terça-feira, março 10, 2009

Grand jeté

Eu acho que os bailarinos são deuses que suspendem suas respirações às vezes, para nos abençoarem durante o tempo em que dão suas piruetas, e acho que depois das apresentações eles sentam num banquinho, bebem uma garrafa d’água e choram. Muito, choram muito, porque sabem o esforço que têm que fazer, sabem que depois de dançar eles dividem tudo o que guardavam, sabem que distribuem para os outros as suas melhores partes, e as piores também, sabem que o suor é enxurrada, sabem que os aplausos são catarses e amor, e um pouco de inveja. Eles sabem que os aplausos são desejos.

Eu acho que as pessoas que aplaudem os bailarinos entram em seus carros e até se esquecem de ligar a música, e dirigem com calma. Acho que as pessoas-platéia chegam em suas casas, abrem uma garrafa de vinho e tiram os sapatos enquanto se acomodam na poltrona e choram. Muito, choram muito, porque sabem o esforço que têm que fazer para não se desfazerem depois, porque conseguem entender que durante os minutos em que os bailarinos estão no palco elas só precisam gostar deles e olhar para eles e usar de seu egoísmo para com o resto de tudo o que acontece. Elas aplaudem porque precisam da catarse, desejam o amor. Elas sabem que os aplausos são levezas.

Eu acho que quem fica no meio do caminho, quem assiste e depois arrisca seus passos, quem risca os pés pelo chão e depois aplaude, acho que essas pessoas conseguem ter o maravilhamento que a platéia tem, e ao mesmo tempo conseguem o esvaziamento que os bailarinos fazem. Eu acho que essas pessoas, ao fim do espetáculo, entram no carro e não sabem pra onde ir. Eu acho que essas pessoas, ao fim da aula, enxugam o suor e sabem que estão prontas pra se preencherem de novo, de tantas formas e sensações, e não sabem exatamente quais. Elas chegam em casa, abrem o jornal e choram. Muito, choram muito.

E se tudo acabar, pra onde vão os aplausos?



:: "Dei um salão aos meus pensamentos! (...) Ri! Quem foi que disse que não vivo satisfeito? Eu danço!" Mario de Andrade


(a capa do Segundo Caderno do Globo de hoje, ou ontem - 2a feira 09/03 - me deprimiu).

3 comentários:

Anônimo disse...

Acho que vou enviar esse seu texto pra Petrobras. Será que eles se sensibilizam?

Anônimo disse...

Amei o texto, Ju... Me fez relembrar momentos de apresentação que assisti, aquelas coreografias lindas e um misto de inveja, desejo, leveza... Vc disse tudo!! bjs, Há

JULIANA disse...

Eu costumava beber uma cerveja mesmo após o espetáculo!