quarta-feira, junho 27, 2007

( )

So darling, I just want to say
Just in case I don't come through
I was on to every play
I just wanted you

But oh, it's so evil, my love
The way you've no reverence to my concern
So I'll be sure to stay wary of you, love
To save the pain of once my flame and twice my burn
(Fiona Apple)

Eu andava em constante estado de alerta e lá vinha ele pra me tirar do eixo e então a qualquer momento eu podia perder a concentração e errar a conta ou me distrair e esquecer as chaves. Era aquela coisa de perder o foco, de não reparar na fumaça saindo do café e queimar a boca toda, era saber que na próxima curva o norte poderia mudar e sem querer eu iria enveredar por estradinhas de terra sem luz. Quanto mais tentava permanecer atenta, mais ele vinha me empurrando pras beiradas das coisas, da mesa se eu fosse comida e me esfarelava no chão, da piscina se eu fosse criança e me espatifava na água jogando espuma longe, do precipício se eu fosse desespero e caía flutuando em nem sei onde. E não me dava garantias, me empurrava sem nenhuma promessa de amparo, era quase como se botasse o pé pra que eu tropeçasse na calçada, mesmo que eu andasse por um lado da rua e ele pelo outro, era apenas estar presente pra que a mudança acontecesse e era quase imediato.

Eu andava segura e olhando reto e ele vinha pra me desviar dos costumes e então a qualquer momento eu podia perder a concentração e esbarrar num poste ou me distrair e perder a agenda. Era aquela coisa de sentir o coração pulando na garganta, era saber que no passo seguinte o ritmo poderia mudar e sem querer eu sairia da música num descompasso de pés. Quanto mais eu tentava dançar a melodia mais ele vinha arranhando discos, idéias se fossemos conversa e não me sobravam argumentos, minha pele se fossemos desejo e não me restavam roupas. E não me dava curativos, me deixava marcas sem qualquer cuidado, era como se me cortasse com faca, mesmo que fosse de brinquedo.

Eu andava sempre constante e olhando e ele vinha e era como se me sacudisse e quanto mais ele me chacoalhava mais eu vinha à tona e tudo de dentro ia pulando pra superfície da minha pele laminada, mudavam os eixos de tudo e eu podia tropeçar que eu não caía e nem o café feria e chave alguma faria sentido e era quase como se eu procurasse estradinhas de terra.

Eu andava segura e procurando e ele não vinha, não chegava, não me empurrava mais e as cicatrizes iam sumindo e a postura ia se desentortando. Eu o procurava por entre estradas esburacadas e beiradas de camas onde ele não me queria mais e me espatifava sem qualquer vontade em sonos sozinhos.

Cessaram as quedas, acabaram os tropeços e retalhos e também toda a graça das coisas e eu que já sabia levantar resolvi ficar deitada bem junto ao chão. Depois que ele foi embora eu fiquei parada no mesmo lugar.

5 comentários:

Anônimo disse...

Olha, gostei muito disso aqui.

Anah disse...

ai, momentos como esse!...

Anônimo disse...

Muito bom texto!
Descobri o blog hoje, andei vendo uns antigos.... Parabéns!

C.A. disse...

Julia, se me permite, agora os tribuneiros também têm blogue - tribuneiros.blogspot.com - e já pus esta tua casa aqui na estante de nossa biblioteca.

Dá uma olhada depois.

Até...

Anônimo disse...

Julinha!
Fazia um bom tempo que eu não "te lia". Estava com saudades.
Mas agora estou de volta!

Beijos