quarta-feira, novembro 30, 2011

Carta a G.


Caro,

Faz dois ou três dias que escrevo na minha cabeça um epitáfio para esse blog. Não é a primeira vez que pego em armas e faço ameaças contra mim mesma. Tampouco é a primeira vez que afirmo que dessa vez é de verdade. Mas dessa vez, receio que seja de verdade.

Vou te explicar.

Estou chata. Embora eu mesma tenha levantado uma bandeira a meu favor, o fato é que, recentemente, nada acontece. Até a natação perdeu o sabor, desde que me convenci de que é inviável morrer afogada na piscina, alcancei certa tranquilidade e hoje saio da aula achando que poderia ter nadado ainda uns 100 metros. Bizarro, não é? Minha nova persona é assim: comprei um par de tênis pra correr na orla, apliquei dinheiro num fundo de investimentos e desenvolvi uma doença de pele cuja causa principal é um “estado psicológico”.  Devo evitar, entre outros, bebidas quentes, álcool e vento. Como é que se evita vento? O tratamento homeopático pra alergia, por sua vez, proíbe cânfora, mentol, eucaliptol, trident, bala halls, salompas. Penso em voltar pra análise. A lista do que não fazer é tão grande que me restam poucas coisas.

Meus novos amigos são bebês que acham graça das vozes que eu sei fazer, e das músicas que gosto de cantar. Eles também riem de coisas bobas. Eles não discutem Belo Monte, USP, crise na Europa, o poder da China e, provavelmente, também acham que esse conceito de fuso-horário não faz o menor sentido.

Tá tudo assim: morno. Em seu Bartleby e Companhia, Vila-Matas cita: “Muitos anos depois, Beckett diria que até as palavras nos abandonam e que com isso tudo está dito.” Em Luz em agosto, Faulkner escreveu: “Quero dizer como eu disse a você uma vez que existe um preço por ser bom como por ser mau; um custo a pagar. E são os bons que não podem recusar a conta quando ela aparece.” Eu sei, não tem nada a ver. Mas tá vendo? Eu poderia fazer um blog só de citações imperdíveis.

Não falo isso em tom de reclamação. Clayton Fabio, o astrólogo, disse que era tempo de ficar empacada mesmo, mas que em breve isso passa. Espero que sim. Espero, também, que esse curto relato do meu paradeiro aquiete suas expectativas.

Cordialmente,

domingo, novembro 06, 2011

This could be the first trumpet*


Uma sexta-feira de julho

Tudo deu errado com os músculos que sustentam e envolvem a escápula direita. Nada mais funciona: pescoço, ombro e mesmo o braço parece que vai despencar de tão pesado. Prometi passar no lançamento do livro de um amigo. Confirmei presença num jantar na casa de uma amiga onde certamente não vou conhecer ninguém. Socializar com contratura muscular é tão complicado quanto fazer baliza em dia de torcicolo. Deixo o livro do amigo pra depois, compro a garrafa de vinho pedida pela anfitriã e rezo, quase me ajoelho, pra que tenha maconha. Faz uns 10 anos desde a última vez que fumei maconha, e depois de ter tentado alopatia, bolsa de água quente, cânfora, fisioterapia, massagem, relaxante muscular e Lexotan, me apego à possibilidade da cura fitoterápica. Um trago (tapa?) na maconha alheia e tenho certeza que tudo vai dar certo de novo nas proximidades dos músculos rombóides. Chego ao Humaitá, o vinho na bolsa, fecho os olhos antes de tocar a campainha. Eu deveria conhecer o homem da minha vida nesse jantar, mas agora só consigo pensar no momento em que alguém vai perguntar “e aí, vamos fumar um?”. Meus passos, de repente, parecem passos de reggae. Meu colar de pérolas poderia facilmente ser substituído por um colar de conchas. Amanhã vou à praia na Joatinga, penso. Com o Bruno. Todo mundo conversa sobre artes plásticas com a propriedade de quem comenta o tempo no elevador. Todo mundo bebe vinho e trabalha com cultura, e eu só sinto uma dor lancinante que me define como alguém que sofre. Muito. Quando o sujeito louro e baixinho sai à caça de um isqueiro, me instalo na poltrona e agarro meu terço imaginário: faz uns 10 anos desde a última vez que fumei maconha, ri feito uma demente, e agora toda essa gente aqui vai testemunhar. Mas que nada. É uma sexta-feira de julho de 2011 e todo mundo está eufórico pra fumar sálvia. Eu pensava que sálvia era ingrediente de pizza, salada ou horta. Um tititi se arma em torno do sujeito louro baixinho, uma euforia maior que a que se desencadeia quando anunciam que o Strokes vem ao Brasil. Esse é o retrato da minha desolação. Não tenho ingressos pro Planeta Terra, não tenho maconha pra fumar. Amanhã não vou à Joatinga com o Bruno porque é inverno e o sol vai embora de lá bem cedo. Aproveito a ocasião pra recuperar minha bolsa e saio de fininho pensando desde quando as pessoas fumam sálvia. Sálvia. Amanhã vou à feira.



