quarta-feira, abril 23, 2008

Caminito

Encolhida na cadeira da classe econômica, a luz individual não funciona do lado direito da aeronave, menos mal, assim ninguém vê que por dentro da mochila eu tento trocar o cd do meu discman Toshiba verde. Eu estava de saco cheio da dengue, do caso Isabella, do fato das pessoas apedrejarem supostos assassinos e esquecerem dos cartões corporativos e etc, resolvi passar o feriado junto dos hermanos que são muito mais revolucionários do que nós e o meu discman verde era uma forma de protesto, a minha ego-revolta contra a mp3 e computadores e internet e a falta de calor humano e o-que-aconteceu-com-hábito-de-escrever-cartas?, sabe essas coisas?

Foi assim que fui parar em Buenos Aires, torcendo pro avião poder pousar, torcendo para que a tal fumaça que invadiu a cidade nos últimos dias não fosse tão ruim assim e torcendo pra sei lá, caminhar, ver os parques, sentar nas praças e basicamente não ter que pensar durante alguns dias, não precisar conversar seriamente com alguém, sair de casa sem relógio e sem telefone.
::

Banhos de banheira, passeios pelas avenidas, pães quentinhos e deliciosos no café da manhã, confortos e mimos dos anfitriões, flores na varanda, todos os episódios de Seinfeld a meu dispor, todos os episódios de I Love Lucy idem, pilhas de Vanity Fair para folhear, Vinícius e Caio F na cabeceira improvisada, folhas do outono começando a cobrir as calçadas. Eu sei, eu devia querer dançar tango, tomar vinho, comer bifes de chorizo no Puerto Madero e comprar bolsas e botas de couro a preços ótimos. Mas nós que não temos i-pod fazemos isso na Argentina: assistimos a uma série de 1952 no sofá da casa da tia enquanto tomamos sopa. Nós somos incompreendidos. Um dia nos chamarão vanguardistas.

::

Tarsila do Amaral está em cartaz no Malba. Surpreendentemente não compro nada na lojinha do museu, eu que as adoro, saio de mãos abanando. Não compro a Lomo que queria, fico perdida entre latas antigas e compro uma de talco de 1920 e um liseuse que a vendedora afirma ser Vitoriano. Não duvido. A loja, numa das esquinas da praça de San Telmo é uma viagem no tempo. Com um pouco de imaginação, a parte do subsolo reservada às roupas vira um imenso camarim das antigas óperas francesas e italianas. A qualquer momento as bailarinas estarão por ali vestindo-se a apertando as sapatilhas. Suspiro. Quero morar na loja de dois andares da praça de San Telmo. Quero comprar as meias que não estão à venda. Quero a camisola de 1890 que custa muitos dólares.

::

Fotografo postes, pombos, estátuas no cemitério, árvores, placas, bonecas antigas, os potes com utensílios de cozinha, o banco perto da porta, o banco sob a árvore, meu pé.

Me esforço na série "auto-retrato com braço esticado". Lembro da Carol e das considerações que ela fez quando viajou sozinha. Concluo que, mais que gostar, preciso viajar sozinha.

::

Quase que tudo vai por água abaixo quando na volta o aeroporto está lotado, as luzes individuais do lado direito da aeronave seguem defeituosas, o sujeito ao meu lado insiste em puxar conversa e faz tanto frio tanto frio dentro do avião, peço um cobertor mas não há mais mantas disponíveis, tomo uma taça de vinho em copo plástico, como é que as coisas ficam decadentes assim? eu quero matar todos da Siberian Airlines.

Abro a caixa de chocolates, o discman parece não funcionar, insisto mais um pouco, verifico a posição das pilhas, penso que um tênis Keds e um perfume CK One combinariam com o meu jeito anos 90 de ouvir música durante viagens e de repente a música começa “She says Hello! You fool, I love you! Come on join the joyride” ha ha , não era Roxette, era Adele. Não posso mudar o volume, essa função, assim como as luzes individuais, está com defeito. Me pergunto se as pessoas à minha volta estarão ouvindo a música que sai dos fones azuis. Acho que não. O meu vizinho que tentara puxar conversa parece dormir. Os gays à minha frente fazem perguntas sobre o meu brinco.

