terça-feira, dezembro 26, 2006

Last night

She said: oh baby, I feel so down...

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como diria o lobão: 2006 foi roquenrou meio nonsense.

(tô de autos e volto em 2007)

sexta-feira, dezembro 22, 2006

quinteto.

Foi no dia em que ela teve insônia e a gente discutiu relação platônica no telefone. Foi no dia em que ela me ensinou a apagar postes. Foi no dia em que a gente conversou mais no telefone que no café. Foi no dia em que ela riu quando eu disse "bocó" e foi nesse dia em que ela me mandou tomar vergonha na cara e ir atrás dele. Foi no dia em que ela desmarcou e eu fiquei brava. Foi no dia em que ela sacou que era sério e eu também.

Foi no dia em que eu fiquei sentada no sofá e ele me contou histórias. Foi no dia que a gente falou até a garganta secar e que a gente percebeu o poder que tínhamos de virarmos seres inquietos e que não calam a boca na companhia um do outro. Foi no dia em que a gente falou muito dos medos e eu vi que ele era tão confuso quanto eu sou e foi no dia em que a gente teve idéias geniais e que a gente descobriu que ser vizinho era melhor.

Foi no dia em que a gente se despediu no café e ela foi andando pra só voltar depois de quatro meses e foi no dia em que a gente resolveu que trabalhar juntas era tão bom quanto as trufas que comeríamos juntas meses depois. Foi quando a gente leu Vogue num frio de bater queixo, foi no dia em que a gente trocou figurinha sobre produtos de cabelo. Foi nesse dia que a gente viu Lecuona no DVD e amaldiçoou aquelas bailarinas invertebradas. Foi no dia em que a gente foi no parque de diversões e brincou de bate-bate, foi no dia em que ela agiu como eu adoraria que ela agisse.

Foi no dia em que a gente descobriu que tínhamos o cd do Cardigans em comum, foi no dia em que a gente voltou da festa de vidro aberto e som roubado cantando Hopelessly Devoted to You. Foi no dia em que eu cuidei dela de bebedeira e foi no dia em que ela me ensinou que convite pra almoçar não podia ser recusado. Foi no dia em que eu não me importei se ia falir no fim do mês por causa dela. Foi no dia em que ela me ensinou mergulho de roupa às 5 da manhã. Foi no dia em que eu entrei na casa dela lá em outro país e a gente se abraçou forte à beca.

Foi no dia em que tudo furou e eu fiquei em casa ouvindo B-52’s e eu só queria todos juntos bebendo e rindo que nem antes. Foi no dia em que eu vi a dimensão que eles tomaram na minha vida e o espaço que eles passaram a ocupar. Foi nesse dia em que bateu uma puta saudade. Foi no dia em que eu espalhei fotos deles na parede do quarto. Foi no dia em que eu vi que isso era irreversível.

:: Nothing compares to you - Prince

segunda-feira, dezembro 18, 2006

O que não tem cansaço, nem nunca terá

Eu esperava ansiosamente o mês de dezembro. Os preparativos começavam em Agosto e o burburinho ia aumentando com o passar das semanas, de repente víamos as manhãs de sábado serem ocupadas por ensaio e num piscar de olhos o chão da academia virava um grande tapete colorido e brilhante de sapatos e sapatilhas enfileirados cobertos de purpurina e tinta. Todas as etapas do processo eram motivo de excitação e ansiedade: da escolha do tema à apresentação final, os menores detalhes viravam motivo de alegria. O espetáculo de fim de ano de dança era mais que uma apresentação para os pais e amigos, era uma celebração da nossa vontade de comunicar movimento, de uma união de pessoas que falavam através de corpo. Todo aquele exercício diário de ballet e outras técnicas, as eventuais contusões e dores, os tendões sobrecarregados, os desafios e tantas frustrações por não conseguir a pirueta perfeita, os ensaios que nos tomavam o tempo da praia e do sono, enfim, subir naquele palco era a compensação pela disciplina e uma catarse coletiva de meninas que viam na dança um meio, não um fim.

18 anos depois e uma retrospectiva de tantos espetáculos vividos me deixa com um nó na garganta e os olhos marejados. No começo era uma farra de criança e experimentar a fantasia era um delírio e merecia algazarra. Com o tempo a fantasia virou figurino, eu fui para os bastidores desenhar as roupas que eu mesma ia vestir e o prazer dobrado me dava ainda mais borboletas no estômago. As borboletas desapareciam no momento em que eu ficava meio cega ao pisar no palco e espremer levemente os olhos contra a luz forte. No fim de cada número eu nem lembrava que minutos antes quase fizera xixi de nervoso. Com o tempo os números aumentaram e eu me via trocando de roupa encolhidinha na coxia, uma pessoa desamarrando meus sapatos, outra molhando o meu cabelo pra mudar o penteado e de repente a maquiagem que escorria já não era tão importante assim. Nos primeiros anos de dança gel era acessório básico tão importante quanto a sapatilha. Com a coisa cada vez mais contemporânea só o que precisava era de um borrifador pra manter o cabelo molhado e solto e dos meus pés cheios de calos e pele machucada. Com o tempo os dias de ensaio geral eram passados o dia todo no teatro colando linóleo no chão, dormindo nos camarins e transformando em amizade aquela relação de aluno e professor. Com o tempo a gente começou a achar o iluminador um gato, a costureira me ligava quando tinha dúvidas e eu pesquisava preços de gráficas para imprimir o programa da festa. Com o tempo eu fui percebendo o quanto eu era completamente dominada pela vontade de dançar e dançar e com o tempo também eu fui crescendo e nem sei bem como de repente tudo ficou tão diferente que eu virei platéia.

Descobri que ser platéia era bacana mas que eu me emocionava demais num misto de nostalgia e boas lembranças e certeza de ter aproveitado tão bem e de ter vivido um caso de amor eterno com essa coisa, e também uma certa melancolia de estar do outro lado e uma certeza maior ainda que eu estava do lado errado.

Amanhã é o dia do espetáculo e eu já avisei que vou chorar. O problema da dança é que ela te satisfaz de modo que 18 anos não são suficientes. Seria preciso uma vida inteira.

:: You really got a hold on me - The Beatles

sábado, dezembro 16, 2006

Esmalte

Foi na semana que fez aquele dia quente de doer, pés inchados e eu ia sentindo a roupa toda grudando e a testa oleosa, cabeça no tanque e deu meio-dia quando ela ligou. Ela sempre ligava essa hora, acordando, perguntando do vestido. Eu descrevia um pouco a peça, e sempre ocultava um detalhe para que houvesse surpresa. Eu separava as rendas e arrumava as fitas de cetim enquanto que ela bocejava lá num outro bairro e ia como se arrastando até a xícara de café. Duas colheres de açúcar. Eu esquentava meu almoço e ela esquecida no sofá, xícara na mão, jornal espalhado em volta e a unha do pé sempre vermelha. Impecável, ela era, sempre com suas roupas bem cuidadas e os cabelos num penteado daqueles de revista. Eu enfiava os cachos pra debaixo de um lenço e comia correndo, com pressa e então ia cortar as sedas, comprar a linha certa e sentava na máquina, o tecido fininho ia escorregando devagar, sempre numa linha reta e muito calculada, eu começava a juntar os pedaços pro vestido que fazia pra ela. Ela preparava a banheira e jogava na água quente pequenos saches de lavanda, ficava horas compridas, olhos fechados e o barulhinho dos seus braços se movendo na água. Eu fervia água pra tingir sua seda, combinava pozinhos de cores diversas até conseguir o azul que ela gostava, um tom com uma pitada de turquesa, mas muito discreto e chique, como tudo o que eu costurava pra ela. Eu via a luz do dia cair e pregava as rendas no barrado, debaixo do abajour eu ia ia dando ponto por ponto, fazendo uma pequena trama de rendinhas muito estreitas. Eu experimentava a roupa na manequim, checava se não havia esquecido alfinetes espetados nas rendas e por fim amarrava a fita de cetim na cintura. Embrulhava o vestido em papel fino e o acomodava numa sacola. Eu deixava o embrulho pontualmente às 19:45 na casa dela, que vinha à porta em seu roupão estampado, sua pele muito clara contrastando com as flores pretas do tecido japonês e ela me oferecia um chá. Eu sentava na cozinha bebericando da caneca enquanto ela provava a roupa. Voltava com um cheque e um sorriso satisfeito, e toda semana era assim: eu era sua costureira há 8 anos e ela nunca se queixava dos vestidos, usava-os em suas festas e jantares, desfilava meus modelos pelos países por onde viajava e eu sempre imaginava que devia deixar um rastro de flores pelo caminho, sempre achei que de seus pés saíam pétalas e folhas perfumadas e que a cada passo dela podiam-se ouvir suspiros. Eu ia para casa feliz por ter agradado, tomava um banho morno e me enrolava no lençol, dormia cansada e no dia seguinte começava um vestido novo. Foi então que a vi, pela primeira vez a vi na rua, eu estava a caminho de sua casa para entregar-lhe um novo modelo e ia andando 20 minutos adiantada. Ela abria o portão da frente e parecia uma boneca de porcelana: usava o vestido com roda plissada, cetim de seda de um vinho escuro, na cintura o laço um tom acima e sandálias de salto muito fino, de um cobre envelhecido. Esperei a hora certa e fiquei espiando pela janela. Como de hábito, bebi meu chá na cozinha. Demorou mais que de costume e parou na minha frente, as duas mãos na cintura, o roupão colorido e em poucas palavras sentenciou minha morte: não preciso mais deles, não preciso mais de vestidos novos. Lentamente me recompus do susto, peguei a sacola com o vestido recusado e tantos outros que eu agora sabia que não faria mais. Me virei sem dar tchau, sem perguntas e fui caminhando pra casa a pé. Nenhuma explicação, nenhum sentido e quando girei a chave na porta de casa foi que caí. Demorei no banho. Coloquei meu melhor perfume e vesti o modelo recusado, o meu melhor trabalho, uma composição de rendas das mais finas, 4 metros de fitas de cetim, o tom bege como se tivesse caído no chá e pequenos cristais que reluziam com o movimento. Calcei meu sapato de festa e apliquei o batom. Quase já não ouvia a vitrola. Pus a flor no cabelo e assim como num tango lento e arrastado e dramático ateei fogo nas roupas. Morri com as unhas dos pés pintadas de vermelho.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

nós.

“Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você.”

Eram 7 e 45 da noite quando eu senti os primeiros sintomas. Era quinta-feira e o tempo ameaçava chover, eu calçava sandálias e andava por ruazinhas quase prendendo a respiração, o cheiro dos becos do Centro da Cidade, urina escorrendo para os bueiros e uma chuva que não chove, a gente aqui nesse lugar abafado e tanta coisa abafada além do ar e eu com uma vontade do seu perfume. Nessa época a cidade parece que fica invadida por luzes que não páram de piscar e a paisagem some e desaparece em segundos e toda vez que eu volto a abrir os olhos e as luzes se acendem de novo você não está mais onde estava. Eu procurava um chiclete na bolsa enquanto olhava no relógio, 7 e 47 agora e a gente dançando abraçados, suas mãos no lugar certo e eu querendo e pedindo pra música não acabar. Volto à tona e dou meia-volta, pisco de novo e nada, você some e anda em outra direção e eu fico dando voltas, enfio as mãos no bolso e desenho círculos com as solas das sandálias gastas.

Eu enlouqueci nesse dia. Cheguei em casa e Caio F me olhava incrédulo da prateleira, como quem sabe e como quem diz finalmente, baby, agora vai conhecer a China ou espetar agulhas nesses braços finos, grita até perder a voz, mergulha bem cedo sem roupa no mar e anda até a curva mais longe e então procura uma montanha bem alta e salta, mas antes disso, por favor, criatura, AME de novo. Ele sabe que eu fiquei diferente, assim meio descrente e com raiva. Ele me olha do alto da sua experiência e me manda sair dessa obssessão que isso não é paixão que nada, isso é essa mania de ser só, esse medo de somar, essa covardia que você não assume, agora fica aí, entre lamentos e torturas, parada, imóvel e doida e andando no meio de gente que não vai te empurrar nem pra frente nem pra trás.

Eu deixo escapar uma lágrima e sento no cantinho meio encolhida, quase cena de novela.
Caio F disfarça e ri assim meio cúmplice me chamando de boba, eu sei como é, ele diz, e acrescenta que isso passa, que loucura de vez em quando é que nem um soco que a gente precisa levar, que é nessa crise que a gente realiza um monte de vontades, que é nos acessos de raiva que a gente bota pra fora, que essa coisa que cresce e consome e bagunça os cabelos, que essa coisa põe a gente em alerta. Caio F acha que eu tenho mais é que ficar doida e sair por aí falando sem parar, Caio mesmo fala pelos cotovelos e lamenta não poder me visitar no auge dos meus dias insanos, imagina a gente enchendo cinzeiros, sim porque com ele os cinzeiros sempre transbordam e então a gente ia sair numa noite fria pulando poças, íamos entrar num lugar escuro qualquer e encher a cara de tanto álcool que um de nós dormiria jogado no corredor do prédio assim como um rockstar entorpecido.