Quinta-feira à noite, setembro

É sempre o pior dia pra se chegar em casa, a cidade empaca, o horário de verão ainda não começou e eu li uns 4 livros naquela semana. Tudo ao meu redor alucina, e ao parar na praia de Ipanema quase em frente ao Laura Alvim vejo a menor palmeira do jardim em frente à casa girar. Esfrego os olhos e já não há mais nenhum movimento. Mando uma mensagem pro Lucas, que me garante que não estou tendo visões e que sim, a palmeira do jardim da Laura Alvim gira. Ele é meu chefe, não ouso discordar, seria como desafiar hierarquias. Mas guardo certa desconfiança. Desde então, nunca mais a palmeira deu piruetas e eu não tive coragem de perguntar a mais gente se aquilo era real ou fruto de ervas que sequer ando consumindo.




Quartas-feiras e domingos

Entre um “mengooooo” e outro, ou melhor, verdade seja dita, entre xingamentos débeis como “filha da puta”, “viado” e expressões de mesmo escalão como “chupa ______”, meu vizinho do 202 fuma baseados superpotentes com seus amigos que sempre assistem aos jogos rubro-negros aqui no prédio. O cheiro invade meu quarto, minha mãe já me olha divertida e eu durmo embalada pela marola que bate aqui, enquanto meu vizinho e seus amigos gastam a onda jogando ping-pong no play. E xingando uns aos outros, obviamente.



Uma terça-feira de outubro

Estaciono o carro na Lagoa e descubro um comando que muda a posição do retrovisor esquerdo quando engato a ré. Mostro pra Eugênia, sentada no banco do carona, e repito a operação algumas vezes. Achamos graça e de repente lembramos Beavis e Butthead, mas em vez de AC/DC, ouvimos “Turn your lights down low”, do Bob Marley. O trânsito estava surpreendentemente bom, o que nos fez chegar cedo demais, e portanto fazemos hora no carro antes de subirmos pra aula. Quando “Redemption Song” começa, Eugênia e eu pensamos num pequeno menu da larica perfeita: burrata do Braz, pão-de-queijo da Adriana Lunardi, brigadeiros da tia da Helaine, Kusmi tea. Desde o jantar em que as pessoas fumavam sálvia que eu não pensava mais em fumar maconha, e agora estamos as duas aqui, falando de Laird Hamilton e as ondas de Teahupoo, pensando hibiscos, elencando comidas disparatadas para uma larica que provavelmente não se produzirá e rindo dos efeitos especiais do carro novo. Talvez a gente não precise de drogas mesmo. Por via das dúvidas, porém, já penso em bater na porta do 202, pedir açúcar, talvez seja um bom começo. 


* Bob Marley em Natural Mystic