Eu faço trabalho voluntário. Ou quase isso. Trabalho por solidariedade e se esse não é o principal motivo do trabalho voluntário então me corrijam.
Meu primeiro dia de trabalho foi, pra ser exata, um longo e caloroso deja vu. E quando digo caloroso não pensem na afetividade que a palavra pode conotar, pensem em calor mesmo.
Faz mais ou menos um ano que saí do atelier de uma estilista porque ou eu fazia aquilo ou ia passar férias no Juqueri. No dia em que entrei no metrô de volta pra casa, sabendo que nos dias e meses e anos e vidas seguintes não teria que voltar praquela confecção de gente doida, eu respirei fundo e prometi mentalmente que jamais me meteria em furada semelhante. Devia ter assinado algum papel que me desse cobertura.
Tudo aconteceu semana passada, quando fui inocentemente almoçar com a ex-chefa. Queria matar saudades, papear apenas. Eu estava totalmente desarmada quando ela me pediu pra voltar. Me encheu de elogios e disse que eu era tão boa pra ela, que sentia tanto a minha falta e aí, bem... Já faz uns meses que saí da terapia e deu no que deu: voltei.
Eu estava hoje na plataforma do metrô em direção à Zona Norte quando o relógio marcava meio-dia e quarenta de segunda-feira. Não é a linha 4 do metrô de Paris, alguns diriam, mas é a única linha que te leva ao SAARA, o que já garante algumas semanas de pesadelo. Os vagões cheios e você indo pro inferno em forma de mercado e aí está: pra quem duvida que o mesmo trauma possa ser causado duas vezes. Até o Delírio Tropical nessas redondezas vira um caos. E ainda não tinha começado a quentura.
Quando a mocinha anuncia Uruguaiana Station eu já começo a suar frio e quente ao mesmo tempo. Quente porque a sensação é de que a temperatura se eleva à mera pronúncia na palavra Uruguaiana e frio porque esses fonemas combinados me dão arrepios. Chego à superfície já ensopada e aos primeiros acordes da rádio SAARA misturados à quantidade de gente que anda devagar e lentamente te impedindo de dar passos do tamanho normal e ainda um tal de berros anunciando promoções e o fato de a temperatura ter-se elevado mais uns 17 graus...
Atravesso a Senhor dos Passos e noto um tapete vermelho, tento fingir que estou em Ipanema, penso em neve e quase rezo pra descobrir que a minha verdadeira vocação é economia, que nasci pra usar tailleur e sapato de bico fino dentro de uma sala devidamente RE-FRI-GE-RA-DA.
Recupero parte da dignidade porque finalmente o antigo sobrado da Rua dos Andradas ganhou um elevador. Antes de tocar a campainha dou uma última olhada para a escada, reconsidero a opção de fugir mas lembro de quanta carência há no mundo e encaro o meu destino cruel: a costureira que me odeia, a sala sem ar-condicionado e os outros funcionários insanos que vou encontrar pela frente.
Calma, é só esse mês, tento pensar. Me distraio com as revistas, etiqueto roupas que vão para os compradores, experimento peças que talvez precisem de ajustes, tento não me estressar com as brigas de chefa e chefo, escapo da costureira que (ainda) quer me matar, morro de fome porque a comida do Delírio não foi suficiente, tento ignorar o telefone, ponho os pés inchados pra cima e jogo conversa fora com a minha patroa que tinge à beira do fogão industrial onde a temperatura se eleva uns 46 graus acima do que faz no SAARA.
Volto pra casa ouvindo Beatles, que no som afirmam Baby you’re a rich man e eu duvido tanto...
Em casa eu tomo um banho, ligo o ar-condicionado e tomo coragem pra perguntar o que eu realmente preciso saber: quem é o louco da história?
6 comentários:
Honey, já leu a sua prima essa semana? Por um acaso ela estava escondida na Argumento sábado durante a nossa conversa? hahahaha
Muito bom como sempre o texto dela.
E o seu também, obvio!!
Ju, pensa assim: você acaba de ganhar a vista pro mar na sua mansão no paraíso! beijoos
nossa Julia, deu até calor. Tudo isso há de ser recompensado um dia! (Amém!) Beijos
Beatles é sempre um santo remédio...
Aliás... já queria dizer isto tem tempo...o nome deste blog é o que há...
:-)
Adorei!
Mais um blog pros meus favoritos!
nossa, darling, e eu aqui só no aquecedor! felizmente!
Pelo menos, o carro e o ar-condicionado funcionaram, correto?
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