Caio F sabe que eu enlouqueci numa quinta-feira que ameaçava chover e me olha da prateleira como quem diz um monte de coisas essenciais e quando eu tento me reprimir e procurar um remédio terapia tarô hipnose cerveja ou um maço de cigarros ele me manda sentar e me diz desaforos, diz que eu não posso viver assim desistindo dos planos. Ele odeia quando eu deixo os sonhos irem se esmaecendo. Ele me manda sentar e me olha escancarado: vai fazendo assim até que um dia a inteligência vai martelar na sua cabeça que a sua vida não foi nada linda por sua grande incompetência em enterrar seus medos, você sempre dando tantos passos pra trás, fugindo de sorrir, receosa dos seus dentes tortos, querendo ser perfeita com esse jeito de Madre Tereza e no fim só vai te sobrar isso, esse horror, esse amargo forte, um gosto de ressaca e a garganta seca, a torneira sem água e as mãos pesadas enfiadas nos bolsos da calça, ah seu eu soubesse...

Vou dormir sem dar boa-noite e Caio cai displiscente da prateleira como que adivinhando. Ele sabe que ando com vontade de cantar. “Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático”. Não faz mal, ele diz. Caio F me beija e me abraça, nossos ossinhos se batem até fazerem clack e a gente chora um pouquinho, meio envergonhados, baixinho pra não acordar ninguém.

Antes de fechar os olhos eu ainda pisco um tanto, à procura dele. É Caio quem aparece. O máximo que você vai ter é uma cara quebrada, um coração picado e moído e toda aquela coisa te rasgando que você já teve e agora você está aí inteira, não está? Viro pro lado, me cubro até os olhos, pisco mais duas ou três vezes. Caio F sabe, não adianta fugir. Um dia desses ainda fico presa no elevador com ele e então.

:: Canto de Ossanha, versão Elis Regina.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Transtorno obssessivo

(sobre yoga e calor)

A função do dia foi fazer o curativo da tatuagem da Charlotte, que a propósito é a minha “par” na confecção mais quente do mundo. A Charlotte parece ser uma das pessoas mais calmas do planeta, já até combinamos de fazer yoga juntas. Foi a Charlotte que me explicou, finalmente, o que é astanga mysore. Astanga Mysore, até quinta-feira, era apenas uma categoria curiosa de ioga para mim. A tabela de horários do Nirvana contém duas observações sobre esta aula: o aluno poderá chegar até 30 minutos do término da prática, que dura o triplo do tempo. A coisa ficou ainda mais estranha quando descobri a segunda obs: de acordo com a tradição, a astanga mysore não será praticada em período de lua cheia. Segundo a Charlotte, a tal da aula de astanga mysore é uma aula “livre” onde o aluno (a essa altura eu diria que o aluno atingiu o status de iógui-jr) pratica a sua própria prática independentemente da turma. Nenhum tipo de astanga deve ser feito ou melhor, praticado em período de lua cheia porque o exercício de iôga astanga já é muito intenso, bem como os períodos de lua cheia, portanto seria um exagero fazer os dois juntos. Ao que parece, yoga também é astrologia (antigamente yoga se escrevia com y e se dizia ióga, como eu não sei mais quem está certo eu escrevo e falo de várias formas).

Um dia desses eu estava esperando pelo começo da minha iyengar e uma aula de mysore ia começar. Notei que o professor estava 10 minutos atrasado e concluí que essa aula só pode ser uma zona: você chega uma hora atrasado e faz o que quer. É a graduação da yoga.

Iyengar, por sua vez, consiste numa prática muito paradona onde as posturas são exploradas minuciosa e demoradamente. É bastante recomendada para nós possuidores de colunas estragadas, bem como iniciantes da prática, pois que nela você aprende a usar seu corpo de forma a não se machucar e a atingir um alongamento intenso. Iyengar é chato pra cacete e dói que nem um cão, mas creio ser a forma mais rápida de aprender anatomia, inclusive a sua própria. Dia desses na aula de Iyengar básico o professor começou a dizer o quanto era importante conhecermos os nossos limites e nos ajustarmos a eles (e creio que as explicações e filosofices dos mestres ultrapassem o caráter didático em alguns casos podendo ser aplicados metaforicamente em diversas situações – olha a yoga virando psicologia aplicada). Foi quando ele deu um exemplo: você olha pro lado e vê a pessoa com a perna lá na orelha e fica triste porque a sua nem chega perto. Mas aí você pensa naquela macarronada que só você sabe fazer.

Foi quando concluí que a iyengar é quase uma terapia em grupo: você divide suas dores com o professor, que tem tempo de corrigir todo mundo e ainda busca apoio nos ensinamentos dele.

Isso tudo eu pensei no mesmo dia em que eu vi um sujeito vendendo coelhos no Saara. Eram tão pequeninos que cabiam na palma de sua mão. Eu pensei que era muita sacanagem o cara vender coelhos naquela confusão, que se nós humanos (com coluna boa ou não) já sofremos naquele ambiente imagina um coelho bebê.

Foi nesse mesmo dia que eu concluí que a sala da costura onde as máquinas trabalham é muito mais fresquinha do que a sala onde eu passo a maior parte do tempo. Além disso concluí que cinco técnicos de ar-condicionado foram incapazes de consertar o nosso. Por que mesmo eles são chamados de técnicos? Não sei. Só sei que foi assim.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Tango, suor e suco de uva

Minha função principal é a de assistência de estilo. No entanto, minha principal tarefa do dia foi copiar cds da chefinha pro computador pra gravar no i-pod dela depois. Com isso meu i-tunes ganha mais um monte de músicas, eu pego cds-r emprestados da empresa (as if...) and when I get home to you eu só quero dormir dormir dormir.

Fico feliz de não ter morrido de calor ainda e confesso que estou seguindo o "só por hoje". Tem dado certo, depois de 3 dias estou aqui viva.

O suco de uva do McDonald's é qualquer coisa de N O J E N T O. Por que chamam aquilo de suco de uva? O último suco de uva que mamãe comprou também era meio esquisito. E o pior é que esqueci o nome do que ficou em primeiro no top 5.

Ioga às 7:15 da manhã com uma sujeita chamada Shakti. É pra rir? Nã nã ni. Dói. M U I T O. A Shakti está em primeiro lugar no meu ranking dos professores que um dia ainda vão me matar de esforço e esticação de membros (estou escapando da morte diariamente, serei eu um gato?).

Bajofondo Tango Club. Não é o Gotan Project mas é bom. Veio tocando no trajeto até em casa e me fez feliz. Estou ligeiramente louca por tango, não que o meu conhecimento sobre o assunto seja, digamos, considerável. Mas de verdade mesmo, precisa ter algum?

Filmes na PUC. Aquele da peruca queimada. A M E I. Tenho uma amiga cineasta e ela é demais. O filme ficou belo e ainda está semi-acabado, quando ficar totalmente pronto eu vou me emocionar. Foi uma delícia fazer parte do processo e melhor ainda foi ver a coisa dando certo ao lado dos amigos!

Tenho um amigo que me dá o melhor abraço do mundo!

No fim do dia meus pés ficam inchados e minha manteiga de cacau derretida. Fora a roupa que fica grudadinha nas costas. Isso quando eu não fico grudadona no banco do carro (no metrô eu não me arrisco a sentar).

Estou numa fase de temas obssessivos. Só vou falar de calor durante um tempo... Eu tentei variar o assunto durante esse post mas na verdade o que eu queria mesmo dizer é que hoje no final do dia os homens chegaram pra consertar o ar-condicionado da confecção. Vamos todos rezar a oração que o Senhor nos ensinou????

:: Ouvindo Natalie Merchant porque eu ADORO! cantoras que gritam e se esgoelam!

::: obs. ADORO! a aparição de gente nova nos comentários.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Notícias do SAARA - mais uma parte

Eu faço trabalho voluntário. Ou quase isso. Trabalho por solidariedade e se esse não é o principal motivo do trabalho voluntário então me corrijam.

Meu primeiro dia de trabalho foi, pra ser exata, um longo e caloroso deja vu. E quando digo caloroso não pensem na afetividade que a palavra pode conotar, pensem em calor mesmo.

Faz mais ou menos um ano que saí do atelier de uma estilista porque ou eu fazia aquilo ou ia passar férias no Juqueri. No dia em que entrei no metrô de volta pra casa, sabendo que nos dias e meses e anos e vidas seguintes não teria que voltar praquela confecção de gente doida, eu respirei fundo e prometi mentalmente que jamais me meteria em furada semelhante. Devia ter assinado algum papel que me desse cobertura.

Tudo aconteceu semana passada, quando fui inocentemente almoçar com a ex-chefa. Queria matar saudades, papear apenas. Eu estava totalmente desarmada quando ela me pediu pra voltar. Me encheu de elogios e disse que eu era tão boa pra ela, que sentia tanto a minha falta e aí, bem... Já faz uns meses que saí da terapia e deu no que deu: voltei.

Eu estava hoje na plataforma do metrô em direção à Zona Norte quando o relógio marcava meio-dia e quarenta de segunda-feira. Não é a linha 4 do metrô de Paris, alguns diriam, mas é a única linha que te leva ao SAARA, o que já garante algumas semanas de pesadelo. Os vagões cheios e você indo pro inferno em forma de mercado e aí está: pra quem duvida que o mesmo trauma possa ser causado duas vezes. Até o Delírio Tropical nessas redondezas vira um caos. E ainda não tinha começado a quentura.

Quando a mocinha anuncia Uruguaiana Station eu já começo a suar frio e quente ao mesmo tempo. Quente porque a sensação é de que a temperatura se eleva à mera pronúncia na palavra Uruguaiana e frio porque esses fonemas combinados me dão arrepios. Chego à superfície já ensopada e aos primeiros acordes da rádio SAARA misturados à quantidade de gente que anda devagar e lentamente te impedindo de dar passos do tamanho normal e ainda um tal de berros anunciando promoções e o fato de a temperatura ter-se elevado mais uns 17 graus...

Atravesso a Senhor dos Passos e noto um tapete vermelho, tento fingir que estou em Ipanema, penso em neve e quase rezo pra descobrir que a minha verdadeira vocação é economia, que nasci pra usar tailleur e sapato de bico fino dentro de uma sala devidamente RE-FRI-GE-RA-DA.

Recupero parte da dignidade porque finalmente o antigo sobrado da Rua dos Andradas ganhou um elevador. Antes de tocar a campainha dou uma última olhada para a escada, reconsidero a opção de fugir mas lembro de quanta carência há no mundo e encaro o meu destino cruel: a costureira que me odeia, a sala sem ar-condicionado e os outros funcionários insanos que vou encontrar pela frente.

Calma, é só esse mês, tento pensar. Me distraio com as revistas, etiqueto roupas que vão para os compradores, experimento peças que talvez precisem de ajustes, tento não me estressar com as brigas de chefa e chefo, escapo da costureira que (ainda) quer me matar, morro de fome porque a comida do Delírio não foi suficiente, tento ignorar o telefone, ponho os pés inchados pra cima e jogo conversa fora com a minha patroa que tinge à beira do fogão industrial onde a temperatura se eleva uns 46 graus acima do que faz no SAARA.

Volto pra casa ouvindo Beatles, que no som afirmam Baby you’re a rich man e eu duvido tanto...

