera de segunda, uma mood música e sempre que escuto os primeiros barulhinhos de Porcelain eu já sei que é dela que vou lembrar.

Era pós chope com os amigos, provavelmente o Baixo Gávea e a gente entrava no Peugeot de algum deles e tentávamos decidir se íamos esticar a conversa no Jobi ou no Diagonal and just when it hit me somebody turned around and shouted play that funky music white boy, ele aumentava o som, todo mundo cantava e sentia certa saudade de quando era jovem e resolvíamos ir pra casa mesmo. E uma vez por ano quando um deles dá uma festa de aniversário dançam sem parar e em rodinha til they die, e não conseguem mais ouvir a tal música sem se lembrarem um dos outros.

Eram os anos 90, eles achavam que seriam amigos pra sempre, o maior hit da banda dele era a música do sujeito que tinha um cachorro que se chamava João que comia banana e dormia no chão. Ele comprou um golden que se chamava Rock and Roll, ela arranjou um poodle que realmente se chamava João e os dois quase brigaram porque ele roubou a rilha sonora de That Thing You Do que ela tinha. E embora quase não escute mais essas músicas, quando as palmas do hit do The Wonders começam ela lembra dos seus cachinhos dourados que queriam ser um rock star, e também achavam que ela devia ser uma...

Era a última aula do dia, sala quente perto da praia, um gole rápido de água porque emendava ballet-sapateado-contemporâneo e ele mandava todo mundo deitar no chão e aquela voz suave numa melodia que só servia de fundo para os alongamentos e ela pedia e então ele deixava Aimee Mann cantar mais um pouco and so for the sake of momentum ela deixava seus medos ficarem mais largos que a vida e dançava. E sempre que escuta o disco lembra dele, dos relaxamentos do fim das aulas malucas em que corriam e riam feito doidos.

Era num inferninho enfumaçado, todo mundo apertado e feliz, o chão parecia que ia desabar mas não importava. A gente já quase sabia a ordem das músicas e também não importava, no fundo era ótimo, enfrentávamos a fila do banheiro sem correr risco de perder Lobão e os Ronaldos iluminando um céu cinzento. Até o dia em que a gente preparava o fôlego para o Pixies que começava e coincidentemente entrava na pista ele, Here comes your man, mas ele já não era mais meu e a gente ria, não era tão engraçado mas tinha caipirinha, coração partido e logo depois tinha Pretenders back on the chain gang. It brings me to my knees de ver como nos afastamos, mas toda vez que o shuffle do itunes cai nessa música é para elas que quero telefonar com aquele velho celular que não tirava fotos.

Sim, algumas coisas até que continuam iguais, o caos segue em frente com toda a calma do mundo, I’m just trying to find a decent melody, a song that I can sing, my own company. Ainda sinto preguiça no corpo, in my dreams eu às vezes morro o tempo todo, a gente ainda acha que should go back there pra ver se eles continuam dançando e cantando e movin’ to the groovin’, gosto de acreditar que we’ll be happy can’t you see?. E eu sei que life is getting shorter, que essas pessoas talvez não permaneçam para criarem novas lembranças em novos tons, que talvez seja como os Beatles cantavam, there are places I remember...

Essas músicas ficaram irreversivelmente ligadas a essas pessoas, isso sem falar das outras. Foi num dia desses de reorganizar os discos e as caixas, I found a picture of you. Those were the happiest days of my life.
:: ouvindo as matching-músicas

domingo, novembro 18, 2007

A pessoa é para o que nasce

(vol. 2 e tardio)

Sean Penn nasceu pra ser o único cara que poderia ter batido na Madonna enquanto que ela nasceu pra ser a única cinquentona que não fica ridícula dançando num collant lilás. A Irene Cara nasceu pra nos animar na pista da dança e a maioria dos djs nasceu para ignorar esse fato por completo. O Pedro Mariano nasceu pra dar vergonha alheia e a Maria Rita nasceu pra ser chatonilda, e os dois nasceram da mesma mãe, não é bizarro? O Capitão Jack Sparrow nasceu para nos fazer acreditar em piratas de novo. Paul McCartney nasceu para ser o Beatle mais adorável e lindo. A Kate Moss nasceu porque um dia alguém teria que ter muito poder pra rasgar um vestido Galliano só porque ficou bêbada numa festa. O Nando Reis nasceu para fazer uma música cuja palavra mundo se repete três vezes no refrão e a Zoe nasceu para ser a homenageada da mesma, vai ver ela era a única pessoa nascida que não teria vergonha da duvidosa homenagem. Caetano Veloso nasceu porque só ele poderia compor Odeio Você. A Chorus Line nasceu para ser um daqueles musicais que só você, a sua tia e uma amiga viram. O Bon Jovi nasceu pra que as pessoas assumam em plenos anos 00, ainda que ligeiramente envergonhados, que ainda gostam dele. O Steven Tyler nasceu para ter a maior boca do mundo. A Suri nasceu pra ser a filha de casal celebridade mais linda. O sistema de reconhecimento ocular para entrada de pessoas na Torre do Rio Sul nasceu para me fazer acreditar que um dia terei um carro igual ao de James Bond. Gene Kelly nasceu para cantar na chuva apaixonado. O Estrangeiro nasceu para ser um livro divisor de águas literárias. As vacas da Cow Parade nasceram para quê mesmo? Médicos dermatologistas nasceram para nos levar à falência. A Amy Winehouse nasceu porque faz um tempão que um astro não morre no auge de sua carreira. A Amazon.com nasceu para você achar cds improváveis e os amigos nasceram para fazerem compras e racharem esse frete junto com você. Cole Porter nasceu porque Ella Fitzgerald fez o mesmo e o que seria do mundo sem os songbooks que ela gravou? Egon Schiele nasceu para fazer os desenhos mais maravilhosos do planeta. Impressoras nasceram para suas tintas acabarem sempre que necessário. Mãe Valéria de Oxossi, além de trazer a pessoa amada em três dias, nasceu para conhecer a pessoa mais eficiente em colar cartazes na cidade. Hairspray nasceu para levantar o astral de qualquer um e o Zac Effron nasceu para usar mais maquiagem no filme que o John Travolta. Frank Sinatra nasceu para cantar Mac the Knife. Os Outros nasceram para ser a minha banda preferida do mês e um monte de gente nasceu, embora a gente ainda não saiba bem o porquê...

domingo, outubro 28, 2007

O incompreensível mundo da moda

Alguns especialistas de moda afirmam que vivemos a era do fim de tendências macro. Que o minimalismo conviverá com o retrô que conviverá com o punk que conviverá. E que isso se vê claramente na última temporada de desfiles, que havia referências e peças para todos os gostos e que as micro-tendências permitem uma moda mais democrática e menos pasteurizada, tanto para o mercado quanto para o consumidor.

Gostando ou não de moda, sabendo ou não quem é Suzie Menkes, você, como todos nós que não somos índios ou a mulher de branco de Ipanema, compra roupas eventualmente. E a maioria de nós deve discordar desses que se dizem especialistas porque faz tempo que não consigo encontrar nada que não seja a) de malha, b) uma fortuna, c) rosa, laranja ou roxo. Se micro-tendência é sinal de ditadura da moda e isso é, de acordo com os entendidos, democracia, então o meu dicionário perdeu a validade.

Os especialistas concordavam, porém, que havia uma coincidência (inconsciente coletivo?) em desfiles “importantes” que apontava para o esquisito, para o visual que causava certo estranhamento.

Se o feio é o novo preto, então talvez isso explique o fato de que a maior parte do público do Tim Festival parecia saída do Almanaque Anos 80. E não era uma releitura como se costuma fazer, era mesmo um retrocesso. Mullets para todas as cabeças, bolsinhas matelassê com alças de correntes douradas, esmalte e maquiagem néon, bijouterias de acrílico e até faixas de cabelo daquelas que a Olívia Newton John usava em Let’s get Physical. Havia mesmo um sujeito cujo cabelo, tenho certeza, era uma nada discreta homenagem a Robert Smith. E o assustador, além do resgate fashion da década que tentamos esquecer, era que muitas vezes não conseguíamos saber se tal pessoa era menino ou menina.

Por sorte eu não esbarrei com ninguém de polaina ou ombreira, isso realmente teria me apavorado, mas acho que não seria tarefa difícil. Por sorte também eu ia ver o show da Cat Power. Mas não teria sido bizarro se o A-ha tivesse subido ao palco.

sábado, outubro 13, 2007

that's me in the corner...

João Caetano começou a tomar calmantes, passei a chantagear com tortas e bolos os fornecedores para que eles sejam legais comigo e me entreguem produtos no prazo, a lavagem de um vestido em lavanderia é praticamente um assalto e por essas e outras me aventurei no mundo do tanque, comecei a passar o caderno de telefones da minha mãe a limpo, as coisas continuam mofando, a professora de natação agora me usa para impressionar os alunos que vão fazer aula teste e por essa e outras eu finalmente consigo fazer três braçadas de golfinho seguidas, quase morri engasgada com um morango quando fui contar uma história hilária para o meu pai porque comecei a rir antes da hora, passei também a ameaçar fornecedores que atrasam tudo dizendo que os apresentarei a João Caetano off medicação, a fisioterapeuta boa voltou antes mesmo que eu tivesse chance de gongar a antiga, um sujeito quer porque quer que eu pague $4.500 pelo notebook que alguém comprou com o meu cheque roubado e eu juro que fico penalizada mas já inventaram serviço de consulta a cheques, tsá?, o Papel Pobre acabou e o luto terminou quando descobri o Modellon e agora eu e a minha dupla no trabalho temos novamente alguma distração fútil, reencontrei pessoas que não via há uns 7 anos por opção e elas sequer mudaram seus cortes de cabelo e ainda exclamavam o quanto eu estava sumida, wonder why – eu pensei, tive que explicar para alguns fornecedores que João Caetano é um pitbull encarnado em poodle ou lobo em pele de cordeiro para os que preferem expressões populares, dois dias depois de assistir A Chorus Line pela centésima vez recebei de uma amiga um trecho de um filme do Fred Astaire e quase, quase mesmo chorei muito de saudades, descobri como colocar músicas no celular que virou quase um ipod, agora tenho traças no quarto também, fui atingida por um pombo desgovernado que após bater em minha cabeça saiu voando inabalável e depois desse fato aparentemente corriqueiro (embora eu não conheça alguém que tenha sido pombado) uma série de coisas começou a desandar e quando eu vi eu tinha comprado uma peça na Farm, tiha gostado do desfile do Roberto Cavalli, todo mundo furou o chope, o carro voltou a fazer barulhos, a coleção não foi aprovada porque era bonita demais pra ficar tão pouco tempo na loja e de lá pra cá recebemos 347 ordens e direções diferentes por minuto, o ascensorista do prédio me emprestou um cd para escutar cuja capa era estampada com a foto dele mesmo e ele canta Elvis no cd e imagine!, o nivel de stress subiu 80% nos últimos dias e eu que já quase não sentia dores fiquei atacada das juntas, não consegui entender mais nada do livro de francês, os pés das meias têm sumido e como perdi os critérios mesmo passei a usar meias descasadas, perdi também o saco com o cabelo e faz tempo que tá precisando de uma tinta nele, perdi o saco em geral, ando perdendo papéis no meio da bagunça e ando perdendo muito a hora, ando perdendo o interesse e a vontade de bater papo com as pessoas, that's me in the spotlight losing my religion.

