segunda-feira, dezembro 18, 2006

O que não tem cansaço, nem nunca terá

Eu esperava ansiosamente o mês de dezembro. Os preparativos começavam em Agosto e o burburinho ia aumentando com o passar das semanas, de repente víamos as manhãs de sábado serem ocupadas por ensaio e num piscar de olhos o chão da academia virava um grande tapete colorido e brilhante de sapatos e sapatilhas enfileirados cobertos de purpurina e tinta. Todas as etapas do processo eram motivo de excitação e ansiedade: da escolha do tema à apresentação final, os menores detalhes viravam motivo de alegria. O espetáculo de fim de ano de dança era mais que uma apresentação para os pais e amigos, era uma celebração da nossa vontade de comunicar movimento, de uma união de pessoas que falavam através de corpo. Todo aquele exercício diário de ballet e outras técnicas, as eventuais contusões e dores, os tendões sobrecarregados, os desafios e tantas frustrações por não conseguir a pirueta perfeita, os ensaios que nos tomavam o tempo da praia e do sono, enfim, subir naquele palco era a compensação pela disciplina e uma catarse coletiva de meninas que viam na dança um meio, não um fim.

18 anos depois e uma retrospectiva de tantos espetáculos vividos me deixa com um nó na garganta e os olhos marejados. No começo era uma farra de criança e experimentar a fantasia era um delírio e merecia algazarra. Com o tempo a fantasia virou figurino, eu fui para os bastidores desenhar as roupas que eu mesma ia vestir e o prazer dobrado me dava ainda mais borboletas no estômago. As borboletas desapareciam no momento em que eu ficava meio cega ao pisar no palco e espremer levemente os olhos contra a luz forte. No fim de cada número eu nem lembrava que minutos antes quase fizera xixi de nervoso. Com o tempo os números aumentaram e eu me via trocando de roupa encolhidinha na coxia, uma pessoa desamarrando meus sapatos, outra molhando o meu cabelo pra mudar o penteado e de repente a maquiagem que escorria já não era tão importante assim. Nos primeiros anos de dança gel era acessório básico tão importante quanto a sapatilha. Com a coisa cada vez mais contemporânea só o que precisava era de um borrifador pra manter o cabelo molhado e solto e dos meus pés cheios de calos e pele machucada. Com o tempo os dias de ensaio geral eram passados o dia todo no teatro colando linóleo no chão, dormindo nos camarins e transformando em amizade aquela relação de aluno e professor. Com o tempo a gente começou a achar o iluminador um gato, a costureira me ligava quando tinha dúvidas e eu pesquisava preços de gráficas para imprimir o programa da festa. Com o tempo eu fui percebendo o quanto eu era completamente dominada pela vontade de dançar e dançar e com o tempo também eu fui crescendo e nem sei bem como de repente tudo ficou tão diferente que eu virei platéia.

Descobri que ser platéia era bacana mas que eu me emocionava demais num misto de nostalgia e boas lembranças e certeza de ter aproveitado tão bem e de ter vivido um caso de amor eterno com essa coisa, e também uma certa melancolia de estar do outro lado e uma certeza maior ainda que eu estava do lado errado.

Amanhã é o dia do espetáculo e eu já avisei que vou chorar. O problema da dança é que ela te satisfaz de modo que 18 anos não são suficientes. Seria preciso uma vida inteira.

:: You really got a hold on me - The Beatles

4 comentários:

bruna disse...

ai ai...

Anônimo disse...

"I don't want you,
but I need you
Don't want to kiss you
but I need you
Oh, oh, oh
you treat me badly
i love you madly
You really got a hold on me
You really got a hold on me, baby"

Ahhhh também tenho ouvido essa música hehehe beijoos

Anônimo disse...

Beatles again and again and again !
:-)

Anônimo disse...

ai! que saudade do ballet...