segunda-feira, dezembro 11, 2006

nós.

“Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você.”

Eram 7 e 45 da noite quando eu senti os primeiros sintomas. Era quinta-feira e o tempo ameaçava chover, eu calçava sandálias e andava por ruazinhas quase prendendo a respiração, o cheiro dos becos do Centro da Cidade, urina escorrendo para os bueiros e uma chuva que não chove, a gente aqui nesse lugar abafado e tanta coisa abafada além do ar e eu com uma vontade do seu perfume. Nessa época a cidade parece que fica invadida por luzes que não páram de piscar e a paisagem some e desaparece em segundos e toda vez que eu volto a abrir os olhos e as luzes se acendem de novo você não está mais onde estava. Eu procurava um chiclete na bolsa enquanto olhava no relógio, 7 e 47 agora e a gente dançando abraçados, suas mãos no lugar certo e eu querendo e pedindo pra música não acabar. Volto à tona e dou meia-volta, pisco de novo e nada, você some e anda em outra direção e eu fico dando voltas, enfio as mãos no bolso e desenho círculos com as solas das sandálias gastas.

Eu enlouqueci nesse dia. Cheguei em casa e Caio F me olhava incrédulo da prateleira, como quem sabe e como quem diz finalmente, baby, agora vai conhecer a China ou espetar agulhas nesses braços finos, grita até perder a voz, mergulha bem cedo sem roupa no mar e anda até a curva mais longe e então procura uma montanha bem alta e salta, mas antes disso, por favor, criatura, AME de novo. Ele sabe que eu fiquei diferente, assim meio descrente e com raiva. Ele me olha do alto da sua experiência e me manda sair dessa obssessão que isso não é paixão que nada, isso é essa mania de ser só, esse medo de somar, essa covardia que você não assume, agora fica aí, entre lamentos e torturas, parada, imóvel e doida e andando no meio de gente que não vai te empurrar nem pra frente nem pra trás.

Eu deixo escapar uma lágrima e sento no cantinho meio encolhida, quase cena de novela.
Caio F disfarça e ri assim meio cúmplice me chamando de boba, eu sei como é, ele diz, e acrescenta que isso passa, que loucura de vez em quando é que nem um soco que a gente precisa levar, que é nessa crise que a gente realiza um monte de vontades, que é nos acessos de raiva que a gente bota pra fora, que essa coisa que cresce e consome e bagunça os cabelos, que essa coisa põe a gente em alerta. Caio F acha que eu tenho mais é que ficar doida e sair por aí falando sem parar, Caio mesmo fala pelos cotovelos e lamenta não poder me visitar no auge dos meus dias insanos, imagina a gente enchendo cinzeiros, sim porque com ele os cinzeiros sempre transbordam e então a gente ia sair numa noite fria pulando poças, íamos entrar num lugar escuro qualquer e encher a cara de tanto álcool que um de nós dormiria jogado no corredor do prédio assim como um rockstar entorpecido.

Caio F sabe que eu enlouqueci numa quinta-feira que ameaçava chover e me olha da prateleira como quem diz um monte de coisas essenciais e quando eu tento me reprimir e procurar um remédio terapia tarô hipnose cerveja ou um maço de cigarros ele me manda sentar e me diz desaforos, diz que eu não posso viver assim desistindo dos planos. Ele odeia quando eu deixo os sonhos irem se esmaecendo. Ele me manda sentar e me olha escancarado: vai fazendo assim até que um dia a inteligência vai martelar na sua cabeça que a sua vida não foi nada linda por sua grande incompetência em enterrar seus medos, você sempre dando tantos passos pra trás, fugindo de sorrir, receosa dos seus dentes tortos, querendo ser perfeita com esse jeito de Madre Tereza e no fim só vai te sobrar isso, esse horror, esse amargo forte, um gosto de ressaca e a garganta seca, a torneira sem água e as mãos pesadas enfiadas nos bolsos da calça, ah seu eu soubesse...

Vou dormir sem dar boa-noite e Caio cai displiscente da prateleira como que adivinhando. Ele sabe que ando com vontade de cantar. “Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático”. Não faz mal, ele diz. Caio F me beija e me abraça, nossos ossinhos se batem até fazerem clack e a gente chora um pouquinho, meio envergonhados, baixinho pra não acordar ninguém.

Antes de fechar os olhos eu ainda pisco um tanto, à procura dele. É Caio quem aparece. O máximo que você vai ter é uma cara quebrada, um coração picado e moído e toda aquela coisa te rasgando que você já teve e agora você está aí inteira, não está? Viro pro lado, me cubro até os olhos, pisco mais duas ou três vezes. Caio F sabe, não adianta fugir. Um dia desses ainda fico presa no elevador com ele e então.

:: Canto de Ossanha, versão Elis Regina.

5 comentários:

Julieta disse...

obs. Trechos em lilás do conto "Carta Anônima" in Pequenas Epifanias, de Caio Fernando Abreu.

Velma Kelly disse...

darling, não cliquei com o Caio F. Ainda.

Anônimo disse...

adorei. preciso comentar com vc por email esse post. me manda o seu? anahupe@gmail.com. beijos.

Fulanas disse...

Honey, um dos melhores textos seus, sem dúvida !!
Ah, quando bater isso tudo de novo, pensa que passa...passa tanto que as vezes vc nem lembra o nome completo das pessoas - hahahahaha - certo ?

Jubsky disse...

estou pasma
lindo demais
como assim você quer ser figurinista?
Só não para de escrever