segunda-feira, outubro 08, 2007

I sing the body electric

(ou Quero Ser Irene Cara)

Dizer que seu filme preferido é Cidadão Kane é o mesmo que dizer que seu prato preferido é pato laqueado. Todo mundo sabe que bife com batata frita é melhor. Da mesma forma como todo mundo sabe que nenhum scarpin da Miu Miu substitui o seu bom e velho par de havaianas. Da mesma maneira que todo mundo sabe que existe um incontável número de filmes infinitamente melhores do que C. K. E todo mundo sabe também que o filme da sua vida não é aquele cujo diretor ganhou o Oscar ou a palma de ouro. O filme da sua vida sequer foi fotografado por um sujeito aclamado ou inovou a história do cinema. O filme da sua vida poderia até mesmo te envergonhar um pouco numa roda de cinéfilos inteligentes e letrados onde eventualmente alguém diria que Cidadão Kane é o melhor filme de todos os tempos, talvez seja, provavelmente não é. O sujeito que afirma categoricamente que C.K é seu filme preferido é o mesmo que, minutos depois com a evolução natural da conversa, vai dizer que MacBeth é seu livro de cabeceira. E é também o mesmo que vai te dar sono em menos de meia hora. É fácil convencer alguém mais distraído de que o filme de Welles é a obra-prima da sétima arte, difícil é convencer esse cara presunçoso e chato de que o filme da sua vida não tem nada a ver com isso. Filmes, livros e músicas tornam-se especiais não por causa de seus preciosismos técnicos, caso contrário o Nirvana não teria sido o fenômeno que foi e nem mesmo a Xuxa teria sido a Rainha dos Baixinhos. Os filmes e livros e músicas das nossas vidas são os que nos refletem sem qualquer tipo de máscara, são os que nos arrepiam os cabelinhos dos braços, são as músicas até mesmo cafonas que cantamos no carro quando ninguém pode nos ouvir, são aquelas histórias quase bobas que nos dão nós na garganta. São aqueles que te denunciam de cara, são aqueles diante dos quais não dá pra disfarçar. É muito mais honesto conversar com alguém cujo filme preferido é Um Sonho de Liberdade, com pessoas que não resistem ao Roberto Carlos e com gente que a-do-rou O Código da Vinci. E mais interessante também. Essas pessoas são as mesmas que provavelmente não vão saber explicar o porquê dessas escolhas e talvez não te convençam de coisa nenhuma, na verdade elas não querem te convencer de nada e exatamente por isso você vai querer ver os tais filmes e ler os tais livros. É claro que adoramos Paulinho da Viola e apreciamos um bom filme de autor. Mas quando a Irene Cara canta ao piano e quando os bailarinos invadem a rua pra dançar ao som da música-tema numa das cenas de Fame não tem pra ninguém!

quarta-feira, setembro 26, 2007

Polyana

Você acha que anda estressada e com muito trabalho e só se dá conta do quanto as coisas podem ser divertidas quando um casal de representantes de tecidos e aviamentos chineses vai até seu escritório e em pouco tempo você já sabe como os dois se conheceram e em menos tempo ainda eles já sabem quem eles vão convidar para a futura casa de Búzios para ensinar a surfar (e aí você se dá conta também do quanto as pessoas se acarioquizam facilmente).

Você acha que não consegue mais ser engraçada e quando menos espera tem alguém ao seu lado gargalhando porque você tenta convencer essa pessoa de que teve mais uma idéia genial que vai ajudar a salvar o mundo, tudo isso porque você não só descobriu como eliminar o mofo de casa como também passou a produzir água em quantidade graças à máquina desumidificadora que acumula de 5 a 10 litros de água proveniente da umidade do ambiente por noite. Sim, por noite, e do dia pra noite muito literalmente você descobre que fabrica água dentro do seu próprio quarto e os seus amigos acham que você faz piada quando diz que vai montar um negócio de venda de água ou que vai fornecer água pro Nordeste (isso antes de chegar na parte megalomaníaca da história quando você começa a traçar uma meta de convencer todos os moradores do Alto Leblon e Alto Jardim Botânico a desumidificarem suas casas e juntos salvarem o planeta e os sedentos).

Você acha que a sua professora de natação é uma cretina que só te elogia quando está prestes a te perder e no fim das contas você conclui que ela é somente carente e usa de clichês pra você não deixa-la, no que ela tem certa razão pois que a turma de quatro reduziu-se drasticamente a apenas você e ao mesmo tempo acha que ela não precisava pegar tão pesado e dizer que como-é-lindo-quando-você-nada-golfinho-,-você-tem-um-alongamento-perfeito, tudo isso porque você ameaçou largar o golfinho para sempre, mas enfim, cada um faz chantagem com o que pode.

Você acha que tornou-se uma pessoa desinteressante quando vai visitar um possível novo fornecedor em sua casa que faz as vezes de showroom e em pouco tempo essa pessoa diz que “vou botar um som” haha você ri meio nervosa porque você não está ali a passeio e a pessoa não é homem e nem sequer lembra a Madonna.

Você acha que está infeliz e no dia em que uma outra fornecedora vai te buscar chique e moderna em seu new beatle e começa a contar da mãe que sofre de um mal e de como ela e o irmão choraram a manhã toda e logo depois ela emenda na história da casa que pegou fogo... você quase chora só por solidariedade.

Você acha que é uma pessoa coerente e incapaz de cometer heresias até o dia em que se vê anotando números de pesquisas de concorrente do mercado de lingerie nas folhas de rosto de um livro de Jean-Paul Sartre.

Você acha que se deixa levar muito por conceitos de moda e até se deprime quando sem querer se pega dizendo coisas como montação ou fashionista ou bafón e então se depara com um ser que combina ankle boot com meia, short, blusa trapézio, corte desconectado bolsa vintage de corrente e óculos à la Curtindo a Vida Adoidado e até se benze de alívio de estar combinando sapatilha e vestido.

Você acha que virou celibatária por sua única e exclusiva incapacidade até que se dá conta de que grande parte da culpa é dos seus amigos e do nível de concentração e foco que você dispensa a eles e somente a eles e talvez a única maneira de remediar o caso seja brigar com algumas dessas pessoas que afinal te roubam de qualquer possibilidade de efetivamente sair com alguém que não eles.

Você acha que é metódica e organizada com certos assuntos até o exato momento em que recebe por email uma planilha da organização dos custos da compra comunitária na Amazon (!) da sua amiga dona do cartão de crédito.

Você acha prozac em tudo!

:: "(...) mas que era preciso sempre começar por enxergar a própria pata, o corpo antes da roupa, uma sentida descoberta antes da comunhão (...) não que eu fosse ingênuo a ponto de lhe exigir coerência, não esperava isso dela, nem arrotava isso de mim, tolos ou safados é que apregoam servir a um único senhor..." Raduan Nassar in Um Copo de Cólera.

domingo, setembro 16, 2007

Pois já vai terminando o verão

Era tão óbvio que não resistiria a ele que pra não fazer desfeita ao acaso obedeceu. E se de primeira não detectou seus encantos, de mais duas ou três olhadas ela cedeu por completo. Ele lhe parecia tão absurdamente adorável que passou batida pelos clichês mais gritantes e percorreu com aguçada voracidade seus atrativos mais lógicos, a franja caída sobre os olhos, os rodopios na pista e um pedaço de sua saia ficava sempre enroscado na perna esquerda dele. E no fim da noite já tanto querendo o convite e num piscar de olhos já era manhã de agosto, já era ressaca de festa e já era um roçar de mãos, um roer de unhas, um cantar Cartola pela tarde adentro. E dançar.

E era tão óbvio que se apaixonaria por ele que sem haver jeito de acontecer o contrário cumpriu distraidamente o papel.

Ele lhe parecia então tão completamente aceitável em todos os detalhes. E era irritantemente encantador com seus galanteios e os sapatos que largava no meio do caminho enquanto ia falando e falando e sempre usava os adjetivos que ela nunca conseguia encaixar e quando então com resquícios de vinho na saliva se esqueciam na rede e ele alisava suas costas e entrelaçavam as mãos num enredamento de corpos até quase. E levados por um gostar. E música. Ele contava as idéias e usava pausas, ela já tanto querendo que ele quisesse também e ele lhe parecia que se movia num ritmo que era o dela também e tinham tantos motivos pra rir que às vezes gargalhavam. Ele tinha todo o charme que ela julgava ser impossível. E inverno, ele tinha cheiro de inverno. E gosto também. E tudo nele lembrava lareira acesa e manta nos pés, fogo crepitando. E lã. E nesse casulo de si mesmos, bêbados um do outro, embalados pelo frio que vinha pela janela e pelo leve balançar da rede, sem sequer saber, se despediam.

Era tão certo que viriam outros com seus outonos, suas flores de primavera e verões ensolarados cheios de suor, era tão óbvio que viriam outros com seus dias amenos e chuvas mansas ou frios piedosos. Era tão óbvio que os outros não fariam diferença que sem haver jeito de ser o contrário guardou a rede até que voltasse a nevar.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Réu confesso

É tão fácil fantasiar sobre os mundos desconhecidos que uma vez dentro deles a decepção é quase inevitável. Eu sempre associei um fórum de direito, por exemplo, a pessoas elegantes com suas pastas de couro e ar sério, barulho de saltos ritmados pelos corredores amplos, homens e mulheres com imensos copos de café, réus e acusadores, ou melhor, autores, roendo unhas e sendo orientados aos cochichos por seus advogados e representantes legais vestindo ternos de corte impecável e organização invejável. Eu imaginava termos jurídicos e álibis, testemunhas sendo protegidas por agentes parrudos e trocas de olhares fulminantes entre as partes envolvidas de um processo. Fórum e advogados eram, na minha cabeça de criativo, lugar e seres superiores e intimidadores, tão rebuscados e bem sucedidos que eram praticamente inatingíveis. Era de se desconfiar visto que até hoje nenhum dos pintores que conheço usa boina, eu não tenho no escritório uma mesa-prancheta cheia de lápis Stabilo e certamente os plantonistas do Lourenço Jorge não lembram em nada o Dr Carter.

