domingo, agosto 19, 2007

Divã

Era uma conversa sobre análise que começou durante um café, não lembro onde e nem muito bem quando, só sei que a gente fazia muito isso: tomar café e falar de análise. A gente fugia muito dela também, eu já largara a minha há tempos e ela argumentava que eu devia voltar e eu sabia que devia, mas aquele incentivo vindo dela, que faltava a análise semana sim semana também, sei lá, eu desconfiava.

E então nesse dia ela me explicou. Ela saía das sessões de terapia pronta pra enfrentar as suas maiores angústias, pronta pra defender seus desejos mais interiores e desanuviada de dúvidas que a martelavam. Ela saía do consultório de cabeça erguida e nariz em pé, quase cena de filme, o sol parece que brilhava mais, o ritmo do passo em câmera lenta, ela parava pra cheirar uma flor na feira e tocava uma música que só ela escutava. Eram momentos de intensa clareza, de um bem estar, de uma coragem, de segurança. E que duravam no máximo meia hora. E vinha tudo de novo e ela não conseguia prolongar esses minutos de clareza, eles se diluíam no dia-a-dia e tudo ficava ainda mais angustiante porque não conseguir reter esse estado era apavorante. E então de que valia?

Era como ir ao dentista, eu disse. E tive que explicar: eu saía do dentista convicta de que nunca mais beberia coca-cola ou comeria chocolate e cigarros imediatamente faziam parte de um passado remoto. Mate, chá, café, nada. Eu escovaria os dentes meticulosamente, usaria dio dental e faria bochechos de flúor todo dia. Eu sentia meus dentes tão limpos que podia até jurar que eles estavam mais claros. Isso tudo durava até o almoço.

E comecei a pensar em tantas outras, nas massagens e sessões de rpg que me faziam tão bem e eu prometia que não sentaria mais curvada, as ressacas de bebedeiras quando eu pensava repetidamente que nunca mais iria beber daquele jeito e todos esses eram momentos de clareza que funcionavam quase como resolução de ano novo. E todos, invariavelmente, duravam dez ou vinte minutos, assim como o pós-análise.

E todos, também invariavelmente, vinham depois de coisas que fazíamos ao contrário. Postura ruim no trabalho, cafés e chocolates durante o dia, besteiras e sofrimentos emocionais e tudo o mais que passava, ou parecia passar. Nisso tudo nós concordávamos. A diferença é que enquanto ela achava que a solução era conseguir prolongar os chamados “dez minutos de clareza” eu achava que o jeito era continuar errando afinal as epifanias não vinham à toa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente análise! Mas por vias das dúvidas, continuarei indo ao analista...

Anônimo disse...

ai ai, epifanias. Como rete-las?