Em casa eu tomo um banho, ligo o ar-condicionado e tomo coragem pra perguntar o que eu realmente preciso saber: quem é o louco da história?

sábado, dezembro 02, 2006

Minha alegria, meu cansaço

Os melhores dias foram aqueles de circo, de palhaços e cores vibrantes, os melhores dias foram aqueles de picadeiro e alegria, de corda bamba e trapezista. Os melhores dias foram aqueles de sol, de mar calminho que parecia até piscina, os melhores dias foram aqueles de ventinho no fim da tarde, de picolé sujando as mãos, de castelos que podiam estar em qualquer parte do mundo. Os melhores dias foram aqueles de neve, de bonecos que cresciam junto com a gente, de lareira e poltrona com caneca. Os melhores dias foram aqueles de férias, de dias inteiros com céus que se estendiam até a vista se perder, de gramados enormes pisoteados por tantos pezinhos, de flores colhidas por muitas mãozinhas. Os melhores dias foram aqueles passados no jardim em companhia das bonecas, das formigas e de passarinhos que iam construindo suas casas. Os melhores dias foram aqueles de doces e balas enroladas em papéis brilhantes, de olhinhos ansiosos por pacotes recheados de açúcar. Os melhores dias foram aqueles nos parques cheios de balões e prêmios, dias de carrinhos e carrossel, os melhores dias foram aqueles de tempo girando. Os melhores dias foram aqueles de chuva, de banhos improvisados, de tremer de frio depois, de ficar debaixo da beirada do telhado pra colher mais água. Os melhores dias foram aqueles de sucos, de cheiros fresquinhos e de tanto refresco. Os melhores dias foram aqueles com você, conversa fiada na esquina, olhando no relógio pra não se atrasar. Os melhores dias foram aqueles de farra, ficar acordado até tarde trocando segredos, fazer confidências nos diários e suspirar com o coraçãozinho apertado. Os melhores dias foram aqueles de pic-nic, de pão quentinho com geléia caindo na toalha. Os melhores dias foram aqueles com você, café na livraria e a gente querendo comprar quantos livros pudesse carregar. Os melhores dias foram aqueles de festas, laços nos cabelos e sapatos engraxados, os melhores dias foram os de música com dança, a orquestra tocando e a gente rodando, rodando, rodando. Os melhores dias foram com você, risadas na escada subindo pra aula e a gente querendo entender tanto mundo, tanta idéia. Os melhores dias foram aqueles de calma, flanando por aí, passando por vitrines. Os melhores dias foram aqueles sem pressa, caminhando devagar, andando até longe. Os melhores dias foram aqueles com você, a gente querendo colorir as coisas, dois à toa trocando lembranças e sonhos, fazendo planos e indo assim sem saber como. Os melhores dias foram antes de você chegar, dias de noites em que eu dormia, de dias em que eu acordava.

quinta-feira, novembro 23, 2006

sexta-feira, novembro 17, 2006

Balada de um set

(ou: traumas do figurino)

Eu tinha ido à casa do Chico de tarde. O Chico era o diretor do curta e também intérprete de um dos papéis, além de ser também o roteirista e o produtor associado. O Chico foi meu primeiro Orson Welles e com ele o primeiro trauma dessa missão figurino. Saí da casa do Chico com uma sacola de roupas onde eu levava opções para o figurino da atriz. Havia 3 saias e 4 ou 5 camisetas do meu acervo que, até então, era apenas o meu armário pessoal (não que ele tenha aumentado tanto). Dentro da sacola havia, também, uma calça do Chico. Fui-me embora levando a sacola onde ainda havia um sapato preto liiindo que não tinha nada a ver com a história. A sacola ficou na mala do carro e na noite seguinte o carro, estacionado perto do bar onde eu estava foi assaltado. Levaram o som do carro e também a sacola com as roupas do curta. Além de ter que consertar a porta do carro e ainda gastar uma grana comprando outro som, nesse dia eu ainda fiquei sem meu sapatinho preto e o Chico sem a calça dele. As filmagens do filme do Chico foram durante 3 ou 4 dias em Teresópolis, numa casa que parecia o Big Brother de tanta gente junta, das quais eu não conhecia quase nenhuma. Nesse dia eu achei que as equipes de filmagem deviam vir com algum crachá ou algo que os identificasse com seus nomes e funções. Depois de 3 ou 4 dias numa casa em Teresópolis acordando às 4 da manhã pra tomar banho num frio de 15 graus depois de terem roubado parte do meu acervo e ainda sem ganhar nem um tostão e na verdade ainda pagando pra isso eu prometi pra mim mesma que nunca mais faria filmes de amigos.

O filme da Anita, por sua vez, me gerou dois traumas: financeiro e pessoal.

Descobri, ao final das filmagens, na mesa de chope comemorativa, que sou uma peste no set. Eu convenço a equipe a jogar adedanha, pulo e falo demais e disperso as atenções das pessoas. A Anita só não me matou porque pouco antes da gente descobrir a minha verdadeira personalidade evil (em se tratando de sets de curtas, que fique bem claro) houve um acidente grave com o figurino. Em certo momento, a personagem principal vestia uma peruca, peruca esta que foi exaustivamente procurada por brechós, feiras, casas de amigos, Saara e etc. Finalmente, restava a opção de pegar a peruca emprestada na Fiszpan, uma loja especializada no objeto e lá fui eu me aventurar no mundo dos cabelos sintéticos. Consegui a maldita, linda, chanel preta de franjinha, uma graça que custava algo em torno de mil reais. Protegi a peruca como eu protegeria um amigo e a recomendação enfática da mocinha da loja não me deixou dúvidas: a peruca estava terminantemente proibida de ficar próxima de calor. O que a Anita esqueceu de me contar é que numa das cenas a personagem brincava com uma labareda de fogo justamente quando usava a peruca. E lá pelas tantas, depois de 3 takes, a diretora quis rodar mais uma vez só porque na quarta vez a labareda ia ficar super poderosa e queimar parte da franja da peruca. Sim, isso aconteceu, e a atriz teve sua sobrancelha levemente chamuscada, bem como seus cílios. E cá estou eu, com um rombo de quase mil reais na conta bancária. E uma peruca no armário.

Depois do filme do Chico eu prometi que nunca mais ia fazer filmes de amigos, porque achei que o prejuízo era ligeiramente maior que o prazer. Depois do filme da Anita eu prometi que nunca mais ia fazer filmes de amigos porque descobri que, além de falida, eu sou do mal e que trabalhar 17 horas seguidas cansa. Depois de filmes de amigos eu resolvi que iria estudar medicina, fazer concurso público ou trabalhar em qualquer outra coisa que envolvesse jornada de trabalho humana, 13o, férias remuneradas e afins.

Eu nem sei bem como eu fui parar nos filmes dos amigos em primeiro lugar, só sei que está cada vez mais difícil de sair!

:: E no meio disso tudo o iluminador, um cara mais velho que trabalha com cinema há anos, contou as histórias dos bastidores de Super Xuxa contra o Baixo Astral. Pirei tanto que comecei a cantar Arco-íris.

sábado, novembro 11, 2006

You don't know me *

Você não conhece nada do que está por baixo, tanta renda em cima e lá vem você com seu dedinho apontado querendo me ensinar o mundo e as coisas, quando quem devia ensinar era eu.

Você não me conhece nada, não me sabe quando eu fico nervosa de dar ataque, você não me conhece com raiva, não sabe o que me dá raiva, você, às vezes, me dá raiva. Você não conhece o que a minha bondade pode fazer, você nunca me viu santa e não faz idéia do quanto eu me dôo e dou, você não me conhece assim de mãos dadas com as pessoas, você não me sabe benevolente e gentil. Você não me conhece viciada, nunca me viu querendo alguma coisa na veia, você nem mesmo tem idéia das drogas de que preciso, sequer desconfia que na lista consta seu nome ocupando posições privilegiadas, você não imagina o quanto te quero e cada vez mais e você não poderia medir o quanto a vontade cresce e preenche e quanto sangue circula e quanto tempo eu seria capaz de passar ao seu lado, muda, calada. Você não imagina como eu sou devota e prestativa, nunca me viu Amélia e não me sabe mimando e fazendo vontades, nem mesmo desconfia de que eu faria todos os seus pratos preferidos. Você não me conhece vaidosa e perfumada, nunca me viu provocantes, você não imagina o quanto eu sei ser sexy e insinuante, você não me sabe mulher e não me conhece atraente. Você nunca me viu bagunçada no dia seguinte, rosto amassado, acordando devagar, você não faz idéia do quanto acordo mansinho e tranquila, você não conhece metade da minha calma. Você não sabe como eu sou protetora e nem deve saber o quanto eu estaria disposta a te salvar, você nem calcula quanto tempo eu passaria te desviando dos buracos. Você não sabe porque você não me conhece e não tem a mais rasa noção do quanto eu posso ser boa e companheira, você não conhece o meu abraço doce e o meu beijo mais íntimo, mais guardado, você não me sabe afetiva e não conhece meus afagos, você não me conhece com mania de carinhos. Você nunca me viu com mania de cantar, você não me conhece alegre com volume alto, você não me sabe cheia de melodias e sons, você não tem qualquer idéia a cerca da minha vontade de passar dias inteiros cantando, você não me conhece dançando. Você nem sequer imagina o quanto eu poderia morar numa coreografia, você nunca me viu assim, não me sabe de sapatilhas. Você não me conhece sonhando e fazendo planos fantásticos, você nunca me viu pendurada nas nuvens, você sequer saberia dizer quando etou distraída pensando em cores, você não me sabe surrealista e onírica. Você não tem noção alguma de como sinto medo, você não me conhece assustada, você nunca me viu correndo de fantasmas, você não me sabe indefesa e chorando por ajuda, você nunca me viu pedir ajuda e não sabe como você mesmo é parte dela. Você não me conhece e não sabe um terço das minhas tantas facetas, você nunca me viu fingida e dissimulada, você não me conhece enganadora e não faz idéia do quanto eu seria capaz de perturbar porque você não me conhece chata. Você não sabe como eu fico insuportável e nunca me viu num dia em que você adoraria me mandar ir à merda. Você não em conhece na merda, nunca me viu deprimida, não me sabe curtindo fossa porque você não me sabe triste e feia, você nunca me viu abafada no travesseiro, você não pode me imaginar tentando curar de dor de cotovelo, nem sequer desconfia de que você até causa um pouco dela. Você nunca me viu rejeitada, você não me sabe humilhada e sequer pode pensar no quanto às vezes fico no fundo do poço. Você nunca me viu dramática, não me conhece protagonista de novela mexicana, você não imagina o quanto eu poderia fazer charme, chantagem barata, você nunca me viu carente pedindo atenção e não deve saber que faria o que preciso fosse pra ter o seu colo, seu conforto, você nunca me viu decidida e você não me conhece ambiciosa. Você não sabe como sou ciumenta, nunca me viu possessiva e sem razão e assolada por crises de ciúme e nem deve cruzar sua mente o quanto você é responsável por isso que eu sinto e nem me viu fazendo cena, você não me conhece pra saber que jamais faria uma cena. Você não imagina como luto por pequenos pedaços de coisas e também coisas inteiras e grandes, você não tem idéia de como eu tento alcançar tantos cumes tantos dias. Você não me conhece e não tem vaga noção de como eu sou debaixo da farsa, da frieza, você não faz idéia de como eu me escondo, você não me conhece escancarada e assumida, você não me sabe disposta e com sede, você não me conhece. Você não me conhece de todos esses jeitos porque nunca me viu apaixonada, não me sabe amando, não me conhece louca, não me vê namorada.

Você não me conhece nada, tanto tecido por cima, e lá vem você com seus olhos brilhando me dando as direções, quando sou eu quem devia te domar por completo. Você não me conhece e aposto que nunca vai me conhecer por inteiro. E não há nada que eu possa te mostrar por detrás da parede.

* inspirado em Caetano e em sua música-vício que dá título a esse post, do disco Transa, de 72.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Dance me to the end

(um post sério sobre dança e duas observações aleatórias para quem quiser pular quatro parágrafos)

Eu sei pouquíssimo sobre dança. Tenho algum conhecimento técnico, uma vaga idéia de como funciona a teoria e nenhuma literatura no assunto. O máximo que leio são críticas no jornal e os releases impressos, além das “explicações” que inevitavelmente preenchem, ao lado de fotos e ficha técnica, os folderes de espetáculos a que assisto. O problema começa justamente nesses folderes. Parte do texto de hoje dizia: “... encontrou espaço para criar uma escrita com os corpos que se movimentam num não-lugar onde as perguntas não ditas convivem com a certeza da ausência de resposta.”. Nesse momento eu questiono desde quando dança virou tese de filosofia? A chatice começa a partir daí, desde o momento em que se fez necessário haver uma explicação para cada montagem de dança contemporânea. São explicações e descrições cada vez mais rebuscadas que buscam apoio em “não-elementos” em “não-espaços” e por aí vai e ao final da coisa a única certeza que você tem é a de que não-entendeu-nada.

Diferente dos grandes ballets, a dança contemporânea não segue uma narrativa, suas montagens não tem a linearidade de histórias repletas de personagens e músicas, muitas vezes nem música tem. O bacana do contemporâneo é que ele permite explorar uma série de linguagens e movimentos que o ballet restringe, ele brinca com inúmeras possibilidades muitas vezes incorporando outras artes, desde vídeos até falas e acaba se confundindo, às vezes, com uma performance. O legal da dança contemporânea, a meu ver, é o inusitado que pode se tirar dela, a substituição do palco pelas ruas, por exemplo, os toques de humor que podem vir com colagens de músicas ou mesmo a participação do público e por aí vai. A busca por um estilo e a personalidade que alguns coreógrafos imprimem em seus trabalhos são fascinantes, a capacidade que eles têm de produzir espetáculos com suas assinaturas sem cair na mesmice, enfim, o que mais me atrai na dança contemporânea é que finalmente bailarinos e coreógrafos puderam despadronizar os passos clássicos e criar seu jeito de dançar. Quando isso tudo vira um discurso quase político, uma defesa de argumentos que só atinge o público iniciado, o espetáculo todo vira um engodo difícil de agüentar.

