quinta-feira, setembro 25, 2008

Chez moi

As coisas lá dentro estão dispostas de forma cuidadosa: livros, filmes, discos, revistas e objetos são enfileirados de acordo com a minha lógica que não explico.

Charles Aznavour convive pacificamente entre Carlos Gardel e The Cardigans da mesma forma que Ariano Suassuna nunca briga com Marguerite Duras. Um Woodstock encardido está bem acomodado entre os livros sobre música e a parede. Uma garrafa vazia de coca-cola parece confortável entre uma caixa de alumínio cheia de velhos Vhs e uma quase ridícula sessão de livros de quadrinhos, que devem ser seis no máximo. Santo Antônio ampara os dvds, e deve estar muito distraído tentando entender o que Kill Bill faz ao lado de Chorus Line. Uma cestinha de palha esmaga revistas de moda que nunca vou abrir de novo. Uma vaquinha engraçada resolveu ficar em cima do livro de receitas de comida Indiana. Acontece sempre um deslizamento nas pequenas montanhas de bolachas de apoiar copos (todas emprestadas de bares), que são refeitas em lugares diferentes a cada nova construção: na escrivaninha, em cima do som ou na mesinha de cabeceira. Duas caixas de chapéus guardam fotos.Uma lata de café que não guarda nada apóia livros velhos que nunca li e certamente nunca vou ler, e que estão possivelmente comidos por traças, mas que ficaram muito bem perto de uma outra cesta de palha numa estante alta. No pote de lápis e canetas duas multas de trânsito aguardam para serem recorridas. Um peso de um quilo que não levanto mais fica ao lado de uma vela de cheiro que acabou, mas continuam morando atrás da caixa de som. Uma saia cinza de pregas que não me cabe está sobre a cadeira há meses junto com uma bandana que usei pra ir à praia. Um mini chapéu de Veneza sumiu faz algum tempo, ele morava pendurado na quina de um livro do Basquiat. Uma caixa velha de charutos fica perto da pequena e acidental coleção de livros sobre pintores da Taschen, que por sua vez fica sob um copo de vidro Campbells. Um ímã vermelho ficou meio grudado bem sobre a minha cabeça numa foto em que visto saia estampada e danço. Um despertador cujo fundo é povoado de fotos de misses e que não funciona fica sobre os livros de moda, que por sua vez adotaram um filho único de ícones de fotografia. Um postal de uma tapeçaria medieval está a apenas outros dois de um japonês contemporâneo. Incensos estão afogados entre os lápis de cor que nunca vão acabar. A trinca de livros de amigos parece fazer algum sentido, porque são poetas conversando empurrados por um bonequinho que lembra uma figura do Keith Haring, é pena que falte uma dedicatória. Um pendurador de coisas em formato de flor carrega um guarda-chuva, a bolsa de praia, a bolsa de dia e um par de sapatos que preciso trocar por outro igual mas que não esteja com a tira arrebentada. Os ímãs de palavrinhas formam as frases “tenho o coração doce e quente / pensa e fala urgente / está sempre melhor no sonho” e depois não rima mais nada. O tapete não combina com as almofadas em cima da cama. No cantinho perto da porta tem um desenho de mim mesma. Pendurado na porta um móbile que veio da África divide o espaço com um penduricalho que veio do Japão. Os álbuns de foto daqui a pouco não caberão mais. Debaixo de um ímã que reproduz um mini cartaz de Singin in the Rain, Mãe Valéria de Oxossi me promete a pessoa amada, mas já se vão quase três anos em vez de três dias. No cantinho entre a viga de madeira e as prateleiras dos cds, três fotos me lembram que já fui bailarina enquanto uma faixa de silicone de fisioterapia dentro de um saquinho me lembra que tenho uma série de alongamentos para fazer. Uma gravura de um beijo está pendurada sobre a cama. Um adesivo da Company não quer sair do vidro que dá pra varanda. O sapato que usei anteontem está do lado de fora do armário enquanto não encontro o pé esquerdo dele. A última gaveta do móvel quase não fecha de tanta folha. Um moletom cinza mora na cadeira da escrivaninha. Um livro grande e pesado serve de apoio para o notebook ficar mais alto. Uma miniatura de um personagem de South Park olha para um mini guarda de Londres e os dois não parecem se aborrecer. Uma coleção abandonada de caixas de fósforos fica ao lado de um compasso que não me serve mais. Amostras de cor de uma antiga cartela mostram como chantilly não é igual a bege, grudadas na parede em cima de uma foto onde nós sete sorrimos. Calvin faz uma cara de pânico no ímã que fica ao lado da imagem também imantada do Hitchcock e uma outra do cartaz de Laranja Mecânica, que nem sei se gosto (do filme). Um dicionário cuja capa está remendada com durex está ao lado do guia turístico do Brazil com Z. O carregador do celular está constantemente plugado na tomada ao lado da porta onde um benjamim dá espaço ao fio da bolsa quente elétrica. Uma flor artificial envolvida por tule ficou esquecida na prateleira de livros de design. Duas calculadoras estão sobre a escrivaninha, ao lado de dois sachets de chá que ganhei junto da promessa de serem bons para olheiras. Uma parte do jornal de ontem está sobre a lata de lixo. Canetas parecem dar cria em todos os cantos.