Poucas horas no fórum do Centro da Cidade são suficientes para nos dar a exata noção do quanto, na prática, a lei mais popular ainda é a de Murphy. Os fatos: a juíza chegou hora e meia atrasada e errou a ata ou o qualquer que seja o nome do papel que os advogados e réu e autor tiveram de assinar ao fim da não-audiência, isso tudo porque a mesma juíza ou talvez o advogado do autor, provavelmente cometeu um erro e a audiência foi remarcada; os corredores amplos são mal iluminados e carecem de cadeiras, que por suas vezes seriam reprovadas em quaisquer testes de ergonomia; os homens e mulheres da lei provavelmente nunca folhearam uma revista de moda e certamente desconhecem a palavra Armani; vendedores ambulantes transitam por toda a parte anunciando mate, refrigerante, sanduíche, o que confere certo clima de botequim/praia ao local; toda essa gente, sob a péssima iluminação, tem as costuras repuxadas de sua indumentária realçadas; não há cochichos, não há testemunhas em perigo, não há nada que lembre nem de longe todo o clima hollywoodiano e não há pessoa que possa me convencer de que advocacia e felicidade possam ser conjugados juntos, ao menos não dentro daquele prédio uó. Essas poucas horas desmistificaram por completo toda a imagem que eu tinha do povo do direito e as qualidades heróicas e arrogantes (arrogantes chic, que fique claro) que eu achava que essa gente de terno tinha caíram por terra. Até mesmo a linguagem complexa e atraente me soou apenas complicada e até agora eu não entendi porque a tal da audiência foi adiada. Eu saí do fórum dando suspiros de decepção e chateada com tanta realidade, voltei pro meu mundinho parte satisfeita de não ser um deles e parte revoltada por não ter visto sequer um tailleur decente. A única ponta de inveja é dos salários que eu sei que nunca vou ganhar. Nada que uma promoção de calças risca de giz da Zara não cure.

segunda-feira, setembro 03, 2007

It's been a hard day's night

Eu estava nadando peito, a aula tinha começado há cerca de 3 minutos e enquanto ia pra lá e pra cá a minha cabeça só conseguia pensar nas peças que a fábrica deveria entregar naquela semana. Eu estava preocupada também com as blusas dos uniformes das vendedoras das lojas que tinham que ficar prontas tão rápido quanto eu chegava do outro lado da piscina. Normal, pensei, tive um dia estressante mas tenho ainda 37 minutos de aula pra me concentrar nas bolhinhas e ladrilhos.

Nessa mesma semana eu sonhei com lingeries algumas vezes. Achei pertinente visto que trabalho cercada delas o dia todo e minha ocupação é justamente fazê-las.

Mas alguma coisa bateu quando eu disquei o número do Samuel sem olhar na agenda. Samuel não é meu namorado, não é meu pai, não é um pretendente a caso amoroso, não é meu amigo e nem mesmo meu cabeleireiro. Samuel é o representante da indústria de tecidos de quem geralmente compro sedas que futuramente viram camisolas e robes. Quando eu descobri que sabia o telefone do Samuel de cór fiquei meio deprê. Eu já sabia mais uns oito números de telefone de cór, alguns com ddd e mais ou menos todos relacionados a trabalho.

Não que o Samuel seja um chato ou coisa assim, tudo o que sei dele é que ele tem sempre que verificar o estoque antes de me dar uma resposta (o que julgo ser muito prudente) e que ele nunca atende o telefone de primeira, o que certamente colabora para a fixação do número na minha mente.

Eu fiquei um pouco frustrada por ver o quanto que essas coisas que a gente não ama acabam nos consumindo. De repente eu virei uma daquelas pessoas que nadam porque faz bem pras costas, que não vão tomar um chope depois do trabalho porque precisam acordar cedo no dia seguinte, que usam creme hidratante com protetor solar no rosto e combinam a calcinha com o sutiã.

Eu fiquei quase histérica quando me dei conta disso tudo porque entendi que virei uma chatonilda. E em vez de:
a) largar tudo e fazer o que realmente gosta
b) fingir afogamento na piscina e ter esse trauma como álibi pro resto da vida
c) ligar pra analista
d) queimar lingerie em passeatas,
eu adotei uma medida drástica e definitiva. Quando eu decorar o telefone do químico que nos fornece o sabonete líquido antibactericida com aroma exclusivo eu peço demissão.

:: "Foi bom te ter mais uma vez / Poder te abandonar / E dar por finda a mágoa / Desse mal amar"

segunda-feira, agosto 27, 2007

Pausa

Eu sei que morro de saudade de ficar um tempão no carro ouvindo música, sei que acho incrível nadar de pé de pato mas que ele me dá câimbra no pé direito. Eu sei que a caixa da Modern Sound parece a Martinália e sei que um dia na praia é tão bom quanto pavê do Amor aos Pedaços. Eu sei que é possível comer uma caixa de chocolates sozinha sem culpa e sei que os postes da cidade não são mais apagáveis. Eu sei que tem umas pessoas com as quais eu sou capaz de ficar horas conversando sobre as possíveis tatuagens que eu faria e minutos depois falamos sobre se os jovens perderam sua fé. Eu sei que o vestido novo eu só vou usar uma vez e que no meio da festa eu vou mudar de sapato. Eu sei que engulo muito sapo durante a semana e que não consigo mais dormir até meio-dia. Sei que para alguns é muito difícil dizer não e pra mim então. Eu sei que eu amei o Breu. Eu sei que eu furei com uma amiga no fim de semana e sei que a costureira não vai telefonar amanhã. Eu sei que ando sem assunto e chata, sei que eu costumava ter algumas histórias bacaninhas pra contar, enquanto não tenho fico de férias de blogue.

domingo, agosto 19, 2007

Divã

Era uma conversa sobre análise que começou durante um café, não lembro onde e nem muito bem quando, só sei que a gente fazia muito isso: tomar café e falar de análise. A gente fugia muito dela também, eu já largara a minha há tempos e ela argumentava que eu devia voltar e eu sabia que devia, mas aquele incentivo vindo dela, que faltava a análise semana sim semana também, sei lá, eu desconfiava.

E então nesse dia ela me explicou. Ela saía das sessões de terapia pronta pra enfrentar as suas maiores angústias, pronta pra defender seus desejos mais interiores e desanuviada de dúvidas que a martelavam. Ela saía do consultório de cabeça erguida e nariz em pé, quase cena de filme, o sol parece que brilhava mais, o ritmo do passo em câmera lenta, ela parava pra cheirar uma flor na feira e tocava uma música que só ela escutava. Eram momentos de intensa clareza, de um bem estar, de uma coragem, de segurança. E que duravam no máximo meia hora. E vinha tudo de novo e ela não conseguia prolongar esses minutos de clareza, eles se diluíam no dia-a-dia e tudo ficava ainda mais angustiante porque não conseguir reter esse estado era apavorante. E então de que valia?

Era como ir ao dentista, eu disse. E tive que explicar: eu saía do dentista convicta de que nunca mais beberia coca-cola ou comeria chocolate e cigarros imediatamente faziam parte de um passado remoto. Mate, chá, café, nada. Eu escovaria os dentes meticulosamente, usaria dio dental e faria bochechos de flúor todo dia. Eu sentia meus dentes tão limpos que podia até jurar que eles estavam mais claros. Isso tudo durava até o almoço.

E comecei a pensar em tantas outras, nas massagens e sessões de rpg que me faziam tão bem e eu prometia que não sentaria mais curvada, as ressacas de bebedeiras quando eu pensava repetidamente que nunca mais iria beber daquele jeito e todos esses eram momentos de clareza que funcionavam quase como resolução de ano novo. E todos, invariavelmente, duravam dez ou vinte minutos, assim como o pós-análise.

E todos, também invariavelmente, vinham depois de coisas que fazíamos ao contrário. Postura ruim no trabalho, cafés e chocolates durante o dia, besteiras e sofrimentos emocionais e tudo o mais que passava, ou parecia passar. Nisso tudo nós concordávamos. A diferença é que enquanto ela achava que a solução era conseguir prolongar os chamados “dez minutos de clareza” eu achava que o jeito era continuar errando afinal as epifanias não vinham à toa.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Da série coisas que só acontecem comigo:

Eu achei que era invenção da minha cabeça fantasiosa e pra evitar polêmica e internação resolvi ficar quieta. Mas quando, horas depois, meu pai telefonou pra saber se eu tinha ido buscar o carro e se tinha gostado da "reforma" eu disse que sim, que gostara muito e que de fato o carro estava mais limpo do que nunca, e mais novo até e mais de outra cor também. Papai imediatamente concordou e logo depois acrescentou que também tinha ficado quieto porque pensou que aquilo só podia ser coisa da cabeça dele. E então conversando sobre o assunto não restavam dúvidas: a oficina me devolveu o mesmo carro pintado de outra cor.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Já que o brilho desse olhar foi traidor

A casa nova é na montanha e é portanto o lugar mais gelado do mundo, o cachorro me mordeu feio na perna, acho que ele tentou me matar, a torta de pavê crocante é um vício, outras pessoas descobriram que os biscoitos da minha avó são os mais deliciosos do planeta, encontrar cds do Dave Mathews Band é tarefa árdua, ladrões, além de escrotos, são burros porque um sujeito em São Paulo que se disse meu avô tentou passar meus cheques, por que eles acham que os mesmos não estariam sustados depois de quase um mês???!!!, Lia Rodrigues Cia de Danças quase não me deixa dormir de perturbação, mudei todos os livros de lugar, achei aquela peça de teatro chata demais, não consigo fazer um óculos novo porque o meu era o mais lindo de todos, voltei a ser amiguinha da moça do silk, o novo corte de cabelo ficou ótimo, outro dia saí igual a um Stroke, morro de saudades do carro, andei num táxi cujo taxista era surdo e eu tinha que escrever o destino num papel, dei um tênis que eu tinha desde os 15 anos, pendurei o meu retrato na parede um pouco escondido, fui até o banheiro enrolada no cobertor porque ter que acordar às sete da manhã num frio de rachar dói, a coluna parece nova e, lei das compensações, só pode ser, o ombro esquerdo piora a cada dia, o bacana do novo corte de cabelo é que posso nadar sem touca!!!, recomecei as aulas de francês e o passé composé continua sendo um mistério, fui num bazar de lingerie e fiquei chocada ao ver mulheres ensandecidas por calcinhas e sutiãs, recebi outra mensagem evangélica no celular, ganhei um cachecol, comi waffle no café da manhã do Cafeína sozinha, tomei chocolate quente com creme depois do trabalho com uma amiga, trouxe o rádio do conserto mas esqueceram de me entregar o fio, repeti Bethânia cantando “chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder...” ad infinitum, a cadela da minha professora de francês não se conteve de emoção e alegria quando me viu e fez tanta bagunça que sem querer comeu um pedaço do meu caderno, decorei sem querer o número do telefone da facção que faz nossas camisolas, da fábrica que faz nossas calcinhas e do Leve Fácil, terminei um livro que entrou na minha top 5 list, uma amiga reparou que sei bem as regras de crase, dessa vez não vou perder o Momix, fiquei tentando adivinhar quem era a Juliana do Grupo Corpo na capa do Segundo Caderno de algum dia da semana passada, fiquei muito feliz de pensar que vou poder comprar meu cd Lecuona de novo!, dei uma chance ao corretivo de O Boticário, tomei um Miosan e fiquei completamente lesada, habitei uma cidade paralela onde não havia jogos do Pan, descobri que faz meses que não vejo nada na televisão, levei a sapatilha na mochila mas na hora h não fui fazer a aula de ballet, fiquei bêbada sem querer, fiquei com saudade sem querer também e fiz um monte de outras coisas sem querer, olha o perigo, tietei os amigos, recebi vários convites todos muito interessantes para a mesma data, é claro, comprei um livro porque gostei da capa e do título, resolvi que coisas que a gente não sabe se gosta são muito melhores que algumas outras que a gente tem certeza, dormi com muitas e muitas roupas e alguns cobertores por cima e deve ser por isso que não me lembro de nenhum sonho.