Final e infelizmente chego em casa, cachorro late, todos conversam, querem saber, bla bla bla. Desfaço as malas, deixo tudo meio bagunçado, retiro as pilhas do Discman para não melarem, arrumo a mochila para amanhã, ponho o despertador para mais uma vez tentar ir à natação cedinho. Quando a casa atinge relativo silêncio caio na cama cansada, as costas ruins de novo, dou um suspiro. Amanhã é segunda e eu pedi demissão. Preciso organizar meus manifestos.










sábado, abril 12, 2008

E fugir com você pra Shangri-lá

- Eu tive um professor que dizia isso. Ele citava muito Arquimedes.
- E o que Arquimedes tem a ver com isso agora?
- Tudo. Ele encontrou a solução pro problema dele enquanto tomava um banho. Ele estava tão envolvido no problema que a solução só veio quando ele conseguiu se desligar, sabe? Desanuviar. - Faz sentido.
- Ele precisou se esquecer um pouco, entende?
- E o que você pretende fazer então? Tomar banhos?!
- Não sei... não... Eu tomo muitos banhos. Mas não tem fuincionado.
- É que você já entra no banho achando que vai ser a solução, você não está ajudando. E ficar aí desse jeito piora.
- Eu estou ajudando sim!
- Ah é? Hum é verdade, hoje você se ajudou muito comendo porcarias e bebendo cervejas. E ontem também se ajudou à beça embaixo daquele cobertor grosso. E anteontem
- Eu voltei pra terapia, não voltei?
- É...
- Só que eu não posso achar que em uma sessão toda a minha desordem mental vai se reorganizar também...
- É...
- Pare de dizer "é", você devia me dar conselhos!
- Arquimedes devia te dar conselhos. Eu torço pra que você se encontre logo. Gostava dos seus olhos brilhando.
- Você se encontrou?
- Sim.
- Fez o que?
- Fui pra Índia. Virei zen-budista.
- Mas você teve que se estressar antes, né? Teve que sofrer pra resolver que não era nada disso...
- Sim, tive que ficar sufocado um pouco.
- Então eu estou no camiho certo, eu acho. E além disso eu não acho que a pessoa tenha que ir pro outro lado do mundo pra se encontrar. Não se trata disso. Não é uma questão territorial..
- Já entendi, você acha que ela precisa ir pro divã.
- Ou pro banho. Ha ha.
- Esse é o seu plano então? Freud? Iung?
- Eu não tenho um.
- Então aceite o meu.
- Você me dá a passagem?
- Eu sou zen-budista. Não posso te dar nem o bilhete do circular. Só vim pra esse café porque você me deu carona. He he he.
- Você vai me dar o quê então, porra?
- Um sabonete?
- Hahahahahahahahahahahhahahah
- Não se trata disso afinal? De um apoio? De um ombro amigo? De um pouco de carinho?
- É... mas e se você me desse carona, então?
- Até onde??
- Até esse lugar onde eu preciso ir pra me esquecer e então me encontrar de novo.
- Mas como você quer se esquecer se eu vou estar lá? Digo... eu vou estar sempre te lembrando de você mesma...
- É que... eu não quero te esquecer junto, entende?







:: Dedicado à Carol Salomão, pelas conversas reais.


" C - O que você acha das quartas-feiras?
J - Acho que elas podem ser um copo meio cheio ou meio vazio."

segunda-feira, abril 07, 2008

Toda essa gente se engana

Uma das músicas que mais gosto do Cazuza é Completamente Blue. Especialmente os versos “Sou feliz em Ipanema, encho a cara no Leblon, tento ver na tua cara linda o lado bom”. Faz tempo que não encho a cara no Leblon e nem em qualquer outro bairro, a tua cara linda sumiu num piscar de olhos e me esforço para não lembrar. E eu nunca sou feliz em Ipanema rodando quarteirões à procura de vagas ou na sala da analista.