Quando tem festa em casa fecho as cortinas e deixo a porta trancada, as pessoas sempre confundem antipatia com timidez e não é qualquer um que vai entender tanta coisa junta.




"Guardo sempre o traço
Jovem, nobre, bravo
D'um farejador amoroso
Pra quem o longe é sempre perto
Que nunca esquecerei "
Waly Salomão

terça-feira, setembro 16, 2008

The "Vizinho Issue" - parte I

A carta é formal, o tom é polido. O problema acontece quando preciso sutilmente dizer que o vizinho de quem reclamo é um imbecil. São muitas as perguntas que envolvem o vizinho e o fato dele ter desligado o interfone na minha cara quando eu pedi “por gentileza será que você podia estacion...” CLACK do interfone alto ali do sétimo andar.

1) É possível xingar alguém elegantemente?

2) É válido formalizar uma reclamação para o síndico porque o vizinho estaciona seu carro ocupando duas vagas (sendo uma delas a que você quer estacionar)?

3) Custa o vizinho estacionar dentro dos limites?

4) Alguém reclamaria de um carro mal posicionado se estivesse chegando ao prédio de bicicleta ou a pé?

5) O incômodo só incomoda mesmo quando você e seu umbigo são atingidos diretamente?

6) É por isso que o país não vai pra frente?

7) Desde quando o vizinho virou alguém que me deixa extremamente irritada?

8) A fúria que o vizinho me provoca, seria ela uma tentativa de descontar em algo palpável uma mágoa mais abstrata?

9) Estaria eu transferindo para o vizinho frustrações e questões psicológicas mais graves?

10) O fato de não concluir a carta para o síndico tem a ver com o fato de não ter concluído muitas coisas na vida?

11) E os porteiros, por que eles não ajeitam a porra do carro?

12) E Freud, explica?

sexta-feira, setembro 05, 2008

If you're feeling sinister*

(ou "I don't see what anyone can see in anyone else but you")

Faz algumas semanas já que acho que estou comendo chocolates mofados, não é uma tentativa de plágio, é só que eles estão com gosto amanteigado demais e a aparência mudou, antes pareciam conchas lustrosas e de repente, parece, ficaram foscas, ninguém sabe me dizer, eu continuo comendo e até agora não morri e nem fiquei verde, por isso sigo devorando a caixa: foi a notícia que dei a eles. Mas o que eu ia mesmo contar era a nossa história. No primeiro parágrafo eu ia dizer como nos conhecemos e, com alguma pretensão, dizer que nosso primeiro beijo foi, na verdade, o encontro das nossas salivas alternadas no gargalo de uma cerveja e que todo o nosso rumo estava destinado a esse eterno desencontro. Mas reli, achei piegas e cafona e, pior!, achei que alguém já começou escrevendo uma história assim. E também a gente se desencontra tanto mesmo porque eu te inventei de um jeito que não tem jeito: a gente nunca vai ficar junto no final porque eu cismei que ia ser assim, não sei o que você pensa e é provável que eu nunca pergunte porque eu já tenho tanta certeza do meu pensamento que o seu poderia estragar tudo e aí, como seria? Eu teria que baixar a guarda e dar uma chance, me dar uma chance e isso não, não mesmo, fica você aí inventado e eu aqui fugindo e te fazendo voltar de vez em quando pra continuar te culpando... do que era mesmo?