sexta-feira, julho 27, 2007

Pro dia nascer feliz

8 e meia da manhã de sexta-feira e o único barulho que eu quero escutar é nenhum porque a essa hora desse dia da semana os meus pensamentos estão inteiramente voltados para a possibilidade de passar o sábado inteiro dormindo. Então o celular faz blim-blim e eu não quero crer que algum ser humano tenha algo tão urgente e importante pra me dizer nesse contexto. Abro a caixa de mensagens e batata!, é engano. Rio na hora: Jesus é contigo, alegra-te. Quase respondo Aleluia! mas vai que a pessoa se anima... Spam evangélico matinal pra acordar, todo dia é dia e tudo em nome do amor.

terça-feira, julho 24, 2007

(sem título)

Não tinham idéia das horas e nem se fazia sol. Não sabiam se o ar estacionava ou se o vento iria emaranhar o cabelo dela. Sequer sabiam se estavam na cidade ou na praia, não importava. Esquecidos que estavam de tudo para além da janela. A tv chiava reclamando e o telefone às vezes soava bem próximo. Deixaram alguns cacos de vidro no chão da sala, esquecidos que estavam de tudo o que não fosse parte deles dois, braços, cílios, pele. Insaciáveis, se olhavam o quanto podiam. Incansáveis, se amavam o quanto sabiam. Inesgotáveis, dividiam seus afetos o quanto precisavam. Não tinham medo se ao abrir a porta o mundo ficasse cinza e pouco se preocupavam se o chão logo abaixo cortasse seus pés. Era carinho o que queriam quando ficavam juntos e era felicidade o que encontravam.

domingo, julho 08, 2007

Apontaram uma arma e saiu todo mundo correndo do carro, morremos de sono no jantar de sexta, não posso mais nadar golfinho, tomei coragem e liguei, Luiza Brunet me chamou de gata, discutimos Lygia no café da terça-feira, boiei na mar um pouquinho e entrou água no meu ouvido, faltei a natação uma vez, comprei muitas coisas na farmácia, deixei o som no conserto o sapato no sapateiro, a saia não pode ser lavada a seco e nem no molhado, marquei a mudança, me desapaixonei um pouco de alguém, chorei quando ele cantou Proposta, ouvi Edu e Bethânia sem parar, ouvi conversas engraçadas na praia, o policial era super gente boa, o livro novo é dos bons, o Palaphitas não aceita mais Diners, fiquei olhando o céu e a Lagoa quando o papo sobre Lost começou, a gente ouvia Caetano quando os assaltantes chegaram, chorei quando ele cantou Outra Vez, ganhei uma rosa arremessada e ainda fui assediada por uma louca que roubou uma pétala, eu fiquei exausta depois da delegacia e pensando se chorei ou se sorri o importante é que emoções eu vivi, lembrei do Marc lá de Narbonne, lembrei de tanta coisa, as amigas tentaram me convencer que foi melhor assim mas Vinícius de Moraes não me deixa mentir ("Não sei se foi um mal / Não sei se foi um bem / Só sei que me fez bem / Ao coração / Sofri, você também, /Chorei, mas não faz mal / Melhor que ter ninguém / No coração / Foi a vida / Foi o amor quem quis / É melhor viver/Do que ser feliz / Foi tudo natural /Ninguém foi de ninguém / Mas me fez tanto bem / Ao coração") e assim no meio de uma confusão de coisas e de medo foi que bateu e no domingo eu fiquei terrivelmente sozinha, eu e a minha flor.



segunda-feira, julho 02, 2007

Síndrome do pânico

Eu estava realmente nervosa com alguns acontecimentos que variavam de uma espinha gigante à mudança de casa do cachorro, passando por um limpador de pára-brisa quebrado e um som que rejeita cds aleatoriamente. Achei que a gota d’água tinha sido o escangalho do meu computador no trabalho e sempre que o Marcelino mandava alguém a máquina funcionava que era uma beleza. Um dia eu resolvi tirar uma foto da tela que aparecia quando dava defeito, só por precaução, pra ninguém achar que eu era doida ou coisa assim. Isso já faz alguns dias, o Marcelino já disse que é provável que eu perca todo o conteúdo do outlook e eu já tive um enfarto do miocárdio por causa disso e até hoje ele ainda não me deu uma diagnóstico preciso. Até que veio o fim do mês, sobrou um dinheiro e eu resolvi que ia comprar um hd externo pra fazer um backup dos arquivos do meu computador pessoal. Cheguei a ver o preço e os procedimentos mas ocorre que a Zara e a Novamente estavam em promoção e nessas horas o lado mulherzinha grita. Algumas calças e sapatos depois e eu resolvo ligar o notebook pra escrever qualquer coisa sobre novos nervosismos que aconteceram, nervosismos brabos daqueles que tiram o sono, coisa pesada, esses caras, você sabe. E então de repente o notebook não aceitou a impressora. E nem o mouse. E nem mesmo o pen drive. E me dei conta de que nem a bateria ele estava aceitando. Ele simplesmente passou a rejeitar qualquer coisa que viesse de fora e num pressentimento desses infalíveis eu desliguei o notebook. A bateria indicava que me restava meia hora de uso, achei melhor guarda-la, não tinha idéia do que estava acontecendo, mas não parecia bom. Ignorei toda a minha lista de tarefas de trabalho e às 9 da manhã liguei pro Marcelino sem me importar se ele estivesse dormindo e dramaticamente descrevi o ocorrido. Então o Marcelino disse “iiiiih isso é problema de placa mãe bla bla bla é talvez você perca tudo e bla bla bla”. A frase “talvez você perca tudo” ficou martelando na minha cabeça, eu pensava na liquidação da Zara, na calça que ficou na Novamente pra fazer bainha e de repente comecei a ter um treco e a possibilidade de perder anos de fotos e músicas e tantas coisas em sua maioria inúteis me deu dor de barriga antecipada, insônia e um derrame. Eram 11 da noite e eu andava de um lado pro outro no quarto pensando que foi uma péssima hora pra parar de fumar porque sem mais nem menos eu estava sem cão, sem som, sem beijos, sem automóvel pra dirigir na chuva, sem computador, o remédio de espinha tinha acabado e nada disso importava porque o essencial mesmo era descobrir como eu poderia salvar todo o meu hd de um computador que só duraria mais meia hora. Meia hora. O que se faz em meia hora? Eu já estava de luz apagada, coberta no rosto, unhas roídas e lábios comidos de tanto nervoso, tomei todo o resto do vidro de floral (maldita hora em que eu comecei a acreditar em homeopatia), pensei em como seria bom nadar um pouco e esqueci completamente do cachorro, do som, do cara, eu só pensava no meu laptopzinho e aí me dei conta de como o Marcelino foi precipitado ao me deixar em pânico assim, ele não podia ter falado dessa forma insensível, como é que alguém anuncia o fim de outra pessoa com um “xiiiiii”? Levantei da cama na mesma hora e numa última tentativa daquelas em que a fé até volta liguei o laptop na bateria e depois de alguns aterrorizantes segundos desses que duram horas eis que plim! a luz acendeu. Ele estava se alimentando novamente e com isso pretendo ganhar uma sobrevida de uma hora e meia. Duas horas devem ser suficientes para pelo menos salvar as fotos e as músicas e pra mandar um email desaforado pro estúpido do Marcelino. Deixei o laptop na tomada e fiquei vigiando, só me separei dele quando a farmácia interfonou. Vieram me entregar o Valium.

quarta-feira, junho 27, 2007

( )

So darling, I just want to say
Just in case I don't come through
I was on to every play
I just wanted you

But oh, it's so evil, my love
The way you've no reverence to my concern
So I'll be sure to stay wary of you, love
To save the pain of once my flame and twice my burn
(Fiona Apple)

Eu andava em constante estado de alerta e lá vinha ele pra me tirar do eixo e então a qualquer momento eu podia perder a concentração e errar a conta ou me distrair e esquecer as chaves. Era aquela coisa de perder o foco, de não reparar na fumaça saindo do café e queimar a boca toda, era saber que na próxima curva o norte poderia mudar e sem querer eu iria enveredar por estradinhas de terra sem luz. Quanto mais tentava permanecer atenta, mais ele vinha me empurrando pras beiradas das coisas, da mesa se eu fosse comida e me esfarelava no chão, da piscina se eu fosse criança e me espatifava na água jogando espuma longe, do precipício se eu fosse desespero e caía flutuando em nem sei onde. E não me dava garantias, me empurrava sem nenhuma promessa de amparo, era quase como se botasse o pé pra que eu tropeçasse na calçada, mesmo que eu andasse por um lado da rua e ele pelo outro, era apenas estar presente pra que a mudança acontecesse e era quase imediato.

Eu andava segura e olhando reto e ele vinha pra me desviar dos costumes e então a qualquer momento eu podia perder a concentração e esbarrar num poste ou me distrair e perder a agenda. Era aquela coisa de sentir o coração pulando na garganta, era saber que no passo seguinte o ritmo poderia mudar e sem querer eu sairia da música num descompasso de pés. Quanto mais eu tentava dançar a melodia mais ele vinha arranhando discos, idéias se fossemos conversa e não me sobravam argumentos, minha pele se fossemos desejo e não me restavam roupas. E não me dava curativos, me deixava marcas sem qualquer cuidado, era como se me cortasse com faca, mesmo que fosse de brinquedo.

Eu andava sempre constante e olhando e ele vinha e era como se me sacudisse e quanto mais ele me chacoalhava mais eu vinha à tona e tudo de dentro ia pulando pra superfície da minha pele laminada, mudavam os eixos de tudo e eu podia tropeçar que eu não caía e nem o café feria e chave alguma faria sentido e era quase como se eu procurasse estradinhas de terra.

Eu andava segura e procurando e ele não vinha, não chegava, não me empurrava mais e as cicatrizes iam sumindo e a postura ia se desentortando. Eu o procurava por entre estradas esburacadas e beiradas de camas onde ele não me queria mais e me espatifava sem qualquer vontade em sonos sozinhos.

