(ou "I don't see what anyone can see in anyone else but you")
Faz algumas semanas já que acho que estou comendo chocolates mofados, não é uma tentativa de plágio, é só que eles estão com gosto amanteigado demais e a aparência mudou, antes pareciam conchas lustrosas e de repente, parece, ficaram foscas, ninguém sabe me dizer, eu continuo comendo e até agora não morri e nem fiquei verde, por isso sigo devorando a caixa: foi a notícia que dei a eles. Mas o que eu ia mesmo contar era a nossa história. No primeiro parágrafo eu ia dizer como nos conhecemos e, com alguma pretensão, dizer que nosso primeiro beijo foi, na verdade, o encontro das nossas salivas alternadas no gargalo de uma cerveja e que todo o nosso rumo estava destinado a esse eterno desencontro. Mas reli, achei piegas e cafona e, pior!, achei que alguém já começou escrevendo uma história assim. E também a gente se desencontra tanto mesmo porque eu te inventei de um jeito que não tem jeito: a gente nunca vai ficar junto no final porque eu cismei que ia ser assim, não sei o que você pensa e é provável que eu nunca pergunte porque eu já tenho tanta certeza do meu pensamento que o seu poderia estragar tudo e aí, como seria? Eu teria que baixar a guarda e dar uma chance, me dar uma chance e isso não, não mesmo, fica você aí inventado e eu aqui fugindo e te fazendo voltar de vez em quando pra continuar te culpando... do que era mesmo?
Foi o que me perguntaram e eu não soube dizer, eu soube sim, mas só disse pra eles, que me faziam confortável o suficiente, entre um chope e outro, fui relembrando como quem não quer nada e quando vi tinha contado tudo o que aconteceu comigo enquanto nada acontecia com a gente e quando dei por mim estavam lá, todas as linhas, tudo o que te disse, tudo o que você me falou, e então tudo na mesa, a gente se engalfinhando entre copos e guardanapos e as pessoas ali como expectadores tentando des-inventar todo o meu roteiro e querendo construir alguma coisa mais original, menos autoritária onde você pudesse (e quisesse) mudar as regras. Eles não procuravam um final feliz, não necessariamente, eles queriam é que eu deixasse pra lá toda essa mania de fazer de você imutável e insensível, só que no fundo eu fazia, ou pensava que fazia, e quando eu quase me convencia de que você era mesmo, como?, possivelmente diferente do quadro que pintei, por que não?, pedia outro bolinho de aipim, mudava de assunto, lembra de quando vimos aquele filme?, eu perguntava a eles, nos deixando de lado em reticências, que era a minha forma de ponto final quando dizia o seu nome e assim ficávamos (sempre) pra depois porque qualquer coisa era melhor que ter de te enfrentar e qualquer outro enfrentamento era mais seguro que confirmar que eu caibo direitinho no seu abraço. Eles me acatavam ainda com aquele resto de conversa entre os dentes, uma frase na metade em que diriam pra eu não ter medo, mas eu tinha, e com eles não tinha problema de assumir toda essa resistência. No caminho de volta colocava uma música que dizia que I'm in love with how you feel, os dois, como eles podiam ser tão absolutos e seguros? Eu poderia por horas esquadrinhar tudo o que eu não ouso pensar de você. E como nós três ficávamos confortáveis em nossos devaneios conjuntos, como somos aconchegantes, ia dando uma alegria no final, curava distensão e dor de cotovelo, nem precisávamos de relaxante muscular para dormir depois.
* Belle and Sebastian
:: Para a Carol e o Marcelo.
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