É tão bom ver um espetáculo coeso e original e, em certos momentos, achar que está na hora de aplaudir e ser pego de surpresa pelo retorno dos bailarinos, ou ao contrário, ouvir um silêncio desconfiado e só se dar conta de que a apresentação chegou ao fim quando os bailarinos finalmente agradecem. E o melhor é quando a coesão e a originalidade existem aliadas a um conceito claramente pesquisado, mas acessível ao público leigo. Creio sentir falta disso: espetáculos estudados e embasados mas sem aquele esnobismo que precisa de teóricos e discussões para ser entendido. No fim das contas procuramos assistir dança pelo que o próprio nome sugere, e não para vermos uma série de clichês e teorias fantásticas enfileirados em “corpos que se movimentam”. Quando as coisas ficam eruditas demais, cansa. Ninguém agüenta mais ver bailarinos com cara de nuvem dando voltas em torno de si mesmos ou fazendo andanças e corridas intermináveis pelo palco. E mais que isso, ninguém agüenta mais ler releases escritos por redatores. É por essas e outras que dou mérito pra algumas cias que já entenderam que o bacana da arte é que ela seja absorvida tanto pelos estudiosos quanto por gente que busca um pequeno prazer estético. O incrível da dança é sair de um espetáculo com vontade de fazer o mesmo que os bailarinos fizeram no palco e ao mesmo tempo saber que às vezes vê-los já é suficiente.

E outra: a vida inteira iluminador era iluminador, não me venham com essa de “desenho de luz” porque comigo não funciona.

:: Já é natal na Leader Magazine mudou para “Já é natal na Leader, já é hora”. Por causa do reposicionamento da marca no mercado o nosso jingle natalino mais marcante mudou e eu fiquei meio nervosa.

:: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias é, para mim, o filme do ano.

terça-feira, outubro 31, 2006

Ação:

Um pai andando pouco à frente de seu filho que carrega um jogo de videogame nas mãos. O filho deve ter oito ou nove anos. O pai vira-se para trás e diz em voz alta: viu como o papai é legal e te trouxe num lugar maneiro? Ele diz variantes dessa frase três vezes, a última das vezes é seguida de uma cusparada no chão. Na quarta vez que o pai faz a pergunta retórica o filho concorda, meio desconfiado. Estamos quase na esquina da Buenos Aires com a Avenida Passos, Saara, Centro, Rio de Janeiro. É sábado e faz calor e sol. O guri tem razão pra desconfiar. E eu tenho razão pra sair correndo.

A feira de Antiguidades da Praça XV é ótima. Melhor ainda para quem tem paciência e um cuca-fresca portátil. A feira de Antiguidades da Praça XV tem objetos e bugigangas antigas dessas que nos fazem querer montar um quarto todo novo cheio de prateleiras novinhas só para enche-las todas de coisinhas velhinhas. A feira de Antiguidades da Praça XV tem um Nintendo à venda. Tem também controles remotos, telefones celulares e computadores. A feira de Antiguidades da Praça XV, vejam só, se distancia muito rapidamente dos anos 90 a ponto de considera-lo antigo.

A filmagem aconteceu no Parque das Ruínas durante dois dias. Lugar fantástico e não fossem os 4536 morros que circundam a região fazendo de Santa Teresa um bairro complicado e eu afirmaria que é o lugar mais gostoso do Rio. E também o mais diferente da cidade (e por isso mesmo o que tem mais personalidade, será?). Nada mais charmoso que o bonde amarelo, as casas, os cantinhos e o Parque das Ruínas. Foram dois dias de filmagem e ao fim do primeiro a equipe toda já tinha algo em comum: o bronzeado. Sol na cabeça durante quase todo o tempo e o look camarão pegou em todo mundo, com pequenas variações nos decotes. Muito versátil.

Quinta-feira vem aí pra refrescar os dias, é o que dizem do feriado de Finados. Enquanto isso, alguma sugestão para ombros que ardem?

obs. o melhor de matar saudades do Saara é a espera por nota fiscal dentro de qualquer estabelecimento (e se o nome do mesmo for Babado da Folia ou algo do gênero então é batata) porque de quebra você ainda mata saudades da Nativa FM.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Teoria

Diz uma amiga minha que lembrava de mim da época do colégio, mas reconhece: eu jamais falaria com ela pelo simples motivo de ela ser um ano mais nova que eu. Portanto, eu estaria cometendo suicídio social.

As coisas mudaram e hoje se mata socialmente quem não fala ADORO! (ADORO! vem sempre acompanhado de, no mínimo, uma exclamação e deve ser escrito em caps lock bold).

Tenho pra mim que é uma nova espécie de “tipo assim”. Ou pior. Tenho pra mim que ADORO! é o primeiro passo para a conquista do espaço (a rima é puramente acidental).

Quer ser aceito? Diga ADORO!. A “expressão”, fortemente disseminada no meio gay, rompeu as barreiras do mundinho e ganhou os jovens não gays. Um dia o ADORO! vai dominar o mundo. É serio. ADORO! virou frase que faz sentido e te identifica imediatamente como uma pessoa contemporânea e sem preconceitos. Em duas recentes festas fiz amizades porque eu usava algum acessório ou roupa que meus amiguinhos bichas curtiram, quer dizer, ADORARAM. E de repente comecei a ouvir ADORO! pelas ruas, ADORO! nas rádios, ADORO! no metrô, na praia, ADORO! no ônibus e dito por gente de todo jeito, mocinhas, vendedores da Travessa, vendedores de biscoito Globo, vendedores em geral e acredito que até mesmo criancinhas ADOREM um monte de coisas e provavelmente a minha avó ADORA tricotar com as amigas. Quase creio que ADORO! é um vocábulo esperantino (do esperanto) que veio unir os povos. Se você está precisando fazer amigos ou conhecer gente nova ou simplesmente não sabe bem o que dizer numa roda de conversa, siga o meu conselho e entre no clima, é fácil: abra a boca e diga ADORO!.

(Hoje, porém, aprendi que a expressão “bem melhor” também pode ser de grande utilidade: experimente dizer um bem melhor ao final de diversos assuntos aleatórios. Principalmente ao ouvir a combinação “não é?” ou o compacto “né?” sendo dirigido à sua pessoa e você não prestou atenção a nada do que foi dito, manda um “bem melhor”. É batata. Foi quando pensei melhor nessa história toda de ADORO! e saquei que bem melhor é vanguarda. De repente o ADORO! ficou até meio retrô. Ok que a gente ADORA vintage. Mas cá entre nós beibe, bem melhor é bem melhor.)

obs. Fui citada no http://www.tribuneiros.com/ no texto do Andreazza, vulgo C.A. ADORO! Quer dizer, bem melhor! (o título do texto é Tênis de Rodinhas)

sábado, outubro 21, 2006

Das coisas que eu quero:

é uma lista enorme que vai desde sorvete Itália refil em casa a qualquer hora até todo o estoque de dvds da locadora de filmes. Mas sendo bem honesta: ultimamente nada me causa tanto fascínio quanto os tênis de rodinhas que fazem crianças deslizarem pelos shoppings.

“Ouça, querida, não fique assim com essa mentalidade de donzela folhetinesca, não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Não há gente completamente boa nem gente completamente má, está tudo misturado e a separação é impossível. O mal está no próprio gênero humano, ninguém presta. Às vezes a gente melhora. Mas passa.”
Otávia para Virginia em Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles.

quarta-feira, outubro 18, 2006

E é assim o nosso jeito de viver

A gente lê livros importantes, conhece um pouco da obra do Machado de Assis e tem autores bacanas e renomados entre os nossos top 5. A gente lê a coluna do Zuenir, adora o João Ubaldo Ribeiro e tenta ler sempre alguma coisa em inglês pra não perder o jeito. A gente gosta de revistas, procura a Piauí na banca e planeja ir à Bienal esse ano. A gente vai sempre ao CCBB e ao MAM e é capaz de distinguir algumas fases do Picasso. A gente fica deslumbrado com o Chagall e coleciona livros da Taschen e tem até um pôster do Klimt emoldurado na parede. A gente tem sempre um personagem de quadrinhos preferido, seja Lucy Van Pelt, Hobbes, Tim Tim ou Persépolis. A gente gosta de moda e acha o Balenciaga incrível. Temos perfume francês e nos vestimos de Zara só porque a Isabela Capeto ficou muito cara. A gente lê No Mínimo e adora o João Moreira Salles. A gente vai ao teatro e ao cinema e sempre concorda quando alguém diz que o Kubrick é um gênio. A gente é fã do Chaplin. A gente come japa na Dias Ferreira e toma drinks em bares moderninhos. A gente se desespera nas eleições e acha um absurdo os jogadores de futebol perderem a copa ganhando milhões. A gente escuta músicas inteligentes, seja no ipod ou no som do carro e torce o nariz pros axés e funks de baixo nível. A gente é tão aculturado e bem informado e tão elitizado e tão bacana. A gente é bacana e não perde a pose.

Mas quando o Fagner canta “Deslizes” a gente fica muito feliz por ser feliz mesmo sendo cafona!

"E como prêmio, eu recebo o teu abraço / Subornando o meu desejo tão antigo / E fecho os olhos para todos os teus passos / Me enganando, só assim somos amigos"

domingo, outubro 01, 2006

Lá o mundo tem razão

Fazia frio no Vale do Loire, mas não um frio de luvas e cachecóis. Parece que a temperatura estava na medida certa e a união do outono com sol produziu dias deliciosos. Aliás, tudo o mais naquela região cabe no adjetivo.

Os dias foram uma combinação de vinhos e castelos que resultou num passeio de balão, tudo muito cercado de belezas e vistas e verdes e reis e rainhas e tapeçarias que, juro, não são efeito da uva.

Provavelmente um dos lugares mais lindos que já vi. Mesmo que tentasse não poderia escrever qualquer coisa à altura.

Só algumas pequenas observações: a Disney se inspirou nesses castelos, sem dúvidas, e todos aqueles desenhos que fazíamos quando crianças são (em parte) reais. Em diversos momentos das visitas aos chateaus eu podia jurar que Rapunzel estava andando a meu lado, e não seria de todo espantoso se ela estivesse.

Histórias de reis e rainhas me fascinam. Muito.

Tudo parece cenário de filme, até os vinhedos com as uvas plantadas todas certinhas.

Na segunda etapa da viagem fomos (papai, eu e o GPS) à costa da Normandia onde a 2a Guerra Mundial começou a ser definida pelos aliados. Ruínas de bases alemães, praias do desembarque, uma pequena cidadela onde os pára-quedistas aterrisaram, museus repletos de armas e uniformes e objetos pessoais (fantásticos! embalagens de remédios, cigarros, terços, fotos, mapas, livros etc) dos soldados e cemitérios, muitos cemitérios tanto aliados quanto alemães, tudo de arrepiar. Muitos nomes e números aterrorizantes e paisagens belíssimas e melancólicas. Dia intenso e emocionante. Muito emocionante.

Finalmente fomos parar em Honfleur, uma cidade que foi um porto importante e de lá conhecemos ainda Deauville e suas ruas chiques e elegantes.

Viajar com papai é sempre uma mordomia e um prazer e ainda estamos, eu e ele, muito abobalhados com tudo o que vimos. Principalmente com o GPS.

A chegada em Paris já rendeu o primeiro encontro: Bebel.

E as primeiras cenas bizarras também. Dois ou três casais de noivas japonesas posavam no meio da Place de La Concorde com um monte de japoneses juntos. E muitas limusines e carros com flores ao redor da japonesada que posava para fotos.

Eu achei que as filas de Barcelona eram grandes até me deparar com a quantidade de gente na porta do Dorsay, pra citar apenas um dos museus.

Franceses são lentos e não têm pressa em servir. Nunca.

Cães estão por toda a parte e são tão tão tão encardidos que acredito que a lenda de que os franceses não são fãs de banho se estende a seus animais de estimação.

Ainda tenho dois ou três encontros pela frente, e depois eu conto (algumas coisas).

domingo, setembro 24, 2006

Albergue espanhol - parte 2 e final

(últimas notícias gripadas de Barcelona)

O terceiro dia em Barcelona veio junto com os primeiros furos nas financas. Comecou na lojinha do Centro Cultural Caixa Forum, onde fui ver a exposicao do Henry Moore. Tenho loucura por lojinhas de museus europeus. Sai de lá com a primeira sacolinha contendo dois livros.