Cessaram as quedas, acabaram os tropeços e retalhos e também toda a graça das coisas e eu que já sabia levantar resolvi ficar deitada bem junto ao chão. Depois que ele foi embora eu fiquei parada no mesmo lugar.

domingo, junho 24, 2007

1, 2, 3 e já:

(para ler ao som de Jorge Vercilo)

Fiquei presa dentro de uma camisola piloto (trabalhar com moda tem dessas coisas), arranjei um novo óculos de natação, descobri que a minha professora de natação não usa lingerie da Verve, quase conheci o C.A., o Cláudio Tozzi disse que me conhece muito de fotos, o André do Nirvana me telefonou oferecendo preço especial se que quisesse voltar (e eu achei que ele deve ter bebido), o Beto achou extraordinário eu ter uma irmã, a Bebel chegou, vi o Gotan no Rio sem a Bebel e sem o terceiro elemento, fiquei horas no estacionamento do Rio Sul quente e abafado conversando com uma das melhores amigas que eu tenho, derrubei uns 30 cds no chão (e agora tenho mais ou menos essa quantidade de caixas quebradas), fiquei alérgica ao desodorante, ganhei um livro, o Bola pediu pra ser meu amigo no orkut, comprei dois cds dos Beatles e o último do Gotan e ainda ganhei um cd gravado do Marcelo, que reclamou ser o coadjuvante no post anterior, comi fondue com as amigas mais finas, me empanturrei de tangerinas, marquei um pic-nic, deixei a manicure lixar a sola do meu pé pela primeira vez na vida (e ainda assim ele continua de menino), fui a Friburgo conhecer a fábrica de Lingerie, tive L.E.R no punho esquerdo, me auto-diagnostiquei com L.E.R no punho esquerdo, comprei uma saia Huis Clos, comi pavê crocante, almocei com a minha prima e o namorado que moram longe, comprei cadernos novos, chorei duas vezes, cocei muito a orelha, dormi toda a tarde de sábado, marquei e desmarquei um cinema em cinco minutos porque me deu preguiça de tirar a camiseta furada e me vestir decentemente, encontrei os amigos, ri de doer a barriga, pensei que “não é nada disso” quase todos os dias, gastei muito dinheiro com comida, me medi e me pesei (1.72m, 60 kg), engordei mais uns quinze quilos no fim de semana, sonhei que atropelava um amigo, comprei um gel hidratante para o rosto, sonhei com pessoas antigas que faziam pães para mim, me dei conta do quanto é insultante o Lobão ter gravado um acústico mtv (tão insultante quanto se o Glauber tivesse dirigido 2 Filhos de Francisco), assisti Elizabethtown e achei um horror!, abracei uma pessoa que infelizmente ainda me deixa tensa, encontrei a Danni Carlos e quase gritei de susto, desliguei o telefone na cara de um fornecedor porque tive um ataque de riso ao ouvir seu nome, cantei Crazy for You da Madonna todos os dias porque todos os dias ela toca no rádio e no domingo à noite vi uma foto e fiquei pensando nele e foi batata, a saudade bateu foi que nem maré.

sábado, junho 23, 2007

No vão das coisas que a gente disse

Eu estava voltando do McDonalds, onde fui tomar um sorvete quando parei numa vitrine de uma loja qualquer pra olhar um vestido. A meu lado pararam duas mulheres, eu não as vi mas ouvi parte do diálogo:

- Eu não gosto dessa moda, não comprei nada dessa moda, acho tudo muito feio.
- O que, vestido trapézio?
- É, não gosto dessa moda.
- Mas tem outras roupas pra gente normal.

Eu fiquei muito intrigada com o fato da mulher ter sentenciado o vestido trapézio como roupa de gente anormal, mas não quis discutir. Outro dia discuti com uma senhora na Modern Sound. Eu tinha razão e ela mandou eu me enxergar. Eu mandei que ela se enxergasse também e silenciosamente mandei junto que ela fosse à merda. Mas com essa eu achei que não valia à pena porque eu estava com preguiça e o sorvete derreteria. Deixei pra debater o assunto com a Beta e a Carol Salomão, que concordou com a mulher. Todavia, quando confrontada com um vestido trapézio, ela não soube dizer o que o mesmo lhe causava. Carol Salomão tem dessas coisas, tem muita opinião pra uns assuntos e pra outros fica meio bocó. Carol Salomão, por exemplo, acha que post com tirinha de Peanuts é canastrão. E post com menos de cinco linhas idem. Carol Salomão é, provavelmente, a única pessoa que acha que um post é canastrão. E adora quando eu a cito no blog. Marcelo também adora, nunca entendi muito porque visto que o meu blog anda meio em baixa, nem a Déia passa mais por aqui... Mas eu ia dizendo que não discuti com a moça de conceitos de moda bizarros porque estava com preguiça, eu ando mesmo com preguiça. Outro dia uma amiga falou sobre um livro que eu já li e eu disse que tinha gostado só pra encurtar a conversa, às vezes eu minto pra cortar logo o assunto porque vai que eu digo que achei o livro péssimo e a pessoa amou e vai que a pessoa é do tipo que tenta te convencer do quanto o livro é bom, pior vai que ela ama o livro e odeia vestido trapézio? Tenho preguiça, muita, ando extremamente pecadora nesse sentido. Não é nem preguiça de conversar é mais uma coisa de dar explicações, sabe? O problema é que isso não funciona quando Carol Salomão está por perto porque ela sabe as verdades por trás das preguiças e sempre me desmascara. Carol Salomão é terrível, não deixa passar uma e eu deveria ficar zangada mas não consigo porque no momento em que eu digo palavras como zangada, bocó ou botão ela ri de chacoalhar e eu preguiçosamente esqueço e rio junto.


carol salomão. diz:
gagá... gosta dessa palavra,né?
Julieta diz:
gagá, traquinas, bocó... estou prestes a adotar "palerma". Palerma é bom, né?
carol salomão. diz:
palerma é ótimo.
paspalho tbm.
Julieta diz:
Paspalho é melhor que palerma.
Julieta diz:
Eu gosto também de escangalhado, tem um certo ar suburbano, não acha?
carol salomão. diz:
sim,sim.
Julieta diz:
outro dia me dei conta de que falo botão do mesmo jeito que falo comer. Com ó.
carol salomão. diz:
ai meu deus.
bOtão.
Julieta diz:
quase te liguei. Ia dizer que o botão da calça arrebentou enquanto eu comia.
mas vc ia pensar que eu estava te sacaneando...
carol salomão. diz:
isso aconteceu?
carol salomão. diz:
o botão escangalhou..enquanto vc comia?
Julieta diz:
isso não aconteceu. Vc ia achar que eu estava te sacaneando por falar bOtão.
mas não houve escangalho de bOtões enquanto eu cOmia, sua paspalha!
carol salomão. diz:
ai...q palerma q eu sou.
Julieta diz:
eu sempre desconfiei de que você fosse meio gagá mesmo...
Julieta diz:
hahahaha, você sabe que isso vai virar um post, né?
carol salomão. diz:
tudo acaba em post.
Julieta diz:
o Marcelo outro dia falou "cuidado que a Julia transforma tudo em post"


Carol Salomão só não vai achar esse post canastrão porque ela foi citada, o Marcelo vai me ligar feliz dizendo que adorou e a Déia não vai entender nada porque ela não conhece Carol Salomão, Marcelo, Beta e nem a mulher que não gosta dessa moda, muito menos a senhora que mandou que eu me enxergasse. Eu apresentaria a Déia pra todas essas pessoas (exceto a moça do vestido e a senhora do se enxerga, minha filha) mas teria que explicar a ela, por exemplo, que a gente canta Ana Carolina apenas porque acha muito engraçado e ela nos acharia totalmente paspalhos. Teria que explicar que a Beta, ao contrário da Carol Salomão e da moça, curte vestido trapézio mas já enjoou deles um pouco. Enfim, eu teria que explicar muitas coisas à Déia e eu ando tão preguiçosa que por via das dúvidas eu prefiro não promover o encontro. Digo que os telefones todos escangalharam e que a Carol anda meio cretina. É isso aí, um vendedor de flores...

:: Gotan Project!

sábado, junho 16, 2007

Peanuts




Você sabe que está se tornando uma pessoa não-socializável quando a sua última novidade é o fato de ter aprendido a nadar golfinho.

segunda-feira, junho 11, 2007

Mi corazón

Eu não quero namorar porque não quero achar legal capa de Veja Rio no inverno. Não quero ser aquela pessoa brega que em show de Los Hermanos canta no ouvido do par que “sem você sou pá furada”. Não quero ser reduzida a um apelido detestável no diminutivo. Não quero passar as noites de sábado no sofá vendo filme abraçadinho e também não faço nenhuma questão de dormir de conchinha porque não há nada mais confortável que se espalhar numa cama. Eu não quero namorar porque sou péssima pra dar presentes e já chega de datas comemorativas pra me levar à falência. Eu não quero namorar porque não quero ficar em fila de restaurante de fondue. Não quero namorar porque isso tudo é muito cafona e eu prezo a minha elegância moral. Eu não quero namorar porque não preciso que ninguém arranque minhas calcinhas de tule da Verve e as jogue sem dó nem piedade no chão. Não quero namorar porque não quero explicar coisas como o porquê de gostar de Fagner. Não quero ser uma daquelas pessoas que passam o filme todo com dor nas costas porque ficam tortos apenas pra ficarem abraçados o tempo todo com seu par, já basta rpg. Não quero falar frases como “desliga você primeiro”. Não quero ter que pedir pra tirar o alho da pizza ou a cebola da salada. Não quero ligar pra dar bom dia, boa tarde, boa noite dizer que ama e que está com saudades cinco minutos depois. Não quero namorar porque de ciúmes eu tenho o do cachorro. Não quero namorar porque não vou fazer companhia em japonês. Não quero namorar porque já tenho eventos suficientes da minha própria família. Não quero ficar olhando que nem idiota pra cara do namorado que nem é tão lindo assim, tem tanta coisa no mundo pra ser vista. Não quero namorar porque não quero perder as noites de filme na casa do amigo, não quero perder as noites de festa com um bando de gente engraçada, não quero namorar porque a probabilidade de achar alguém que vá dançar Michael Jackson comigo é remota. Eu não quero namorar porque não vou poder confessar que me apaixonei por Jack Sparrow depois de ver Piratas do Caribe. Não quero namorar porque tenho muito sono aos sábados e porque tem dias em que não gosto de conversar. Não quero ficar atada e nem quero alguém pra chamar de meu. Eu não quero namorar portanto não adianta vir com guaraná pra mim, é chocolate o que eu quero beber.

