segunda-feira, agosto 05, 2013

1923

A minha avó, naquela manhã, mais parecia uma estrela de cinema ou uma imagem sagrada, dessas que todos querem tocar e adorar. A cabeça branca da minha avó – cor de neve brilhante, anos de xampu especial – se via de longe rodeada por outros cabelos, muitos adornados de brilhos e flores de domingo. A minha avó, naquela manhã, recebeu cumprimentos, apertos de mão, abraços e exclamações que saíam pelas mãos e pelos sorrisos de todos que foram parabeniza-la pelos seus 90 anos.

A minha avó, naquela manhã, desceu do carro em frente à estação ferroviária de Nilópolis, subiu as escadas da igreja apoiando-se no corrimão – que ela julga indispensável – e sentou-se no terceiro ou quarto banco do lado esquerdo. Recebeu as saudações do Frei José – que há uns 40 anos atrás casou uma das minhas tias, e que há uns 30 anos atrás me batizou, e que já fez outras bênçãos para a família – e acompanhou uma missa repleta de crianças, cantos, palmas e gestos, aqui e ali, que interpretavam algumas das canções. Minha avó subiu ao altar ao término do culto e leu, encabulada, palavras sobre as graças de se fazer aniversário. Minha avó rezou, levou uma salva de palmas e à saída comeu um pastel de queijo típico de feira, iguaria disputadíssima pelos fieis dali.

A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição recebeu a minha avó com tanto carinho que quase que ela teve que sair fugida, pois cada um que ia cumprimentá-la queria também falar com as filhas e a neta a tiracolo. A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, naquela manhã em que a minha avó parecia uma estrela, me deu a exata noção da ideia de comunidade, e uma inveja tão grande do subúrbio que, no caminho de volta, olhei praquelas casinhas imaginando a minha avó por ali, comendo bolos e gostosuras de uma vizinhança que jamais a deixaria voltar pro Leblon – e nem suas filhas e neta a tiracolo.

A gente vai passando pelas pessoas no dia a dia, e aquela gente dali vai parando pelas pessoas, numa tônica tão distante da nossa, e tão mais lógica. A minha avó, de fato, é uma estrela, e o subúrbio desperta mesmo uma ternura, porque é justamente o que emana. E suas filhas e neta a tiracolo, que sorte, provaram desse espelho, lugar que é contra a assepsia dos afetos.

Na volta pra casa eu fui pensando em alguns poucos sambas que sei cantarolar, e em como muitos deles nasceram desse sentimento de pertencimento, de uma relação com o seu lugar. Velhas rixas que compuseram hinos declaratórios a diversos berços, ou apenas odes a seus morros e feitiços. Tem alguma coisa nisso que eu queria pra mim. Eu não sei a minha avó mas eu, quando cheguei em casa, nem tomei banho e passei aquele dia sem lavar as mãos, querendo guardar um pouco mais, com um cd do Noel Rosa no som. Desconfio de que ela tenha feito o mesmo. 



3 comentários:

Rochelle disse...

Que lindo, Júlia! Caia mais nos sambas da vida!

Gustavo disse...

"A gente vai passando pelas pessoas no dia a dia, e aquela gente dali vai parando pelas pessoas"
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Gustavo disse...

"A gente vai passando pelas pessoas no dia a dia, e aquela gente dali vai parando pelas pessoas"

!!!!!!!!!!!!!!