Saindo de lá, segui caminho para a montanha de Montjuic. Foi no terceiro dia também que minha simpatia por Barcelona aumentou consideravelmente. E foi també, no terceiro dia, que a gripe deu sinais de ter evoluído para uma virose cheia de náuseas.

Chovia muito e meu guarda-chuva provou que ser exagerada na hora de fazer mala pode ser ótimo.

Eis que chego à fundaçao Joan Miró (achei o ç!) e dou de cara com obras do Tàpies (premio de consolaçao por sua própria fundaçao estar fechada?). Há também uma fonte do Calder e essas obras de trceiros me interessam muito mais que o Miró em si, tanto que nao demoro muito e já estou subindo a montanha de novo.

O Castelo de Montjuic parece ser um dos poucos lugares de Barcelona onde nao há uma multidao de gente e é de lá que tenho uma vista estonteante da cidade. A Sagrada Família vista do alto me parece ser infinitamente mais interessante que de perto, donde só se veem andaimes, uma piada.

Duas consideraçoes sobre esse povo: eles sao mais fanáticos por futebol do que nós, sobretudo os torcedores do Barça. Duvida? Há uma geladeira estilo vintage nas cores do time, listrada e com brasao aplicado. Tenho foto. A outra: os catalaos tem os cortes de cabelo mais medonhos.

Lá pelas 4 da tarde vou voltando para o ape pela orla. Há festa em toda cidade. A praia de Barceloneta vive o que parece ser o "Dia da Pipa" com criancinhas de rosto pintado correndo pra lá e pra cá fazendo algazarra. Ao me aproximar do ape decido botar em prática uma das minhas especialidades: andar sem mapa pelas ruazinhas estreitas do Bairro Gótico. Precisava achar um lugar pra comer e encontrei, além disso, um bairro encantador e fascinante. Entrando e saindo de ruelas fui parar no Bairro Borne, tao maravilhoso quanto o Bairro Gótico e comecei a achar Barcelona uma delícia. Cada prédio mais lindo que o outro, pequenos cafés e lojinhas e descubro algumas coisas de moda tao bacanas que nao resisto à tentaçao de fazer o primeiro graaaaande estrago no bolso (os livros foram brincadeira). Fui recompensada quando, voltando para o ape, uma espanhola me parou na rua para perguntar onde era a tal loja, eu, orgulhosa com minha sacola, comecei a me sentir completamente habituada. Sigo pela Via Laietana onde há um Starbucks. Ao sair do café já é noite e a rua está tomada por uma multidao enquanto uma espécie de "parada" acontece. Um batuque muito aquém do Olodum e algumas "alegorias" pequenas que parecem ser dragoes soltando fogos de artifício muito aquém de Copacabana.

Chego ao ape mais de 10 da noite e caio na cama.

No quarto dia, quase como um mantra, repito mentalmente "sou brasileiro e nao desisto nunca". A gripe nao dá trégua. Quando me vejo chegando no Bairro de Gràcia A PÉ (é longe do ape) entendo que com Redoxon (e sentando em quase todos os banquinhos ao longo do caminho) se vai longe.

Insisto na fundaçao Tàpies, que desta vez está aberta. O prédio é magnífico e a biblioteca é um charme. Mas me decepciono ao perceber que somente uma das salas de exibiçao esta aberta. O que mais me chama atençao é uma menina que passeia pela sala de exposiçao montada numa bicicleta. Na lojinha eu piro de novo mas diante dos preços acho que o melhor mesmo é levar um postal de lembrança.

Há uma feira de livros pela Passeig de Gràcia. De repente me deparo com uma barraca onde se vendem livros da Taschen a preço de banana. Livros enormes, de capa dura, todos a preços irrisórios. Me contento com um afinal de contas nem cheguei a Paris e já tenho 3 volumes a mais na bagagem.

Havaianas: todo mundo usa. O slogan nao poderia ser melhor e mais realista.

O Parc de la Ciutadella também está em festa: há um grande circo montado, vendedores de baloes e uma série de atividades, além de gente, muita gente, criancinhas felizes aproveitando o domingo ensolarado, gente fazendo pic-nic, tocando violao, brincando com os filhos, olhando o dia passar. Gostaria de ficar ali sentada na grama por horas a fio. Mas é meu último dia e ainda tenho uma missao a cumprir.

No fim das contas achei Barcelona um barato. Cidade viva e vibrante (nao poderia ser diferente dada a quantidade de gente) com os prédios mais fantásticos que já vi na vida.

Guardo minhas últimas forças para finalmente encarar a fila do museu Picasso.

Próximas notícias da França!

:: as esperas de onibus e voos me fazem ter uma potencial inveja de todo e qualquer possuidor de um ipod.
A moça da farmácia do Redoxon era uma fo-fa!

sexta-feira, setembro 22, 2006

Albergue espanhol

(notícias de Barcelona - parte 1)

Antes de tudo a viagem de vinda: o cara que projetou o interior de aviao merece que seu caixao tenha sido o mais apertado possível. O sujeito que achou que uma cadeira com inclinacao máxima de 10 graus era o suficiente para o viajante da classe economica estava completamente desavisado. Sendo humanamente impossível dormir nessas condicoes, palavras-cruzadas, livros e a Caras emprestada da minha vizinha. E foi bom que tenhamos ficado buddies porque eu estava sentada na janela e ainda nao tinha um plano eficaz para ultrapassar meus vizinhos caso quisesse levantar.

O aeroporto do Rio é uma grande piada. O de Paris é grande demais.

Fui tao alertada sobre a proibicao de pasta de dente nos voos que fui para o aeroporto sem ela, na crenca de que encontraria alguma no freeshop. Rá. Nao havia pasta de dente. Bala de menta.

Escala em Paris e segui pra Barcelona.

Uma vez em terras espanholas tratei de achar pegar minha mala e ir caminhando em direcao a saida. Estranhamente fui saindo do aeroporto como uma clandestina, sem passar pela imigracao, alfandega ou coisa assim.

A escolha do taxi foi beeeeem acertada, note bem: o homem xingava ate postes e me desovou numa rua grande e disse "a rua que voce quer é aquela". Pensei eu porque diabos o homem nao queria me deixar la... Fui carregando minha mala de 20 quilos. Umas 4 ou 5 quadras. Ao chegar ao hotel a mocinha me encaminha para um outro predio onde me espera um mocinho. Atencao: o hotel (reservado por papi) é, na verdade, um apartamento. Tenho fogao, maquina de lavar, copos, pratos, produtos de limpeza e uma geladeira habitada por agua, suco de laranja, coca-cola, iogurte, uvas e uma lata de cerveja Quilmes. Encontrar um supermercado aberto as 3 da tarde na cercania do meu "ape" foi tarefa complicada. Tudo fechado. O que me arrisca a dizer que além de grosseiros os espanhóis sao preguicosos.

Na farmácia: a mocinha me lancou o maior olhar de desprezo que ja recebi. Tudo isso porque eu estava na duvida entre duas pastas de dente e pedi a opiniao dela, sendo que uma era homeopatica e outra branqueadora. Quis explicar pra ela a problematica causada por atentados terroristas e a proibicao de pastas de dentes nos voos e etc. Achei melhor comprar a pasta mais cara.

Ao sair da farmacia, cansada, com fome e desprezada pela vendedora vejo um Starbucks Coffee e a vida faz sentido novamente. Entao fui parar numa praca onde havia uma feira de antiguidades bonitinha. E na volta para o ape descubro que o Museu Picasso é na minha esquina. Sim, a vida ainda deve valer a pena, nao fosse a fila do Museu Picasso eu afirmaria.

As 5 da tarde eu desmaio no sofá com dor nas costas, joelho, nariz entupido e uma incapacidade de me mexer. As 6 da tarde tomo coragem e vou dormir na cama.

Dia 2: acordo muuuuito gripada. Great! Espirro a cada 3 minutos, tenho uma lentidao dentro de mim e estou em Barcelona. Tomo um banho, cafe da manha e coragem e me junto a horda de turistas.

Minha primeira parada é a Casa Batló, uma das construcoes de Gaudi. Inutil tentar descrever. Foram os 13 euros mais bem gastos da minha vida. Tenho certeza que o impacto que esta casa teve sobre mim deve ter sido o mesmo que a Disney, ha mais de 10 anos.

La Pedrera também é magnífico, mas nao encarei a fila para entrar.

Quando chego ao Parque Guell comeca a chover e me ocorre a melhor ideia que ja tive nos ultimos tempos para os futuros viajantes que tenham destino a Barcelona. O plano é: infiltrar pastas de dente nas bagagens de mao de todo e qualquer viajante de aviao de forma que estes sejam confundidos com terroristas e menos gente consiga chegar a esta cidade. Foi no Parque Guell que desisti de tirar fotos, dada a quantidade de pessoas em todos os lugares. Lindo e insuportável (salve o Ibama que controla a entrada de gente em Noronha, todo lugar devia ser assim).

Lá pelas tantas, depois de muito me perder (e com mapa) fui parar numa Igreja gótica belíssima. Dentro da Igreja acontecia um casamento. O padre falava catalao, uma das leitoras lia em ingles e varios turistas caminhavam pela Igreja. Confuso.

Até aqui essa é a única conclusao: Barcelona é confusa que nem a Igreja. Muita gente, muita fila e uma série de coisas inusitadas.

Fim do dia e agora rumo para o apartamento onde mais uma vez vou ficar imóvel no sofá porque amanha tem mais.

:: maior decepcao: Fundacion Antoni Tàpies fechada até o dia 28... nao estarei mais aqui.
meu portunhol esta arrasando! E que diabos de lingua estranha essa que eles falam...

domingo, setembro 17, 2006

Take me out

Ir à praia em grupo é sempre melhor que sozinha e te leva a fazer coisas que você se julgava incapaz como jogar futebol e altinha;

Altinha causa hematomas no pé direito, o que é normal. Mas o hematoma da perna esquerda ainda é incompreensível;

A festa que seria a mais incrível do ano valeu a pena mais pelo cachorro-quente que pelo resto;

Tenho loucura por casarões em Santa Teresa;

Casarões na Glória também são fantásticos;

O bom de parar de fumar é que ficamos mais cheirosos, o ruim é que ficamos ligeiramente miseráveis;

Toda vitrine tem um macacão, um sapato de glitter, uma sapatilha de Poá, alguma coisa estampada xadrez vichy e roupas de bolinhas;

Toda viagem é precedida de uma lista de coisas que temos que comprar e a gente começa a falir no momento em que entra na farmácia;

“A Dama e o Unicórnio” é uma tapeçaria medieval que inspirou um livro maravilhoso, livro este que foi devorado em um dia e a idéia de estar a poucos dias de entrar na sala onde a obra está pendurada me leva a crer que a vida não vale a pena sem aviões;

As 12 horas de classe econômica combinadas à problemática da vértebra lombar L5, porém, me preocupam (e muito mais do que o fato de eu não poder escovar os dentes durante o trajeto);

Eu tenho uma amiga que apaga postes;

Manoel e Joaquim não tem mais bolinhas de queijo no cardápio e isso é tão grave quanto o fato de o Nova Capela, o Jobi e uma série de outros bares servirem Pepsi em vez de Coca-Cola;

Pepsi, na minha opinião, é tão útil quanto o quiosque da Lagoa só aceitar Diners;

Pepsi mais Diners é tão eficaz quanto a minha tentativa de acertar a bola na altinha;

O mais legal do show do Franz Ferdinand eram os ventiladores tipo cuca-fresca;

O plano é: platéias de shows devem ser organizadas por altura. As áreas devem ser reservadas para pessoas de até 1.50m, 1.60m e por aí vai, de modo que todos consigam ver o que ocorre no palco;

Se o plano der certo, procure pessoas da sua altura pra ir a shows com você;

Não prometo nada, mas se houver tempo, paciência, boas histórias e euros eu mando notícias de lá, caso contrário esse blog fica de férias até o dia 10 de outubro;

“Preciso pegar minhas coisas e partir. Viajar, esquecer, talvez amar.”
Caio Fernando Abreu (ele vai comigo).

Não vou andar de trem. Não vou a Narbonne. Wish me luck.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Do lado esquerdo

Se encontraram nessa vida porque tinha que ser assim, de outro jeito seria covardia com todos.

Cada um era de um jeito, de um canto, mas tinham os corredores da faculdade em comum, exceto um ou dois, que por sorte ou destino tiveram um show pra se conhecer, uma banda que os fazia cantar juntos, um reveillon com fogos, um aniversário em janeiro e um carnaval em fevereiro.