quinta-feira, junho 07, 2007

Lanterna dos afogados

Às vezes é preciso um bocado de impulsividade pra fazer as coisas acontecerem, aquelas atitudes impensadas que depois te fazem olhar pra trás e se perguntar como você foi capaz. Foi assim numa tarde lotada de Copacabana que eu entrei na loja na esquina da Siqueira Campos e sem mais delongas comprei um óculos de natação e um maiô. Tinha de ser assim, horário de almoço, cartão de crédito e saí da loja pensando em me jogar na primeira piscina que eu visse, porque o começo da atividade teria de ser dessa mesma forma. No caminho pro trabalho passei por um clube e então senti calafrios. Lembrei da minha última aula de natação e quase corri à loja pra devolver os apetrechos com medo de que a minha futura carreira aquática fosse uma sucessão de piscinas com água fervendo e de um constante escapar da morte (por calor, obviamente). E eis que a segunda aula de natação aconteceu em piscina indoor e quente como da primeira vez (faz tempo que saí da análise...). Havia, contudo, dois fatores essenciais que tonificaram a minha força de vontade para com o esporte: muita, muita dor nas costas e uma professora diferente que tinha o nome da minha mãe. Fui com a cara dela. Um ponto pra mim. Após a avaliação (uma chegada de cada um dos três estilos que eu sei nadar) ela disse que eu tinha muita potência de pernada. Dois pontos pra mim. Dez minutos depois de começada a aula eu tive um déjà vu dos brabos: muito ofegante e com muito calor eu achei que ia morrer sufocada e não havia liberação de bolhas que me convencesse do contrário. Fiz minha melhor cara de sofrimento e a Cláudia então me mandou intercalar as chegadas com mergulhinhos que ativamente recuperariam minha respiração em ritmo normal. Bullshit, eu pensei. E fui mergulhando enquanto pensava que natação seria muito mais bacana se houvesse alguma projeção no fundo da piscina, um filme mudo talvez de alguém em terra firme. Não compartilhei a idéia com a Cláudia porque acho que ela não ia entender e além disso ela estava muito entusiasmada em me ensinar a nadar. Como se eu realmente quisesse aprender isso, mas também não discuti com ela. Ao fim da aula ela disse que gostaria que eu voltasse, o que era compreensível porque além de mim só havia mais dois alunos na turma e a outra menina tinha um maiô muito mais horripilante que o meu. Milagrosamente eu voltei e na segunda aula aprendi como se nada peito de verdade e também aprendi a como andar depois de muitas chegadas de peito e lá pela metade da aula quando eu já começava a rezar internamente (natação devolve a fé perdida, eu juro) a Cláudia me deu um pé de pato. E então pela segunda vez em menos de dois meses eu me apaixonei de novo. Excel e pé de pato, eu poderia passar semanas nadando de pé e pato e fazendo contas no Excel. Eu poderia fazer planilhas no Excel que organizassem minha rotina de exercícios com pé de pato. Eu poderia, enfim, gostar de natação só por causa do pé de pato, mas o mundo é cruel e o pé de pato me deu câimbras horríveis no pé direito. A Cláudia alongou meus dedinhos e me separou do pé de pato e lá fui eu nadar crawl com os meus humildes pés que para meu pequeno consolo, segundo a Cláudia, são muito bem articulados. Voltei a odiar natação, a respiração ofegante e pensei que a única coisa que poderia me livrar desse purgatório é uma bursite no ombro. Mas não chego a deseja-la, porque esse tipo de coisa acontece...

segunda-feira, junho 04, 2007

o desabotoado céu - vol. 2

Os elásticos de cabelo continuam sumindo. Os grampos, ao contrário, não param de dar cria, não sei o que acontece, só sei que eles estão por toda parte: na mesinha, na escrivaninha, na pia do banheiro, na gaveta do banheiro, na gaveta do escritório, no carro, no bolso da mochila, nas bolsas, nos bolsos de calças e casacos e desconfio que eles sejam fruto de geração espontânea, escaparam à evolução darwinista. Desconfio também dos sábados. De uns tempos pra cá os sábados viraram uma ameaça constante aos meus sapatos e agora só saio de casa com galochas, o que exclui qualquer possibilidade de ficar elegante na estação do ano mais propícia para isso. É triste porque usando galochas as chances de conhecer alguém legal caem pela metade e juntando o fato de que na fila pra vacina de rubéola as chances de conhecer alguém legal caem pela mesma proporção então pronto, está feita a matemática: mais um sábado chuvoso e encalhado, ainda por cima de galochas (de onde veio, aliás, a expressão “chata de galochas”?). Depois de passar quase uma hora na fila do posto de saúde lendo um livro chatérrimo (é o segundo livro chatérrimo que leio de maio pra cá, talvez porque depois de Camus seja impossível que algo seja bom de novo) eu achei melhor entender logo o recado e procurar ajuda num lugar seguro, antes de dar chance pra que os sábados virassem uma novela tão chata quanto a das oito (que me causou arrepios no sábado anterior) onde eu teria muita quantidade (de chuva e grampos de cabelo) e pouca qualidade (galochas de plástico não são exatamente scarpins do Manolo Blahnik). E então veio o lugar seguro e mudou o rumo da prosa, eu voltei pra casa onde podia me livrar das galochas e do livro chato e ainda prender os cabelos com grampos, o que na verdade eu posso fazer em todo e qualquer lugar. E eu ainda tinha Buñuel e um telefone que com alguma sorte poderia não tocar naquela noite onde o que mais queria era ficar em casa no sofá porque a essa altura a minha maior felicidade era ter um pijama de flanela e meias quentinhas. E só porque era sábado e esse dia da semana tem sido sacana comigo o telefone tocou e depois de hesitar eu resolvi dar uma chance. Com muita dificuldade eu saí do pijama e quando voltei pra ele já era domingo, eu tinha falado, cochilado, rido e bebido bastante com a minha versão tupiniquim de Jules et Jim (salvo restrições), além de ter roubado filmes da videoteca de Jules (ou Jim?). E também ouvido Jim (ou Jules?) cantar bêbado no caminho de volta, numa língua que deve ter sido inspirada no francês. Acordei certa de que a maldição dos sábados havia passado e com certo receio de que o domingo traria a vingança. Me armei como pude: galochas, grampos e um chocolate quente com creme em companhia de uma amiga para quem eu não conseguiria achar personagem equivalente. E não me interessava mais conhecer alguém legal no domingo, ou eu não me iludia mais achando que isso seria possível com o tipo de calçado que eu usava. O domingo acabou bem, com a única esquisitice d’eu ter saído da livraria sem qualquer aquisição. Foi quando cheguei em casa e comecei a arrumar a mochila do dia seguinte, coisas de trabalho e grampos de cabelo que fazem as vezes de clipes que me dei conta, tolamente eu tinha esquecido: marquei aula de natação na segunda-feira. Galocha pouca é bobagem...

quarta-feira, maio 30, 2007

Frente fria

Era inverno, sua mão gelava e tudo acontecia num tempo lento. Levantar era doído e pouco dava motivo. Atrasava-se com frequência numa tentativa de diminuir o tempo das coisas. Queria inverter relógios enquanto executava funções que lhe causavam bocejos. Sentia vontade de apagar desenhos em vez de fazê-los. Tinha pouca fome, os chocolates sobravam. Tudo envolvia um esforço hercúleo, desde entrar no banho a conversar com um amigo. A apatia alastrava-se: cabelos enroscados em elásticos, botões faltando na camisa e uma brancura melancólica. Tropeçava em pedras portuguesas e numa dessas caiu a poucos centímetros de uma poça. Sorte, pensou. E ficou por ali deitada, virou-se e teve certeza de que o céu continuava carregado de nuvens. Era terça-feira, ia chover de novo, mais uma noite sem dormir. Não chorava porque havia perdido uma paixão, mas porque não se permitia mais encontrar uma.

:: Anda-se triste, anda-se vão. Os Subterrâneos in Aos Nossos Amores

www.myspace.com/ossubterraneos

domingo, maio 27, 2007

A Godiva do Irajá

Uma calcinha média consome cerca de 0,13 m de tecido e 2 m de elástico frufru. O nome científico do elástico eu não sei, só sei que uma calcinha tanga consome 0,07 m de tecido e 2,3 m de elástico vulgarmente chamado de sanduíche. Essas foram as minhas bases de cálculo. Depois de contar todo o estoque de elásticos da casa (tarefa que durou uma semana porque havia muitos outros tipos além dos acima citados) pude efetivamente usar a fórmula e calculei que tínhamos matéria-prima para mais de 10 mil calcinhas. É lingerie que não acaba mais e descobri também que era planilha idem. O meu arquivo de excel tinha umas cinco abas: a primeira da contagem do estoque de elásticos, a segunda da contagem do estoque de aviamentos, a terceira da contagem do estoque de tecidos, a quarta da possível combinação de tecidos com elásticos de diversas cores, a quinta com os números finais e ainda uma sexta com os números de sobras de tecidos. Cada uma das abas do meu arquivo entitulado projeto calcinha continha um sem-número de cálculos e fórmulas e somas que por vezes achei que eu trabalhava num instituto de matemática e que fazer estilo requer tanto conhecimento de operações lógicas quanto de moda.

Essa foi a minha primeira grande tarefa, organizar toda a matéria-prima parada no estoque e nas fábricas e cruzar dados para que houvesse algum sentido estético nas roupas íntimas que formarão futuros kits-calcinha. E para a combinação das cores eu fui acumulando calcinhas antigas que me serviam de referência de estampas e mais um bocado de amostrinhas de elásticos grampeados num papel formando um arco-íris de elastano. Minha mesa virou uma pequena montanha de tangas e médias básicas e eu tenho quase certeza de que elas dão cria. O computador foi ficando soterrado e eu não achava sequer um lápis sob a pilha de peças íntimas.

Foi assim que ganhei a alcunha de Kátia Flávia e conquistei definitivamente meu espaço no escritório.

domingo, maio 20, 2007

o desabotoado céu

Era sábado e chovia forte e apenas com a segunda informação você já deduz que o caos instalou-se na aldeia. Pois bem. Tudo começou a dar errado antes: uma amiga furou o jantar, acordei sem querer às 7 da manhã, o cachorro comeu parte de um sapato verde, eu errei toda a concordância do passe composé e a cera de depilação acabou na metade da perna esquerda. O toró desabou no meio do caminho e eu quase desisti de ir ao show com medo do meu sapatinho cor de rosa se desmantelar na chuva, eu não podia me dar ao luxo de perder dois sapatos em menos de 24 horas, mas quando uma amiga disse que me buscava no Leblon eu achei que a sorte estava mudando e fui. Fato é que a chuva apertou, o show foi cancelado e a amiga resolveu se aventurar pelas ladeiras de Santa, eu procurei abrigo no shopping e lembrei que não se arranja carona impunemente. O shopping parecia festa de criança, sabe como é, sábado chuvoso e as mães levam os filhos ao teatro, uma barulheira, muitas babás e criancinhas correndo de lá pra cá e eu tive que me abrigar ainda mais, no cabeleireiro enquanto resolvia se voltava pra casa pra salvar meu sapatinho ou se usava o celular pra tentar salvar a minha noite. Achei que ambos estavam perdidos no exato momento em que a manicure sem querer derrubou o pote de água em cima do meu sapato. Quase chorei porque a contabilidade não estava a meu favor: dois sapatos agonizantes, metade de uma perna não-depilada, olheiras e uma lista quilométrica de exercícios de francês. Saí do shopping correndo com medo de que mais uma tragédia acontecesse e fui buscar abrigo na casa da vovó, por alguns segundos pensei em ser recebida por uma vó que me ofereceria uma mantinha, acenderia a lareira e me traria biscoitos saídos do forno junto com uma xícara de chá, ha-ha, a vida não é filme você não entendeu. Sentamos pra ver o jornal e de repente começou a novela das oito e aí sim é que coisa ficou preta, poucas vezes eu senti tanta vergonha pelos outros e quando numa cena em que o casal se encontrava no aeroporto tudo ficou em câmera lenta eu achei que era hora de ir pra casa dormir. E foi assim numa noite de tempestade em pleno sábado que eu tirei meu Santo Antonio do fundo do armário mas na última hora fiquei na dúvida se pedia pra ele um namorado ou pra São Pedro um solzinho e porque a sorte me fugia pedi pro meu pai um edredom e um travesseiro de pena de ganso e agora está resolvido: dia de chuva eu fico em casa.

