sábado, outubro 17, 2009

Cry me a river

Respeito muito minhas lágrimas, a ponto de categorizar meus prantos e saber que todos, ainda que inúteis, são necessários. As noites me proporcionam esse sono pesado que se inicia banhado delas, porque é sempre antes de dormir que tudo dói e assenta no corpo, e portanto é preciso chorar. Sem esforços, sem dramas, só é preciso deixar que escorram gotas, que elas tombem sobre o travesseiro, que elas levem alguma coisa pra fora. Prevejo os olhos inchados no dia seguinte, as perguntas desconfiadas de quem os notará mais vermelhos, as respostas evasivas de “alergia, logo passa”. Me dedico ao ato de chorar com a mesma entrega que tenho para a dança porque quero a exaustão que vem depois, e a tranqüilidade que se segue.

O princípio do espanto é quando o oftalmologista diz que a qualidade da minha lágrima é péssima. Ele sentencia o diagnóstico com calma, como se o mundo já não fosse absurdo o suficiente, como se tal afirmação fosse tão natural quanto ter cárie aos 11 anos. Em seguida ele acrescenta que a quantidade de lágrima produzida é a esperada. Enquanto ele mostra imagens pouco convincentes dos meus olhos cheios de nervos inflamados e lágrimas não-lubrificantes, lembro dos tempos em que o ortopedista dizia que todo o problema das articulações era que eu tinha crescido rápido demais. Lembro, ainda, de uma fisioterapeuta que sequer me conhecia afirmar que a minha cabeça estava fora do centro de gravidade.

Como se a conformidade fosse a única reação possível, evito a conversa que eu poderia ter com o oftalmologista. Eu poderia argumentar que, sim, eventualmente chorei lágrimas podres justificadas por motivos ainda piores. Eu poderia, sem embaraço, contar que despejei litros de lágrimas de raiva quando o que eu mais queria era apenas disparar tiros de revólver contra alguém. Eu não hesitaria em apontar todas as lágrimas escorridas por causa de amores insólitos, términos covardes ou declarações pela metade. Eu poderia ter dito, também, que o crescimento acelerado não me havia transformado numa pessoa mais culta ou mais madura, que a minha altura repentina não tinha feito mais por mim que o curso da faculdade, e que as articulações eram, portanto, o malefício menos importante dentro de todas as metáforas que eu conseguia listar na minha cabeça torta, fora do eixo de gravidade. Eu adoraria cometer o clichê mais idiota e sem graça e afirmar que sim, tenho a cabeça mesmo no mundo da lua, e gerar aquela cara enfadada e constrangida de quem se vê obrigada a encerrar a conversa por motivos de força maior.

Isso tudo eu poderia ter dito a ele(s), mas não disse. Fiquei mais pobre por causa de todos os colírios e de toda a fisioterapia que se provou tão ineficaz quanto chata. Fiquei, também, mais obcecada com listas (músicas que contém a palavra “lágrima”: 7; a palavra “tear”: 8; a palavra “cry”: 15) e mais perplexa com o descuidado alheio em proferir frases que podem perturbar uma pobre alma. Tenho a plena certeza de que continuarei chorando em vão, literal e metaforicamente falando, com o agravante de que logo após de secarem as tormentas terei de correr para a geladeira, onde agora mora um colírio milionário, este que restabelecerá meus nervos ópticos (quiçá os outros todos).

Que me deixem chorar, com ou sem qualidade, e que os dias chuvosos se estendam ainda por mais tempo, que perfeição maior eu não consigo imaginar: já pensou que ridículo os soluços pós-choro na praia?

5 comentários:

Beta disse...

Julinha, pensei na frase mais CAFONA do mundo: sua lágrima pode nao ter qualidade, mas o seu sorriso tem muitas!
HAHAHAHAHAHAAH o aplicativo do FB de cantadas do pedreiro me deixou super afiada ;)

Julieta disse...

ahahahahaha Beta, você tá afiada mesmo! ;)

Luizinha disse...

Adorei.. acredito que chorar cura mais rapido o que quer q seja, mesmo que não seja.. entende?

a cantada do pedreiro foi otima.

Bruno Quintella disse...

Sempre soube que a pessoa que tem cabeça fora do eixo de gravidade derramava lágrimas tortas, mas, de má qualidade é a primeira vez! ahahahaha! Portanto, se choras lágrimas podres é porque realmente estiveste suja por dentro. Necessitavas, de fato. É uma limpeza orgânica.

Mas todas as outras pessoas do mundo, as que choram salgado, devem, na verdade, então, estar exaustas por dentro, porque quando não suportamos mais o confinamento da alma no corpo, devemos chorar suor, como se transpirássemos através dos olhos vencidos pelo cansaço do choro uma perfeição maior que não consegues imaginar...

beijo

Anônimo disse...

atualiza ae.