Com o tempo descobriram que seus cantos estavam mais próximos do que supunham, que suas praias eram bem parecidas, que seus jeitos se gostavam e que mesmo quando discordavam em tudo conseguiam fazer piada e rir de si mesmos. Descobriram que rir em grupo era melhor, e que discordar em grupo gerava conversas que ficavam cada vez mais inacabáveis, interessantes e irresistíveis.

E foram descobrindo que juntos ficavam incríveis e que estarem cercados uns pelos outros era o suficiente pra não conseguirem conter sorrisos, e terapia nenhuma solucionaria seus casos não fosse pela certeza de suas companhias.

E cada café é uma celebração, todo chope é uma festa e quando bebem vinho ficam loucos e perto dos deuses.

Podiam ter apenas se esbarrado, mas concordaram que a melhor idéia era um grande abraço.

“Muito sério, disse-lhe que, depois do tempo transcorrido, considerava-o um verdadeiro amigo. Vinha-lhe propor que celebrassem a cerimônia da amizade recíproca. Era muito simples. Consistia em trocar os respectivos nomes, sem perder os próprios. Assim o fizeram, e, desde então, seu vizinho passou a se chamar Tioka-Koke e, ele, Koke-Tioka.”
Vargas Llosa em O Paraíso na Outra Esquina, sobre a amizade de Paul Gauguin e seu vizinho.

sábado, agosto 19, 2006

om.

Fui à ioga e descobri que, mais difícil que as posturas, é não rir enquanto o professor de nome estranho canta mantras. No primeiro dia foi Sushiila. Sushiila não é nome de mantra, é nome da pessoa que deu aula. Mas podia ser também nome de mantra, ou nome de postura, ou qualquer outra coisa, porque com certeza um dos objetivos da ioga (ou do ioga?) é trazer à tona um mundo novo de palavras em sânscrito, ou qualquer outra língua porque no fim das contas você não sabe mesmo o que está dizendo.

Minha primeira aula foi ioga 1. Existe ioga básico, ioga com bolas, iyengar, vinyasa, ashtanga e power ioga. Tentei descobrir a diferença da ioga iyengar para vinyasa. Fui perguntar à recepcionista e eu juro que eu quis entender, mas talvez ela não seja a pessoa mais indicada para relacionar as semelhanças e diferenças de cada modalidade.

Cada um possui um tapetinho, os mais afortunados possuem um exclusivo, os novatos, ou os que usufruem do free pass (que dá direito a uma semana de aulas de graça, e é por isso que estou agora contando essa história) devem pegar emprestado um tapetinho lá da academia mesmo e se conformar com o fato de o mesmo não ser aromatizado.

Mas se o lance é ficar zen e praticar o desapego então tudo bem. E tome de compartilhar suor. As salas não são exatamente refrigeradas, e quando você faz aula no solarium não escuta o que o professor diz, mas tudo bem, você não entenderia mesmo.

Sushiila e Mahavir começas as aulas de forma parecida: todos sentados na posição de lótus com as mãos unidas no chacra do coração, o olhar na ponta do nariz, coluna esticada, cabeça querendo encostar no céu, inspira, expira e Brahma noneeeeeee, ooooooooooooommmmmmmmmm, rava huiaaaaaaaaaaa ou qualquer coisa que soe assim. Minha irmã já tinha me advertido que dava certa vontade de rir.

A aula corre bem, um pouco chato às vezes, postura do cachorro, postura do guerreiro 1, postura do guerreiro 2 e suas traduções em chinês, ops! em sânscrito (será?). O fim da aula um relaxamento delicioso, ótima oportunidade para um brevíssimo cochilo e quando você acha que finalmente vai se livrar do tapetinho eis que os profs-gurus te mandam sentar de novo em lótus, mãozinhas, coluna bla bla bla. E mais om, e mais palavras estranhas e um coro de gente repetindo.

O que eles estão dizendo? Minha irmã me advertiu que dava muita vontade de rir, e dá mesmo, nessa hora você tem que puxar a concentração do fundo dos chacras.

A idéia é todo mundo buscar o Nirvana, a paz interior e nadar num oceano infinito de felicidade (shanti ou shiva?). O principio é cantar aos deuses, mergulhar na sua respiração. De repente ficar zen virou moda e existe uma fila de seres com seus tapetinhos dizendo coisas absolutamente intraduzíveis e fazendo isso com a fé de um crente.

Sei não, algo me diz que vai demorar pra essa gente entrar em alfa. Em todo caso, namastê.

:: "Everybody seem to think I'm lazy / I don't mind, I think they're crazy" , The Beatles.

terça-feira, agosto 15, 2006

Da série "favourite quotes"

"Todos os meus amantes foram gênios; essa é uma coisa em que insisto."

Isadora Duncan.

segunda-feira, agosto 07, 2006

A verdadeira história do roubo

(o texto a seguir é grande e baseado em fatos reais ocorridos em Junho de 2001 e contém cenas de emoção e violência)

Narbonne é a minha London London. Enquanto Caetano vagou procurando por discos voadores em Picadilly Circus, eu esperei pelos meus sentada à porta da delegacia de uma cidadezinha que eu jamais pensei em pôr os pés. Jamais ouvira falar do lugar, pra ser exata.

Como fui parar em Narbonne? De trem.

Narbonne fica a 849 km de Paris, 280 km de Barcelona, 398 km de Lyon, 393 km de Marseille. É uma cidade de 48.020 habitantes. Abriga igrejas dos séculos XIII e XIV e catedrais góticas. E tem a delegacia de polícia mais maneira que eu já conheci e o policial mais solidário e algumas dessas histórias que acontecem só uma vez na vida e, cá entre nós, temos que saber aproveitar os momentos com a intensidade que eles sugerem.

Fui parar em Narbonne mais por causa de um roubo que turismo. Estava fazendo o percurso Paris-Barcelona de trem. Não era um TGV, não estava alojada nas couchettes destinadas a mochileiros em viagens noturnas. Cheguei atrasada na estação em Paris, perdi o primeiro trem e embarquei no segundo, este já cheio, sem mais couchettes disponíveis. Eu e minhas mochilas, dentro de uma delas um pôster do Monet, um álbum de muitas fotos (200, mais ou menos) e uma quantidade absurda de toiletries adquiridos em dois meses de Reino Unido.

Eram cerca de 5 da manhã quando abri meus olhos míopes e dei por falta da mochila que estava entre meus braços algumas horas antes. E de repente senti que meus pés não estavam mais sobre a malinha que carregava o álbum e o pôster. A mochila maior de roupas continuava ao meu lado, mas o resto desaparecera como num passe de mágica. Fechei os olhos e achei que tudo se desenrolaria como num filme ou desenho animado, pensei “me belisca”. Nada. Não acordei de novo, a fada-madrinha não veio me resgatar, o mestre dos Magos não veio me aconselhar e o Harry Potter não fez feitiços para me ajudar.

Corri o trem de cima abaixo falando um português misturado com inglês e um sivuple entremeado com choros e soluços e desespero e uma coisa que espero nunca mais sentir de novo, um desamparo, uma angústia e um pensamento martelando a cabeça. Isso não pode estar acontecendo. Sim, isso aconteceu.

Desci na primeira estação, depois de me certificar que minhas mochilas não estavam em quaisquer dos vagões. Desci na primeira estação sem lentes, sem óculos, sem dinheiro, sem fotos, sem pôster de Monet e, principalmente: sem minha mãe.

E já que é pra viver intensamente, que sejamos roubados idem, num país que você não conhece a língua, de um jeito que você fique sem seus olhos e sem qualquer dinheiro, afinal a vida é feita de fortes emoções. E no fim das contas, roubo na Europa tem seu charme.

O agente da estação tenta me acalmar, tenta conversar e a linguagem universal toma conta de nós, conseguimos nos entender, posso jurar que falávamos esperanto. Ele me leva à delegacia, esse lugar mágico onde a recepcionista é loura. O agente da estação me leva à sala principal e diz que posso dar um telefonema (olha a tensão, tem uma cela do lado). Comunico meus pais, conto a história, ou choro a história, nem sei mais.
Existe um policial que fala inglês. Inglês da França. Seu nome é Marc. Marc me manda preencher um relatório com tudo o que me foi levado. Foi levado o meu sonho Marc, isso pode constar na lista? Foram levados meses de planejamento e economias e a Espanha, Portugal, Holanda, Suíça, isso tudo foi levado. Marc me oferece água, a loira me olha com pena, eu acho, não consigo identificar muito sua expressão facial. Marc diz que tudo vai se resolver. De meia em meia hora vou ao orelhão na esquina e ligo pra casa.

Aqui na América Latina papai faz contatos, resolvemos que tenho que arranjar um jeito de voltar a Paris. Marc mexe seus pauzinhos e tudo começa a conspirar a meu favor. Vamos a uma assistência social de Narbonne. Aperto o escapulário que levo no pescoço. A moça se sensibiliza, me dá 500 francos. Uma passagem de trem para Paris custa uns 480 francos. Ainda posso comprar um croissant e um eau minerale. Já tenho onde passar a noite: no trem de volta para a cidade Luz.

De volta à delegacia Marc me convida para almoçar com seu parceiro. EU agradeço timidamente e digo que não posso Marc, obrigada, levaram minhas mochilas com meu dinheiro, é por isso que estou aqui, lembra? Ele diz que o almoço é por conta dele. Mc Donalds. Aquele M amarelo nunca me fez tão feliz. Na parte da tarde ganho uma companhia temporária de duas americanas que estão registrando a perda de seus passaportes (inveja). Então falo com mamãe e ela me sugere dar uma volta pela cidade já que tenho que esperar o trem noturno. Não posso mamãe, não tenho meus óculos. Mas ganho um sabonete que o Marc vai comprar do outro lado da rua e ganho também a permissão do chefe da polícia pra tomar banho ali mesmo. Nunca um banho foi tão bom. Prendo o cabelo numa trança, ponho uma roupa limpa e recupero parte da minha dignidade. Me sinto exausta, me sinto feia, me sinto completamente arrasada. Quero sentar e chorar mas não tenho mais forças. Quero enxergar o mundo de novo, e não esse borro impressionista. Cara, quero ir pra casa.

A tarde começa a cair e o Marc, mais uma vez, me leva com ele. A minha despedida da delegacia tem ares de musical antigo. Se fosse filmado tudo aconteceria em câmera lenta, com um coro de vozes ao fundo e as policiais mulheres acenando com seus lencinhos brancos enquanto algumas lágrimas escapassem. No caminho até a casa do Marc buscamos um amigo. Vamos ao super mercado comprar pizza e refrigerante e quando sentamos na sala de estar do Marc acompanhados de um amigo e um casal e quando percebo que todos se esforçam ao máximo para conversar comigo e quando paro pra pensar que ao chegar am Paris vou ser aguardada por um motorista do consulado que estará segurando uma placa com meu nome... Ufa! E ainda mais: Marc e seus amigos me convidam para tomar um chope. Alguém aí já tomou chope em Narbonne? Rá.

Chegamos à estação e ainda dou a sorte incrível de presenciar a prisão de um traficante de drogas, praticamente o Fernandinho Beira-Mar europeu. Marc e eu nos dirigimos para o balcão de tickets para pedir algumas informações. O telefone toca na estação e é pra mim. Alguém aí já recebeu telefonema na estação de trem de uma ciadade ao sul da França chamada Narbonne? Enquanto falo ao telefone com a minha prima, Marc recebe um rádio e abre um sorriso. Um misto de satisfação e alegria e eu posso jurar que Marc deu até pulinhos: uma mochila minha foi achada numa cidade próxima, o que me dá forças suficientes pra começar a chorar de novo. Marc e seus amigos entram comigo no trem, como que intimidando os possíveis ladrões de mochilas e só vão embora depois de alguns apitos. Me colocam deitada numa couchette, me cobrem, me desejam boa sorte, sorriem e dão adeus. Sabemos que não vamos mais nos encontrar, sabemos que o nosso carinho e que os elos que criamos não vão atravessar fronteiras. Sei que não vou me lembrar dos rostos, mesmo que estivesse de óculos e ao mesmo tempo sei que não vou esquecer das vozes e de toda a sorte que ser roubada perto de Narbonne pode trazer.

No dia seguinte o motorista do consulado me espera como combinado. Os cônsuls brasileiros já lutam pelo resgate da minha mochila, já me reservaram hotel e me oferecem balinhas de menta.

A dona Carlota, mãe da chefe da minha tia, me aguarda em seu apartamento charmoso na Ille de Saint Louis, me dá uma coca-cola e um dinheiro. O Visa se prepara para me mandar um novo cartão de crédito e tenho ainda mais uns dias em Paris até recuperar meus pertences. Tomo um banho de banheira no Hotel e passo os dias achando que Paris é uma merda, quero ir pra casa, quero minha mãe. Compro tudo que vejo pela frente, como idem, e no meio dos itens do shopping compro uma mala que fala, sem querer.