quarta-feira, maio 09, 2007

Pra sinalizar o estar de cada coisa

Primeiro tentou o bar, que era o lugar mais certo. Procurou com olhos de águia e o garçom confirmou: ele não estava lá. Já estava tarde, continuou a busca no dia seguinte. Tentou a padaria poucos minutos depois da primeira fornada, na sobremesa do almoço comeu carolinas de creme e o sol já ia longe quando ela foi pra casa carregando um pacote de sonhos. Era domingo e o sol a levou às praias, muitas, caminhou sem pressa no limite onde a espuma vinha refrescar os pés, sorvete de manga e uma água de côco no quiosque de costume mas ele não havia sequer passado por ali. Na segunda-feira tentou a livraria e entre um café e outro folheou poemas e ensaios e fazia tempo que os livreiros não o viam entrar. Pela banca de jornal ele também não passava há dias. Então arriscou lugares improváveis. Na quarta-feira foi ao Planetário da cidade e ele não estava entre as constelações. Mais cedo estivera no museu do Segundo Reinado e não o encontrara. No dia seguinte ele também não estava no concerto do Teatro Municipal. No dia em que uma semana de busca se completaria ela foi ao Shopping e não cruzou com ele nas escadas rolantes e nem mais tarde na sala escura do cinema, e ela o saberia mesmo num blecaute. Os dias se passavam e ela não desistia. Foi à Feira de Antiguidades, às rodas de samba da Lapa, foi aos centros culturais do Centro Histórico, percorreu pequenas ruelas, subiu as ladeiras de Santa Teresa e quando chegou ao topo ele não estava. Freqüentou diversos cineclubes e até algumas reuniões de grupos de apoio, doou sangue regularmente, descobriu os sebos de Copacabana. Assistiu belas apresentações de choro, finalmente conheceu Parati e aprendeu a dançar, mas ele não estava na gafieira para aplaudir seu début. Começou a nadar, praticou meditação e foi a melhor aluna das aulas de culinária. Foi aos restaurantes da moda e também aos mais tradicionais bares da cidade. Matriculou-se nas aulas de artes e fez um curso de tradução simultânea, mas não o achava por lá. Trabalhou numa grande empresa, mudou-se para o Horto e cultivou um jardim que ele nunca ia ver. Fez curso de fotografia, aprendeu alemão e começou a estudar política internacional. Descobria tantas coisas novas e interessantes que aos poucos esquecia de procura-lo em todo canto. Foi só quando resolveu aprender esgrima que finalmente o encontrou. Era a primeira aula de ambos e num impulso que culminou em golpe desajeitado ela lhe enfiou a espada pela barriga. Ele caiu duro no chão e ela então reparou: ele não sangrava.

:: "Eu ando pelo mundo divertindo gente, chorando ao telefone" in Esquadros

sábado, maio 05, 2007

autobiografia vol. 2

Meu cabelo cai no outono e eu tenho uma tendência a gostar somente dos biscoitos que a minha avó faz pra mim, portanto não me ofereça aqueles que vêm em saquinhos fofos de lojas e cafés porque eu não vou comer. Deve ser preconceito e eu não ligo de ser politicamente incorreta com isso. Eu também não ligo muito de ficar um mês sem ir a manicure, acho um porre ficar sentada no salão e nunca entendi porque que eles nos dão revistas se as nossas mãos ficam ocupadas, acho uma sacanagem dessa gente. Também não ligo quando a minha mãe diz que eu devia tirar o esmalte com acetona em vez de ficar descascando aos poucos.

Eu não gosto de dividir chocolates e talvez isso seja péssimo, o fato é que chocolates se adequam perfeitamente à minha classe de coisas indivizíveis, assim como sorvete. As frases “vamos dividir um chocolate?!” ou “vamos rachar um sorvete?!” apenas não procedem, desconfio de gente que sugere esse tipo de coisa. Também desconfio de gente que é feliz demais o tempo todo e além de desconfiada esse tipo de comportamento me deixa bastante irritada. Pedestre me irrita também porque a maioria deles é suicida em potencial e muito egoísta: se querem morrer tudo bem, eu não me oponho, mas prefiro não fazer parte do ritual. Com o tempo eu descobri que o carro é o melhor lugar pra ouvir música e dependendo do trânsito eu consigo ouvir Edu e Bethânia do começo ao fim. Às vezes até quero que São Conrado esteja meio lento porque assim dá tempo de ouvir Transa todinho. Eu acho um saco essa gente que não usa seta, me pergunto se os carros deles têm seta. Não precisa fazer como eu, que às vezes uso seta dentro da garagem, mas acho que não custa nada sinalizar uma curva ou uma ultrapassagem e tal. Xingo essas pessoas mentalmente, às vezes verbalizo, mesmo que eles não ouçam. Os chamo de bocós, quase sempre. Eu canto no carro. E interpreto. Eu choro quase sempre que ouço Cazuza ou o Chet Baker cantando My Funny Valentine. Eu adoro dar carona às pessoas, mas às vezes eu preferiria se elas ficassem quietas e não atrapalhassem a música.

Eu gosto muito de música mas larguei o violão porque não sabia fazer pestana. E não, não é questão de treino, é uma questão de que algumas mãos conseguem, outras não, simples assim. Eu queria aprender piano, mas ficar sentada é ruim. Ficar sentada no cinema é péssimo e até hoje nenhuma cadeira é totalmente confortável. Cadeira de ônibus é a pior espécie. Tenho pavor de ônibus, estando dentro ou fora de um. Tenho medo de injeções e agulhas também e fiz um piercing uma vez em Camdem Town nem sei como. Eu tenho paixão por Londres. E adoro os ingleses, especialmente o Hugh Grant.

Eu amei todos os filmes que vi do Fellini e nunca entendi porque que a Mônica queria ver um filme do Godard. Eu fiquei muito irritada quando li O Estrangeiro e também O Livro dos Prazeres e adoraria ler uma conversa entre Mersault e Lóri, tento imaginar como seria. Eu imagino muitos diálogos e muitos encontros e na prática a coisa acontece exatamente toda ao contrário. Eu como salada depois da refeição e empilho pepinos no prato, aprendi a gostar de cebola mas aquelas coisas que parecem alpiste eu não engulo, literalmente. Eu engulo muito sapo e vou guardando e guardo também uma quantidade absurda de coisas que variam de agendas velhas e amareladas à medalha de um ex-namorado que eu nunca mais vi. Eu sou um pouco extremista em algumas coisas e acabo cortando relações radicalmente.

Eu sou muito encalhada, desde sempre. Eu prefiro os malucos/perturbados e quando começo a me interessar por alguém eu já sei um pouco o que esperar. Eu tenho conseguido não esperar nada e tenho tido muita preguiça disso então mudo logo de assunto quando algumas pessoas sem piedade soltam a frase “VOCÊ está solteira? Mas como???” e tenho vontade de mandar essa gente ir dividir chocolate com alguém, se não vai ajudar pelo menos não piora. Toda vez que conheço alguém novo eu penso se seria bacana ficar presa no elevador com essa pessoa e isso não tem a ver com qualquer fantasia sexual, apenas acho que existe gente com quem eu conversaria por horas enquanto outras eu preferiria jogar no poço.

Eu odeio casal que fica se beijando no cinema. E gente que fica tirando foto em show, apesar de fazer isso eventualmente. Câmera de celular é algo que não faz sentido na minha vida. Eu também nunca entendi porque que o Seu Jorge resolveu cantar com a Ana Carolina. E acho um saco esse troço de mp3, ipods e afins, eu adoro cds, encartes que vão amassando com o uso, caixas que vão se quebrando com os deslocamentos, eu gosto de ver a marca do tempo nas coisas. Mas acho desnecessário foto desbotar, cabelo ficar branco e discos vertebrais desidratarem. Eu acho o Grupo Corpo fenomenal e tenho inveja das bailarinas invertebradas que fazem parte da companhia. Eu morro de saudade de fazer aula de sapateado e também dos amigos que eu vejo pouco. Eu tento ver todo mundo sempre, mas tem dias que só o George Clooney me faria sair de casa.

Eu tenho gostado muito de estudar e anotar idéias e tenho mania de cadernos. Faço top 5 lists por causa do Rob de Alta Fidelidade e poucas vezes concluo porque acho que seria injustiça se o Acabou Chorare ficasse de fora dos melhores discos de música brasileira da década de 70 então institui que a quinta posição é mutante. Posso afirmar, porém, que a primeira posição vitalícia das músicas dos Beatles em que dá vontade morar é A Day in The Life. Sim, eu creio que algumas canções são habitáveis.

Eu sou assim. E se você me acha completamente dispensável e insípida e quiser evitar riscos, use as escadas.

sábado, abril 28, 2007

A minha casa

Um dia eu tive que desmontar a casa. Foi um dia comum, desses que começam com o despertador tocando, a idéia de mais cinco minutos te fazendo levantar depressa, o café forte pra acordar e uma parte do jornal que acaba ficando esquecida no banco do ônibus. Antes do dia em que desmontei a casa houve uma seqüência quase interminável de dias em que eu sabia que teria que desmontar a casa, mas nos dias anteriores ao definitivo eu sabia também que podia adiar mais um pouco e por causa disso as semanas foram passando, e meses até e eu podia jurar que não mais teria de desmontar a casa, mesmo sabendo que isso era uma mentira. O dia em que eu teria que desmontar a casa foi ficando distante porque a cada outro dia em que tudo continuava em seu lugar eu desejava mais e mais que o dia do desmonte não chegasse. E embora eu soubesse que tudo caminhava em direção ao dia de desmontar a casa, eu queria que as coisas permanecessem assim quietas porque essa era a minha casa e a outra casa não. E a minha casa que seria desmontada se parecia cada vez mais com o lugar onde eu queria viver, enquanto a outra casa ficava sempre parecida com uma outra coisa que não a minha casa. Eu adiei o máximo que pude, e depois de dias e semanas e meses, de cafés fortes engolidos no atraso da manhã, de pedaços de notícias em ônibus e bancos e solavancos, de cinco minutos que se acumulavam como os dias em que eu não desmontava nada, um dia eu tive que desmontar a casa. E porque eu sabia que tantas coisas viriam à tona, porque eu sabia que desmontar a casa seria como um desabamento de caixas que eu não queria abrir, e porque a outra casa não era a minha enquanto a minha casa que seria desmontada ainda era o meu lugar, porque eu sabia que não estava ou não queria estar preparada pra isso, cheguei ao dia limite do qual eu não poderia mais fugir. Um dia eu tive que desmontar a casa, um dia comum, marcado no calendário, talvez fosse aniversário de um amigo com quem há muito não falo, talvez fosse o dia de pagar a conta do telefone, um dia eu tive que começar a remexer nos muitos objetos e troços que entupiam gavetas, que enchiam prateleiras e armários da minha casa e que um dia iriam preencher os espaços ainda vazios da outra casa que talvez um dia eu pudesse chamar de minha casa, mas que por enquanto era só o algoz que me fazia prisioneira de uma resistência que eu tinha em deixar a minha casa. Um dia eu tive que desmontar a casa e me desfazer de parte das coisas que eu não poderia levar para a outra casa e aos poucos e aos prantos eu tive que ir rasgando papéis e enchendo sacos de lixo, torcendo pra que aquilo tudo ficasse bem guardado na memória pra se um dia na outra casa eu quisesse lembrar dessas coisas eu pudesse fechar os olhos e pensar nas gavetas e estantes da minha casa que então já seria de outrem. No dia em que eu desmontei a casa eu me encontrei por meio de cartas e revistas, livros e cartões, fotografias desbotadas e quadros com tanta gente, gargalhei lendo histórias dessas pessoas, ri das promessas de amor efêmeras e fui bailarina, cantora, médica, andarilha, estilista e todas as outras profissões que eu não tive, mas que agendas e diários contam e entendi que me desfazer das coisas que eu guardava me doía tanto porque essas coisas tinham muito de mim e a minha casa tinha todas essas coisas. No dia em que desmontei a minha casa eu senti o meu peito encolhido, batendo arrastado, querendo parar um pouco porque deixar a minha casa desmontada e vazia seria como abandonar uma parte de mim. No dia em que eu desmontei a minha casa eu entendi que todo o dilaceramento vinha da idéia de que na minha casa eu guardava todas as referências de quem eu era e de quem eu tinha sido e a idéia da outra casa que ainda não era minha me apavorava pela possibilidade d’eu ser tantas outras coisas, mas sobretudo eu tinha medo de não ser mais aquela pessoa que eu conhecia tão bem na minha casa e de não saber me sentir confortável na casa que um dia eu poderia chamar de minha, ou nunca. Um dia eu tive que desmontar a minha casa. Foi um dia triste e sem graça, com nuvem carregada e poças de lama, desses que começam com o despertador tocando e a idéia de cinco minutos se transformando na idéia de uma vida inteira.

