terça-feira, junho 30, 2009

O dia em que a Pina Bausch morreu

O dia em que a Pina Bausch morreu foi o mesmo em que eu entendi que não poderia confiar jamais outra vez em oftalmologistas, especialmente os que dizem que no meio da cirurgia de miopia a pessoa sente um cheiro de queimado e que é normal. Normal, na minha concepção, é sentir cheiro de xampu no cabelo, de bueiros no Leblon ou de bifes na cozinha. Ou acordar e não enxergar as horas no despertador na mesinha, ou tomar banho de óculos, ou tira-los da cara e fazer uma seqüência de rolamentos míopes na aula de dança e terminar desnorteada.

O dia anterior ao da morte da Pina Bausch foi quando eu resolvi de fato que eu não faria a operação de miopia, mesmo se o especialista em retina dissesse que as degenerações do olho esquerdo não eram nada, o que de fato ele disse.

Nos minutos anteriores ao oftalmologista afirmar que minas retinas estavam aptas à cirurgia eu vislumbrei toda a cena que fatalmente aconteceria se eu adentrasse a sala de procedimentos com aquela touca protetora comprimindo os cabelos. Eu me agarraria na minha mãe, no meu pai e em quem mais estivesse pela frente gritando e chorando e tapando meus olhos com as mãos, como fez a garota loirinha de seis anos que estava na sala de espera comigo, e que não deixava pingarem nela o colírio dilatador de pupilas nem por um decreto.

Eu quis dizer a ela que o olho dela ia arder só um pouco, pior era o meu que exalaria cheiros de queimado. Eu quis dizer a ela que era melhor dilatar logo as pupilas, que pelo menos ela tinha pai e mãe para a levarem para a casa sã e salva num carro onde não precisaria se arriscar a dirigir após a consulta. Eu quis dizer a ela que pelo menos ela não tinha idéia de quem era Michael Jackson, muito menos Pina Bausch.

No dia em que a Pina Bausch morreu eu poderia ter feito uma boa ação para aquela criança, que provavelmente ficou traumatizada com a ida ao oftalmologista e que, assim como eu, provavelmente, nunca mais colocará os pés naquela clínica. Em vez disso eu entrei no carro e vim dirigindo pra casa com os olhos dilatados encolhidos com o excesso de claridade, quase me acidentando de cegueira, vertendo lágrimas dentro de um carro sem trilha sonora, pensando que talvez o meu pai tenha razão quando diz que não precisamos superar todos os nossos medos nessa vida. No dia em que a Pina Bausch morreu eu cheguei em casa viva e sem enxergar de perto, de longe ou de médio. Me tranquei sob as cobertas e dormi dez horas.

O dia em que a Pina Bausch morreu foi o mesmo em que uma aluna nova chegou à minha turma de dança, e após 40 minutos ela perguntou se eu conseguia fazer a aula toda de óculos sem problemas. Sim, eu respondi. Sem qualquer problema.

Um comentário:

FULANAS MULTIMARCAS disse...
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