Volto a Narbonne. De lentes. De trem. A mochila está lá, a agenda, o passaporte, a câmera. E o Marc. E o parceiro dele. E uma gratidão eterna. E tanta coisa. E uma capacidade de transformar a tristeza em piada e de conseguir, além de olhos arregaladíssimos, arrancar risadas das pessoas que escutam essa história.

While my eyes go looking for flying saucers in the sky.

quinta-feira, julho 20, 2006

Ó Lua...

Um dia ganhei um Santo Antonio de presente. Foi de uma amiga. Ela disse que achava que eu estava há muito sozinha, já se completavam dois anos de solteirice e que me faltavam companhias bacanas, que tinha muito tempo que eu não saía assim com um cara legal. Ela falou assim mesmo desse jeito meio disfarçando meio amenizando. Ela fez um puta eufemismo porque ela podia ter dito simplesmente que eu estava assim encalhada pra cacete e precisando de alguém. Isso já faz um tempinho. Na verdade já faz um tempão, e mesmo que não seja taaanto tempo assim já foi o suficiente pro Santo dar jeito na situação.

Mas o caso é que ela me deu o tal do Santo, disse que tinha ganhado da avó e que Santo Antonio não se compra, você tem que ganhar de presente de alguém que já fez uso dele, vai ver que é pra dar sorte, né? Parece herança isso, coisa que passa de pai pra filho.

E lá veio ela com o Santo Antonio dentro de uma caixa de café. Ela deve ter pensado que eu ia ficar com vergonha de receber o Santo assim sem embalagem no meio da rua, deve ter pensado “tadinha, a pobrezinha já está encalhada, o mundo todo não precisa saber”. Vai ver se ela tivesse dado o Santo sem caixa de café alguém podia ter visto e se interessado, sei lá, vai que o homem que visse isso estivesse encalhado também, vai saber?!

Fato é que a amiga me deu o Santo bem embalado.

Eu já conhecia aquela historia que Santo Antonio tem que ser maltratado. Por isso que eu nem abri a caixa de café com o Santo dentro, eu já sabia o que era o presente, e só de maldade eu deixei o Santo lá fechadinho, sem luz e sem ar. Achei que ele podia ficar assim um tempo, meio sufocado e meio claustrofóbico. Esperei pra ver. Por via das dúvidas comprei também um batom. Não funcionou. Botei a caixa com o Santo dentro do armário, deixei ele lá ainda mais no escuro, no fundo da gaveta cheio de meia por cima. Deixei o Santo assim no breu total e soterrado por um tempo, pensei “agora sim”. Pra reforçar as chances comprei um vestido novo. Nada. Virei a caixa com o Santo de cabeça pra baixo, no fundo do armário, escuro, sem ar, na gaveta das meias, deixei de lavar as meias pra ver se o chulé fazia uma pressão e ele me arranjava logo um namorado. Comprei uma mini saia e uma sandália de salto, sabe como é, resolvi pedir reforços. Não apareceu nem assombração. Botei o Santo na caixa fechada de cabeça pra baixo na varanda, ao relento, sujeito a frio e calor, vento, sol, chuva, tempestade, cachorro fuçando. Me matriculei na ioga, na musculação, no curso de espanhol, marquei uma hidratação, fui à manicure, fiz depilação e até botei alguns ml de silicone assim só pra garantir. E nada, nenhum pretendente.

Foi então que achei que de repente essa historia de maltratar o Santo podia ser uma baita mentira, poxa, não faz sentido, que Santo masoquista é esse? Tirei o pobrezinho de dentro da caixa, acho até que seu sorriso se alargou um pouco. Construí um altar pequeno e acendi uma vela de sete dias. Passou uma semana e nada. Coloquei flores a seus pés, e uns pães também. Nada. Aumentei o altar, substituí a vela de sete dias por uma dessas perfumadas da originallis, o pão da padaria por um belo ciabatta italiano e deixei até um azeite extra-virgem ao lado. Fiz uma escova janponesa, li livros interessantes, comecei a freqüentar cineclubes. Nenhum namorado. Fui dormir na sala e o quarto virou uma pequena capela, até alguns romeiros iam lá de vez em quando. Comecei a me interessar por política, ia às reuniões da associação de moradores, me matriculei no curso de culinária básico para solteiros, passei a ir mais ao Zona Sul à noite, sessão de congelados. E nenhum pretendente. Decidi erguer uma catedral pra Santo Antonio. Contratei uma assessoria de imprensa, fui capa de jornais e revistas, eu, linda, magra, cabelo liso, peitão, mestre-cuca, zen, literata, cinéfila e massagista (o curso de massagem veio logo depois da lipo nos culotes). E nem assim.

Foi então que resolvi procurar a Mãe Valéria de Oxossi, que me prometeu trazer a pessoa amada em três dias. Conversinha pra boi dormir, essa Mãe Valéria.

Comecei a ficar com uma raiva, um ódio, uma coisa que ia espumando cada vez mais. Olhei praquele Santo ali sorrindo impunemente, o mentiroso, foi me dando um ódio, uma raiva, uma coisa que ia espumando, aquele homem ali carregando uma criança nos braços esse Santo desgraçado, comecei a desconfiar que ele era um recalcado, isso sim, e cada vez me dava mais raiva e mais ódio e mais espuma na boca e comecei a odiar o Santo e a Mãe Valéria e todos os Santos do mundo e todas as Mães de Oxossi, Oxum, Ogum e o que mais existir e comecei de repente a odiar a minha amiga, aquela que me deu o Santo, ela que desfila por aí com seu namorado e comecei a pensar que se não fosse por ela nada disso teria acontecido e eu ia continuar encalhada.

Agora estou encalhada e falida.

sábado, junho 24, 2006

Vinte e quatro.

O problema é que ela vicia. Este é só um dos itens. Não vale à pena listar, não interessa a ninguém e eu já sei de cór. Ela vicia e ponto. Vicia que nem brigadeiro de panela em dia de sofá cheio. Vicia que nem ficar boiando no mar em dia de sol escaldante. Vicia que nem adianta fazer promessa pra santo, é o tipo da coisa que você vai sempre adiar, vai dizer que começa amanhã, e um amanhã depois do outro já faz tanto tempo, já fazem anos, e parece que ela gruda mais do que pé-de-moleque. Ela parece um pé-de-moleque. Porque te lembra a infância, porque tem gargalhada de criança, porque são várias cores juntas, porque é um mosaico de coisas, porque é pequenininha e quase cabe debaixo do braço. Ela parece um pé-de-moleque porque quase ninguém mais faz. Ela é meio coisa de vó, ela é uma daquelas histórias que vó conta e que é difícil crer. Ela deve ser uma daquelas palavras que só vó conhece. Ela deve ser uma história dessas bem fantasiosas e brilhantes. Se ela fosse uma história, seria uma fábula. Se ela fosse uma personagem, com certeza não seria princesa, que ela não é assim tão óbvia. O problema é que ela não cansa, é um vício que quase não se sente, quase não se vê. O problema é que dela você não enjoa, não quer um tempo, não quer brigar, não quer pensar. Dela você não se afasta, não vai embora. Não quer ir embora. Ela deve ser tipo calmante ou floral, anti-depressivo natural. O problema é que ela sempre sabe sabe como te tirar da cama, como te dar banho de alegria, como colorir. Se ela fosse uma cor seria um Pantone especial. Ela deve ser uma pintura moderna. Dessas que a gente vê na Bienal, acha linda, passa um tempão sentada olhando, e mesmo que a gente não entenda a teoria (ela deve ser arte cheeeeeia de teoria por trás), tudo bem, é uma tela linda, cheia de luzes e que você não hesitaria pendurar na sala, dar bom dia de manhã. Ela é manhã, amanhecer, nuances de sol e horizonte se afastando, astro subindo, ela é subindo. O problema é que ela é doce do começo ao fim, sempre, mau ou bom humor, ela tem sempre cheiro de bolo quentinho saindo do forno. Ela deve ser uma casa de campo dessas que cabe família grande e que tem rede pendurada na varanda. Ela parece uma rede. Ela tem um ritmo suave, ela faz ventinho, ela acolhe sem distinção, abraça e envolve assim que nem mãe em dia de gripe. Ela deve ser um daqueles abraços que as mães dão pra consolar os filhos. Ele deve ser bem mais que isso. Ela deve ser prêmio.Ela deve ser uma espécie de recompensa, papai Noel de quem quer muito mais uma amiga do que uma bicicleta. O problema é que ela é parte de todas as soluções, então fica difícil explicar...

(para Clara no seu aniversário)

quinta-feira, junho 22, 2006

É preciso ter graça.

Então fica combinado assim: eu estou aqui por você e você está aqui por mim. Você vai me dar a mão quando achar que deve, e eu vou pedir o braço quando achar que posso. Você vai ter um ombro sempre aberto e um peito sempre disposto, e eu vou ter sempre o colo quentinho. Você vai ter sempre um afago e eu vou ter sempre os olhos brilhando. Você vai me abraçar e chorar comigo, e a gente vai embolar gargalhada no meio. Você vai roer as unhas enquanto eu balanço o pé, você vai me mostrar os pontos e eu vou traçar as retas. Você vai dizer pra eu continuar, vai me pedir pra ter calma. Você vai incentivar o meu choro, mas vai procurar meu sorriso. Você vai ter paciência até achar o azul certo, vai fazer e refazer tudo à exaustão, e eu vou fazer o mesmo, e quando a gente achar que está à beira da loucura você vai contar uma piada, e você, como sempre, vai me fazer rir e esquecer por um minuto. Você vai me explicar que dupla-face é melhor que cola, você vai me responder mensagens à meia-noite só porque sabe que eu estou nervosa. Você vai me fazer companhia, vai trazer um copo de água gelada e vai esquentar o chá. Você vai acreditar em mim sempre, até que eu também acredite, e você vai me convencer. Vocês vão me dizer que tudo vai dar certo, eu só sei que vai porque são vocês quem estão dizendo. Vocês vão salvar meu dia amanhã, que nem fizeram hoje.

(para mamãe e Lil)

quarta-feira, junho 07, 2006

Bacharel

À medida que achava que se aproximava do fim, acreditava também estar cada vez mais perto da loucura definitiva.

(Costurou na barra da saia:
Se um dia chegar o dia, e se o dia chegar e fizer sol, e mesmo que chova e o carro atole na lama. Se um dia chegar o dia, e se quando o dia chegar fizer céu azul com nuvens de algodão doce, e mesmo que o tempo fique meio cinza, meio enferrujado. Se um dia chegar o dia e se o dia chegar com canto de sabiá, e mesmo que a gaita fique rouca e o coro desafine. Se um dia chegar o dia e se chegar com primavera brotando ou outono ventando, e mesmo que chegue nevasca caindo. Se um dia chegar o dia, e se chegar o dia e tiver brisa e sorvete na praia, e mesmo que o arroz fique grudado e as batatas queimadas. Se um dia chegar o dia, e se o dia chegar e tiver dança, e mesmo que haja pisões nos pés. E se um dia chegar o dia e o despertador não funcionar e eu perder a hora? E se a hora se perder do dia e então eu não vou mais saber se quando chegar o dia ele vai ser O dia... E se o dia chegar disfarçado com manto escuro, e se eu confundir o fuso-horário, e se o dia chegar e eu não estiver pronta? Aaaaaah. E se um dia chegar o dia e eu aflita começar a gritar e a gritar e a gritar e a gritar eu perco o dia, e um dia não é nada, mas o dia eu não posso perder, não posso gritar, não vou acordar. E se um dia chegar o dia e eu não levantar? E se eu, sem querer, desavisada, distraída, desastrada, pular o dia? Fique calma, não esquenta, o dia já vem raiando meu bem. Se um dia chegar o dia, ele vai chegar.)

:: na vitrola - Desassossego, Qinho&osCara www.myspace.com/qinhoeoscara

segunda-feira, junho 05, 2006

I Know it's over

But if you wait around a while I’ll make you fall for me, I promise. I promise you, I will.