quinta-feira, abril 26, 2007

de trabalho

Tenho tido muito assunto, muitas noites mal-dormidas, algumas epifanias, muito calor, muitas novidades, um pânico específico, velhas compulsões que aparentemente me perseguem e, confesso, uma nova paixão.

De assuntos, noites, novidades e epifanias, converso com algumas pessoas, às vezes falo sozinha no carro, às vezes enterro na areia.

De calor, um dia morrerei (no Saara, provavelmente).

De compulsões que me perseguem, a culpa não é minha: trabalho tão perto da Modern Sound que se tropeçar caio lá dentro e se me distraio saio de lá com três cds e menos dinheiro na conta.

Do pânico específico, me agarro o quanto posso nas barras dos ônibus em que tenho andado, traço estratégias e planos pra quando subir, pra quando passar pela roleta e pra quando descer, mas o medo e os perigos iminentes não me enganam: um dia me esborracho dentro de um ônibus e quebro um dente (ou a cara, literalmente) (e uma observação: em quatro dias ainda não repeti um ônibus, o que indica que tudo vai a Copacabana e, saravá! tudo volta de lá).

Da nova paixão, eu sei, é um pouco ridículo, mas depois de algumas planilhas e macetes fantásticos, caí de amores pelo Excel e já não posso conceber a existência sem ele.

:: Killing an arab, The Cure

sábado, abril 21, 2007

Nadando contra a corrente

Um dia eu concluí que algumas das coisas que lemos são mais confiáveis que pessoas, e por causa de uma edição da Piauí eu fui fazer uma aula de natação (mesmo que, meses antes o médico tivesse recomendado o mesmo). Eu desconfiei que minha conclusão fora precipitada no momento em que o relógio marcava 8:05, a aula tinha começado às 7:50 e eu já achava que ia morrer. De calor. E olha que de calor eu tenho vivência... Eram 8:05 da manhã quando eu senti que suava dentro da piscina e essa incongruência foi apenas um dos fatores que me levaram a concluir, dessa vez com conhecimento de causa, que natação na Piauí é poesia que a gente não vive.

Pra começar que o traje de natação é qualquer coisa de deprimente e todo ser metido numa toca e num óculos perde parte de sua credibilidade. Pra sorte ou desespero, não sei ainda, o professor (no meu caso professora) não entra na piscina em momento algum. Além de não ter que passar pelo ridículo do figurino, o cara também não ferve. Sim, porque piscina aquecida é eufemismo, aquela água estava mais para fervida.

Fazia aproximadamente 17 anos que eu não nadava nem cachorrinho e o primeiro comando que a professora deu foi: ida e volta de crawl, ida e volta de peito, ida e volta de costas, ida e volta de golfinho. Eu disse que golfinho pra mim era aquele bicho que a gente vê em passeio de barco em Noronha, passeio no Sea World ou foto na Wikipedia e parti pra desbravar o tedioso mundo dos azulejos enfileirados. Seis braçadas e estava cumprida a rota de ida, mais seis na rota da volta e então o nado peito e depois o nado costas. Descobri que nadar é que nem andar de bicicleta, não só no sentido de que não se esquece mas também no sentido de que não vale a pena pagar por isso. O resto da aula foi mais ou menos igual ao começo: nada pra cá, nada pra lá. É claro que eu não esperava aprender como cozinhar um pato no vapor, mas achei que depois de quase 20 anos sem praticar, alguém me daria pelo menos um alento.

Ainda, eu pensava que nadar era atividade calma e apaziguadora. Ledo engano. Sai da piscina mal me equilibrando nas minhas pernas, que tremiam e ameaçavam me deixar na mão a qualquer passo. Fui pra casa, confesso, com uma sensação de relaxamento, caí na cama e dormi que nem um bebê. Esse era o único argumento que poderia me fazer mudar de idéia mas então lembrei-me de rede, vinho, relaxante muscular e vi que algumas boas horas de sono podem ser mais facilmente conseguidas através de meios pouco nobres, mas ainda assim menos aterrorizantes.

E foi assim, num modelito horripilantemente démodé que eu fervi, quer dizer, nadei durante quase 40 minutos numa piscina enquanto repassava mentalmente diversos trechos das matérias da Piauí, lembrava dos relatos entusiasmados e apaixonados que lera e comecei a me indagar se seria um problema do esporte em si ou da minha falta de romantismo. Achei melhor não concluir porque da última vez que fiz isso fui parar numa aula de natação.

quinta-feira, abril 12, 2007

O ministério da saúde adverte:

Sempre fora um homem discreto, mesmo quando usava de galanteios que a faziam corar, os dizia longe dos ouvidos de terceiros. Foi o que a convenceu. Por anos tinha visto inúmeros tipos de cafajestes que desfilavam por sua casa e a discrição deste, o seu jeito comedido, seus gestos, contidos até, a conquistaram. Mesmo em suas demonstrações de afeto, que com o passar dos dias tornavam-se mais freqüentes, era um homem de pouco teatro. Suas falas eram sempre simples, quase espontâneas e poucas vezes vinham acompanhadas de caixas de bombons ou buquês de flores. Até quando usava clichês parecia mais original: lhe presenteava com discos em datas sem qualquer significado, a levava para almoços surpresas em segundas-feiras ensolaradas e até metereologicamente se diferenciava dos outros. Jamais comeram pipoca em noite chuvosa ou fizeram pic-nic na primavera. Era o que a encantava e o que ele tinha de mais charmoso, esse jeito de ir caminhando devagar, apontando cores, desviando da grama. Era um homem paciente e expressava sua delicadeza sem os constrangimentos da maioria dos outros que conhecera, falava de seus medos, emocionava-se com filmes antigos e era capaz de passar horas alisando os cabelos dela enquanto conversavam banalidades no sofá da sala. Até terapia já tinha feito, existencialista. Tivera um cão quando criança, lera quadrinhos e sonhara ser super-herói com capa colorida. Quebrara o braço uma ou duas vezes, tinha o avô como ídolo, namorava as meninas de sua idade. Fora punk por rebeldia, tocara guitarra em banda com os amigos do colégio e admitia até ter tido dor de cotovelo. Quis ser gauche quando leu Drummond, quis ser picareta quando descobriu Godard, foi exagerado quando escutou Cazuza e quase foi poeta por convicção quando descobriu Cartola. Resolveu que por fim, teria de ser aquilo mesmo que era, teria que ir pisando manso pelas calçadas, teria que desviar dos jardins e olhar com calma as cores quando o sol se punha. Ela o ouvia com atenção e sorria ao ouvir suas histórias, sempre tão possíveis e se arrepiava lentamente quando ele a beijava no pescoço, seus lábios macios que ressecavam um pouco no inverno, até nisso era um homem comum e por ser tão alcançável e sincero é que ela gostava e se envolvia cada vez mais com ele, que de tão tão mortal acabou por se tornar uma espécie de raridade, de incompatível com o resto das coisas que ela conhecia. Tentava, em vão, achar nele defeitos graves, traições e por vezes até o seguiu pra ver se se encontrava com outras às escondidas. Devia ficar aliviada cada vez que apenas confirmava a lealdade daquele sujeito mas ao contrário, sua angústia crescia a ponto de ficar cada vez mais irritada e com isso esperava ansiosamente pelo dia em que ele também se irritaria com ela e falaria palavrões e baixarias e confessaria seus crimes, mas nada. Amava um chinês, pensou, e zen, um homem cuja calma e tranqüilidade não se abalavam. E não havia jeito, por mais que tentasse, por mais que procurasse, nada. Sabia que tinha nas mãos o que sempre quisera, um companheiro de verdade e pensando bem conseguia lembrar-se de pequenos delitos dele, alguns atrasos, um dia ou dois de preguiça e uma vez chegaram mesmo a discutir, os tons de voz se elevaram. Ponderou. Não poderia passar o resto dos anos privando-se das alegrias de uma vida a dois só porque constava em sua ficha um sem-número de desilusões amorosas. Virou a página, comprou um vestido novo e ingressos pra sessão das oito, telefonou pra ele e marcou de se encontrarem na esquina. Ele chegou com um disco que há muito ela procurava, finalmente o conseguira na feira de antiguidades. Dividiram uma coca, aplaudiram o filme no final e foram pra casa dela onde passaram o resto da noite bebendo conhaque, dançando de rosto colado, ele cantando baixinho em seu ouvido e Billie Holliday na vitrola. Os dias se seguiram assim, cheios de momentos de intensa paixão até o dia em que, saindo do banho de manhã ele disse que a amava. Abraçou-a como de costume, o corpo ainda úmido e lhe disse: te amo. Ela sentiu as pernas fraquejarem e por um instante quis soca-lo, quis mata-lo, quis chorar, quis que aquela frase nunca tivesse sido dita mas ao invés disso o beijou com doçura e o envolveu com seus braços finos, fez um carinho em sua nuca e entrou no boxe. Era sábado. Ela entrou no banho. Soltou os cabelos e sem conseguir mais conter as lágrimas, deixou-se inundar. Era um choro triste e amargo, o contrário do que deveria ser. Finalmente agora ela sabia, ninguém podia ser tão perfeito quanto aquele menino. Ele gritou-lhe do quarto que ia ao mercado comprar cigarros. Foi a última vez que.