Foi o que me perguntaram e eu não soube dizer, eu soube sim, mas só disse pra eles, que me faziam confortável o suficiente, entre um chope e outro, fui relembrando como quem não quer nada e quando vi tinha contado tudo o que aconteceu comigo enquanto nada acontecia com a gente e quando dei por mim estavam lá, todas as linhas, tudo o que te disse, tudo o que você me falou, e então tudo na mesa, a gente se engalfinhando entre copos e guardanapos e as pessoas ali como expectadores tentando des-inventar todo o meu roteiro e querendo construir alguma coisa mais original, menos autoritária onde você pudesse (e quisesse) mudar as regras. Eles não procuravam um final feliz, não necessariamente, eles queriam é que eu deixasse pra lá toda essa mania de fazer de você imutável e insensível, só que no fundo eu fazia, ou pensava que fazia, e quando eu quase me convencia de que você era mesmo, como?, possivelmente diferente do quadro que pintei, por que não?, pedia outro bolinho de aipim, mudava de assunto, lembra de quando vimos aquele filme?, eu perguntava a eles, nos deixando de lado em reticências, que era a minha forma de ponto final quando dizia o seu nome e assim ficávamos (sempre) pra depois porque qualquer coisa era melhor que ter de te enfrentar e qualquer outro enfrentamento era mais seguro que confirmar que eu caibo direitinho no seu abraço. Eles me acatavam ainda com aquele resto de conversa entre os dentes, uma frase na metade em que diriam pra eu não ter medo, mas eu tinha, e com eles não tinha problema de assumir toda essa resistência. No caminho de volta colocava uma música que dizia que I'm in love with how you feel, os dois, como eles podiam ser tão absolutos e seguros? Eu poderia por horas esquadrinhar tudo o que eu não ouso pensar de você. E como nós três ficávamos confortáveis em nossos devaneios conjuntos, como somos aconchegantes, ia dando uma alegria no final, curava distensão e dor de cotovelo, nem precisávamos de relaxante muscular para dormir depois.



* Belle and Sebastian

:: Para a Carol e o Marcelo.

segunda-feira, setembro 01, 2008

Touched for the very first time

Parte da madrugada foi numa conversa insana com mais 5 pessoas que, como eu, xingavam em tempo integral o esquema de compra de ingressos para o show da Madonna. Numa tentativa de nos mantermos acordadas e alertas para qualquer sinal de que o site avançasse, elegemos Like a Prayer nosso mantra, nos comparamos às pessoas que, pré-internet, ficavam horas em cadeiras de praia na imensas filas (sorte nossa não aparecer no RJTV com olheiras e bafo dizendo "estamos aqui há dois dias"), e nos perguntamos por que será que o Rodrigo Santoro está tão ofegante em Os Desafinados (que, by the way, des-recomendo ferrenhamente).

No México, os bilhetes se esgotaram em oito horas. No Canadá, em 9 minutos (apesar de achar que isso é humana e computador-mente impossível). A possibilidade de não conseguir comprar um ingresso me deixou histérica e descabelada e já de manhã, num momento de completa desolação, concluí que não havia motivo para pânico pois os ingressos para o show no Rio jamais acabariam visto que ninguém conseguiria comprar pelo site ou pelo telefone e, de acordo com o Globo online, só havia cerca de 300 pessoas na fila do Maracnã para comprar os 75 mil tickets disponíveis.

Entoando um mantra na cabeça, não desisti nunca e quase chorei quando recebi por email a confirmação da compra do meu ingresso. Agora é torcer pra que a entrega funcione, porque até isso me pareceu complexo.

Enquanto a adrenalina não baixa e não volto a dormir, concluo mais uma vez o que as 5 pessoas já sabem: comprar ingressos para show da Madonna é tão tenso quanto o primeiro beijo, só que com muito mais erro de servidor.




:: I'm down on my knees, I wanna take you there!