Foi você quem gostou de mim primeiro. Eu não pedi pra nada disso acontecer. Tá certo que você não puxou assunto. E também não foi você que deu o beijo. Mas foi você quem me viu primeiro. Você que deixou que eu entendesse que o segundo passo era eu quem tinha que dar. Sapato roxo de cetim. Você, que mal conheço. Você tem todos os motivos pra se apaixonar por mim. Você que segurou meu rosto na primeira vez que. Camisa branca no chão da sala. Foi você quem ligou no dia seguinte, eu sequer tinha seu número. Eu nem queria que você ligasse porque eu nunca quis você. Foi você quem me quis primeiro. Embora você não tenha dito, você deixou que eu entendesse. E também foi você que foi atrás de mim, escondido. Eu palco e você platéia. Sapato vermelho. Nunca me disse. E foi você que se livrou do trabalho mais cedo. Você que escolheu a música. Foi você quem insistiu, eu não tinha intenção de entrar. Foi você que segurou o meu rosto de novo, na segunda vez que, com seu cabelo caindo por sobre os olhos. Camisa verde no chão do quarto. Você, que mal conheço. Você tinha todos os motivos pra cair de amores por mim. E fui eu quem se apaixonou primeiro. Você devia se apaixonar logo depois. Ou logo antes. Tempo impreciso. Foi você que disse que, e todas aquelas coisas, que só uma tola. Eu não tinha vontade de ouvir. Era você quem dizia. Eu nunca te perguntei. E foi você que me puxou pra rede e me mostrou suas fotos. Eu não pedi pra nada disso acontecer. Foi você quem fez questão de me levar até a porta. Calça adidas no portão, sapato vermelho na mão e essa foi a última vez que, você ali parado, eu ligando o carro. E foi você quem ligou pra dar tchau. Foi você quem desligou os sonhos. E você logo mudou de idéia. Foi você quem aceitou o chope que nunca tomamos. E foi você quem mandou mensagens depois de esbarrar comigo num bar. Eu nem queria te cumprimentar, você, mãos dadas com outra. Eu, saia de chita florida. Foi você quem mandou o recado depois. Foi você que continuou usando seus truques pra parecer que a culpa era minha. Você, com suas opiniões sobre. Você tinha tudo nas mãos. Ganância dos que podem. Foi você quem me olhou daquele jeito na terceira vez que. Eu saia de babados, você piercing na língua. Me puxou pela cintura e me jogou onde pôde. Chinelo no chão. Foi você quem segurou meu rosto de novo, e dessa vez eu não fiquei tanto quanto queria. Foi você quem quis primeiro. E mais uma vez, foi você que se foi primeiro. E é sempre você que me ganha. Inversão de papéis, troca de vontades. Foi você quem quis assim, eu não pedi pra isso acontecer. Você, que já faz três anos. Você nem deve ser tão irresistível quanto eu penso que é, e eu não devo ser tão passageira quanto você apostou que eu fosse. Você, outro país. Eu, tormento. Você, que se esperasse um pouco. Eu, que se fizesse mágica...

quarta-feira, maio 24, 2006

A spoonful of sugar helps the medicine go down

Tem uma parte da história onde o patinho feio vira cisne.

A gata borralheira, cujos únicos amigos eram os ratinhos, vira Cinderela e tem um sapato de cristal (não é um Manolo Blahnik, é de cristal, ta?) e uma carruagem de abóbora. E sua fada-madrinha canta salaga doo la magic a boo la bibidi bobidi boo. E seu príncipe encantado percorre toda a cidade procurando o pé que calçará os sapatinhos.

O Peter Pan não envelhece, sabe voar e ainda encontra crianças bacanas quando está correndo atrás de sua sombra que se perdeu.

A Branca-de-Neve tem sete anões, a Bruxa mais maneira e prepotente da história dos contos de fada, come uma maçã envenenada, dorme durante dias no meio de uma floresta e é acordada por um príncipe encantado.

Aurora passa tanto tempo dormindo que se torna mundialmente famosa como “A Bela Adormecida” e acorda com um beijo apaixonado do príncipe encantado que, notem bem, não é o mesmo da Branca e nem da Cinderela porque em conto de fada não há sem-vergonhice. Além disso ela tem um vestido que se transforma em três, dependendo da fada-stylist que o encanta.

A Ariel vira mulher, perde a voz, vira sereia de novo e depois vira mulher com voz, tem uma coleção de objetos fantásticos como um garfo que penteia os cabelos, e seus melhores amigos são um peixe amarelo e um caranguejo laranja que canta shalalalala enquanto ela beija o príncipe. E ela não precisa de um som no carro porque ela nada pra onde quiser e canta com sua linda voz.

O Pinóquio vira menino, é perdoado por suas mentiras e seu pai ainda se salva depois de ficar dias morando dentro da baleia. E seu melhor amigo é um grilo verde.

O Alladin tem um Gênio da lâmpada só pra ele e se locomove num tapete voador, não pega trânsito na Niemeyer, não é parado em Blitz e ainda tem três desejos.

A Alice, bem, ela tem um cabelo lindo e a mesa de chá mais animada que já vi. Fora que ela toma um troço que a deixa louca e não há quaisquer efeitos colaterais no dia seguinte.

A Dorothy também tem sapatinho cool, seus amigos são fiéis e follow the yellow brick road a seu lado, conseguem derreter a bruxa do Oeste e ela ainda volta pra casa com seu penteado intacto, onde poderá cantar somewhere over the rainbow o quanto quiser.

O ET se recupera do porre, voa na bicicleta em dia de lua cheia e volta pra casa em sua nave.

Nemo consegue fugir do aquário, pega onda com as tartarugas e consegue achar seu pai (era isso mesmo?).

Mary Poppins viaja de guarda-chuva e é o único ser capaz de falar Supercalifragilisticispialidoceous ... e ainda CANTA isso.

Os Incríveis, bem, são realmente muito incríveis e tem Edna como estilista.

E o Shrek, verde daquele jeito, consegue desbancar Prince Charming e levar Fiona ao altar. E tudo isso com música fofa do Counting Crows.

Put it together and what have you got? Meninas lânguidas que dormem metade de suas vidas (dormonid? Ruhypinol? Lexotan?) e mesmo assim seus príncipes encantados as encontram. Meninas descoladas que andam com gente transgressora como Lucy in The Sky. Meninas vestindo roupas bacanérrimas exclusivas. Meninas com vozes deslumbrantes, pais modernos que moram dentro de animais, meios de transporte alternativos que vão de legumes a guarda-chuvas, seres extraterrestres e criaturas verdes, e uma série de bruxas blasés e fadas madrinhas divertidas que transformam qualquer coisa em purpurina.

Eu tenho um cão que faz dieta. Já pode ser um começo. Será?

domingo, abril 23, 2006

Sonífera Ilha

Não é nada, só uma vontade de morar na praia. Sim, na praia. É, uma vontade quase sufocante de morar na praia. Ter o mar como quintal. Ter areia pra construir castelos. Ter meus próprios pés para destruí-los e minhas mãos para refazê-los quando der na telha. Fazer cartela de cor com os tons do pôr-do-sol, colocar a rede na varanda e adormecer com o cair da tarde, perder as contas de quantos cair da tarde, botar a cadeira perto de onde a espuma refresca as pernas, encontrar cavalos no meio das nuvens, fazer esculturas com palitos de sorvete, pular ondas, boiar olhando as estrelas, tremer de frio quando já é noite, fazer fogueira pra esquentar. Esquecer os livros, os filmes, as psicologias, os absurdos. Esquecer de levar chave, de ter dinheiro, de ligar pra ela, de passar batom, de comprar roupa nova. Deixar de lado um pouco as pessoas, os cremes, as vaidades, a correria, o cansaço, as buzinas.

Largar a vida num lugarzinho sozinho e calmo com barulho de oceano e conversar com o céu.

"Some dead people, people that were too sensitive to live: Sylvia Plath, Van Gogh, Virginia Woolf, Jackson Pollock, Primo Levi, Kurt Cobain, of course. Some alive people: George W. Bush, Arnold Schwarznegger, Osama Bin Laden. Put a cross next to the people you might want to have a drink with, and then see whether they’re on the dead side or the alive side. And, yeah, you could point out that I have stacked the deck, that there are a couple of people missing from my ‘alive’ list who might fuck up my argument, a few poets and musicians and so on. And you could also point out that Stalin and Hitler weren’t so great, and they’re no longer with us. But indulge me anyway: you know what I’m talking about. Sensitive people find it harder to stick around."

Nick Hornby again...

segunda-feira, abril 10, 2006

Acontece assim:

(mais ou menos)

A lente fica mais difícil de desgrudar do olho depois de algumas horas de sono sem tirá-la; travesseiro é uma questão de humor; camiseta furada, velha e desbotada é a melhor camisola e dá sono; a melhor música do Cidadão Instigado é aquela que te deixa na dúvida sobre seu teor brega; o Oswaldo é um bar a ser explorado; batida de tangerina é bom; smirnoff ice e doritos funcionam ainda mais naquele sofá da amiga, daquele jeito, naquelas noites; companhia é maravilhoso; ficar sozinha é necessário; os primeiros sintomas são a falta de sono e de apetite; a última instância é sair correndo serra das Araras acima; algumas pessoas irritam só de olhar; alguns cheiros persistem; as notícias ruins chegam aos montes e ao mesmo tempo; algumas pessoas que não deviam acabam morrendo; algumas pessoas que não consigo matar acabam aparecendo no meio das nuvens; algumas histórias parecem sempre inacabadas enquanto que algumas pessoas são sempre um esboço e pra sempre serão; algumas outras têm o dom de te deixar com a garganta seca de tanto falar; o lado direito do pescoço é sempre mais frágil e o primeiro a pifar; beijo na nuca devia ser obrigatório; cabelo bagunçado tem seu charme apenas se for por acaso; lençol dá uma boa roupa; isqueiro sempre some quando se mais precisa dele; vinho te redime de todos os pecados; supermercado é o paraíso das compras; escovas de dente são muito mais atraentes nas prateleiras que no seu banheiro; chuveiro elétrico não rola; sauna é vício; colchão mole dói; pé foi feito pra andar sem sapato; meia-calça ta sempre furada em dia de casamento; existe muito mais gente cafona que bem vestida; socar pessoas devia ser legitimado como forma de apaziguamento de seres; alguns humanos deviam ser legitimados como “os que devem ser socados”; barba não fica bem em qualquer um; psicólogas sempre tem a pergunta mais difícil; eu tenho direito de não saber, mas poucas pessoas reagem bem a essa resposta; alguns beijos são infinitamente mais inesquecíveis que outros; alguns olhares são como tiros que te atingem direto no peito e te derrubam na calçada; ciúmes é real; alguns enigmas não se decifram em abraços; o tempo das despedidas é sempre injusto; o sistema de telefonia móvel não entrega seus recados no dia certo; óculos ficam tortos e caem do rosto depois de quase cinco anos; pilhas de papel de rascunho só aumentam; a Epson gasta muito mais tinta que a Hp; você sente saudade dos detalhes mais particulares das pessoas e de seus gestos mais banais como mexer no cabelo, o todo acaba se perdendo; tem gente que sabe como usar as mãos; tem gente que sabe te fazer calar; aspiração no carro dura pouco; as fotos presas na parede desbotam muito rápido; os brilhos de alguns olhos assombram por tempo indeterminado; os sorrisos de algumas bocas dilaceram o estômago; o melhor lugar pra se ouvir música é o carro; alguns tetos são brancos demais; rede é um sonho que nunca vem; gargalhar é tão eficaz quanto fazer abdominais, só que é legal; a melhor parte de conhecer pessoas é quando você descobre sem querer que já se apaixonou por elas; as melhores pessoas são aquelas que se apaixonam por coisas; pessoas que não vivem um caso de amor com suas paixões são medrosas demais; estilo não se imita; grampos são uma boa solução para quando o cabeleireiro erra em você; lápis de cera é passaporte pra infância; capuccino não é café e nem chocolate, só é estranho; poucas são as decisões absolutas; somar é muito mais complicado que subtrair em alguns casos; é bem mais fácil errar; é ridiculamente fácil cair em tentação; intimidade demora mais do que a gente gostaria (às vezes); ombros consolam tanto quanto cerveja; amadurecer emagrece; acender a luz tem sua importância; palavras-cruzadas são sempre bem-vindas; algumas explicações demoram tempo demais; algumas pessoas demoram demais, algumas pessoas ficam tempos além; no meio da zona alguns gritos de socorro são friamente ignorados por gente que não entende nada disso; o cara que faz Banana Pancakes e pretend like it’s the weekend nunca aparece; sapos são muito mais interessantes que príncipes; existe uma série de pessoas irresistíveis e eu tenho a sorte de conhecer a maioria delas; Cazuza é atemporal e sempre faz sentido; “street’s like a jungle” , já dizia o Blur; você ta sempre desempregada quando todo mundo ta sendo promovido; solteiro, além de estado civil é também de espírito; a cabeça pára de funcionar junto com o corpo; tem sempre uma festa no dia da viagem e tem sempre uma viagem no dia da festa; é muito mais que só uma pedra no meio do caminho; “Vilarejo” da Marisa lembra Cem Anos de Solidão; a gente muda e continua igual; a gente continua igual e tudo muda; mudanças não consentidas são sempre cansativas e cansaços são sempre uma fuga; sonhos são refrescos em dias de sol e faz um tempão que não chove...

:: "Crushed like a bug to the ground", Let Down, Radiohead.