Não
sei como soube da existência de Inhotim, mas lembro de um dia, num bar com
amigos, ouvir um deles contar que uma amiga recém-chegada de lá tinha definido
o lugar como a Disney das artes. Também não sei se ela foi a curadora do termo,
que apareceu depois em diversas reportagens e virou lugar-comum para descrever
o instituto.
Quando
fui a Inhotim pela primeira vez, no carnaval de 2010, constatei a pertinência
do adjetivo. Quando fui a Inhotim pela segunda vez, na Independência em 2012,
constatei como a expressão havia extrapolado a conotação inicial e tinha virado
outra coisa. E entendi como virar uma saudosista nesse intervalo de 2 anos.
Previously,
Inhotim era a Disney porque aquele lugar parecia não existir: uma terra de 400
hectares numa cidade do interior de Minas Gerais, sítio de um milionário da
mineração, amigo de Burle Marx, que decidiu construir galerias para abrigar sua
coleção de arte contemporânea, e que decidiu abrir seus portões à visitação.
Era a Disney porque os pavilhões e galerias eram fruto de sonho, funcionavam à
perfeição, eram limpos e cheios de funcionários simpáticos (em Minas isso não é
de se espantar), e porque a experiência era sensorial, calma, em momentos até
bucólica. Estar em Inhotim era renegociar sua relação com o tempo. Era tirar os
tênis, caminhar sem quase cruzar com outras pessoas. Era, também, derramar
lágrimas ao entrar em contato com instalações e obras que fogem à compreensão
total, deixar de lado o condicionamento de ter que entender e dar conta de
tudo, quase como desaprender racionalidade. Inhotim era um vazamento: um ter
que administrar sua própria sensibilidade. Sentar na grama, olhar por outro
ângulo, tentar ver ilimitado. Como dizem na Academia: ser atravessado por
afetos.
Passados
2 anos, Brumadinho me revelou a Disney sob outros aspectos. Alguma coisa se
democratizou, mas não necessariamente a arte.
O
crowd na porta anunciava uma experiência muito diferente da que tive pela
primeira vez. Inhotim 2012, usando emprestada uma expressão pejorativa, está
infestado de haoles. Filas para a comida, para o banheiro, para a entrada, para
os carrinhos que nos transportam aos pontos mais distantes, fila até para os
bancos de madeira, para uma ou duas galerias, para fotos no caleidoscópio de
Olafur Eliasson, que ganhou ares de entretenimento. A Disney dessa vez se
operou nessa vertente: diversão. O que mais ouvi foram comentários irônicos e
até debochados a respeito das obras expostas em Inhotim, coisas na linha do
“mas isso até eu faria”. Outras falas demonstravam a completa incompreensão
diante de trabalhos que parecem mesmo incompreensíveis. Vi guerra de almofadas
dentro das Cosmococas de Hélio Oiticica, redutos de famílias inteiras que de
certa maneira subverteram toda a lógica daqueles ambientes. Crianças nadando na
piscina de abecedário, restaurantes lotados de grupos de amigos, poses e mais
poses para fotografias dos belos cantinhos dos jardins, brincadeiras, lanches,
instagrams e outras tantas posturas que indicavam que boa parte dos visitantes
não estava tendo epifania alguma, tampouco se preocupava com conceitos,
ideologias, intenções ou discursos artísticos. A Disney, para eles, é feita
dessa alegria descompromissada, de um bonito dia de sol, de achar graça das
coisas, e a outra Disney, de certa forma, diminui frente a esta, bem mais
barulhenta e caótica, e que acaba se impondo aqui e ali.
Então
fico nessa encruzilhada: de um jeito ou de outro, todos estão expostos à
arte. Conversando com uma amiga à saída do instituto, caímos naquele papo cheio
de crença nesses encontros: "Ainda que inconscientemente, Inhotim forma um
público, a arte ganha adeptos e é melhor pra todo mundo." A gente que mergulha
nesse universo tende a achar que é melhor pra todo mundo, porque às vezes o que
parece não fazer sentido é indiferença, ou ficar longe de toda essa produção, não querer
entender o processo, passar batido por cores e sons, ignorando toda e
qualquer possibilidade de redenção. Mas a impressão que dá é que aquele também
virou um lugar de lazer, de passeios, de paisagens. Não é pecado nenhum, é só
outra coisa, e eu mesma me peguei nadando e rindo numa piscina que, cá pra nós,
ninguém me convence de que seja algo mais que uma piscina.
Não
deixa de ser elitista ou preconceituoso achar que meu jeito de viver Inhotim é
melhor do que essa nova Disney. Não deixa de ser romântico achar que todo mundo
deveria sentir o que senti quando, neste sete de setembro, passei meia hora na
galeria Miguel Rio Branco, ou quando voltei ao galpão Cardiff & Miller pela
terceira vez, e tudo aquilo veio à garganta de novo. Se todo clichê fosse
permitido, diria que é mágico, porque é se esquecer de si mesmo um pouco.
Inhotim,
para mim, é esse estado de suspensão. É cenário onírico, quase utopia. Um
súbito gostar de patos.
obs. didática: fui muito feliz em Inhotim ambas as vezes. Mas para pessoas irritadiças como eu, recomendo evitar feriados.
* Nada será como antes, Milton Nascimento.
Um comentário:
Minutos magicos no meu dia
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