Eu gosto mesmo é de Copacabana.

Gosto de tudo em Copacabana. Gosto daquele cantinho perto do bairro Peixoto, do restaurante cheio de velhinhas e velhinhos, alguns mostrando cumplicidade até nas roupas e andando lado a lado com seus moletons combinando. Gosto das quitandas e mercadinhos que sobrevivem aos Zona Sul, gosto da loja de materiais de limpeza com suas vassouras e galões de água sanitária. Eu adoro as portinhas que escondem vilas no meio da Barata Ribeiro, gosto do fato de que a loja de moda da patricinha é ao lado da loja de calçados ortopédicos, principalmente, eu gosto do fato de Copacabana ser cafona e não kitsch (como a maioria dos mudernos diria). Copacabana, ainda bem!, não virou hype.

Eu gosto de saber que a Modern Sound convive ao lado de uma papelaria de bairro, gosto da lojinha que conserta relógios, adoro as lojas de móveis de madeira, o atendimento de vendedores que não fazem idéia do que é marketing, adoro a loja da esquina com seus maiôs e estampas absolutamente improváveis, adoro ainda mais a loja do alfaiate que fica ali ao lado, em que outro bairro você pode comprar um legging de lycra (lycra mesmo, antes da invasão de viscolycra) no mesmo quarteirão onde funciona uma alfaiataria?

Eu curto todos os contrastes de Copacabana, os albergues que deram certo, os bares suspeitos na orla, os hotéis sofisticados, as senhoras que pintam a sobrancelha, os brechós cheios de traça, os antiquários refinados, as estações de metrô, os sebos do shopping velho da Siqueira Campos, as lojas de design do shopping velho da Siqueira Campos, as mercearias azulejadas, o engarrafamento nas avenidas, as ondas e marolas da praia.

E o melhor de tudo é que num desses dias blues em que a música do Cazuza parece ter sido feita sob medida você se depara com um ser vestido de Magali anunciando as promoções da loja de colchões sob um sol inclemente e então você finalmente entende.

O melhor de Copacabana é isso: você consegue se sentir feliz mesmo sendo nonsense.

terça-feira, abril 01, 2008

... de tudo outra vez.

Um livro escorregou da prateleira e espatifou a caneca do Van Gogh no chão uma semana antes de algum músculo que liga ombro direito e pescoço pifar, tudo isso na mesma semana em que um amigo telefonou pedindo uma dica de óculos e touca de natação e eu achei isso engraçado demais e contei pra todo mundo, não faz mal, contei pra todo mundo também as alucinações que o Marcelo teve com o Osama e essa foi uma das últimas notícias que eu tive dele, do Marcelo, não do Osama, ou do Osama também, nem sei mais, e comecei a ler blogs e recomecei um livro que estava parado e percebi que em algum momento alguém entendeu que eu achava que a Paris Hilton se veste bem quando na verdade eu me referia à Suri e então me dei conta de que esse era um papo que eu só poderia bater comendo linguicinhas no Braseiro acompanhada da Bebel, que não faz natação, não tem alucinações com o Osama e também acha a Suri uma das celebridades? mais bem vestidas do mundo, ha ha ha, a gente engataria toda sorte de assuntos bobos, não os assuntos bobos do fim de semana em Penedo, aaah Penedo, a gente na piscina tentando convencer uma das amigas a não fazer permanente, a outra a não cortar mullets, de onde as minhas amigas tiram essas idéias?, e à noite eu consegui viciar uma delas em Grey's Anatomy, não foi preciso muito, muito eu precisei foi de relaxante muscular e como é que se fica em pé durante o dia, a língua começa a enrolar, a cabeça pesa, esse remédio é quase um calmante, e toda aquela conversa de O Segredo, comecei a implantar os pensamentos de manhã, quem sabe?, arranjei uma vaga bem rápido, será que o Universo já me escutou? sério, preciso melhorar, amanhã começa um curso novo, depois de amanhã começa uma nova análise, semana que vem começa o que mesmo?, uma vontade de beber litros de água e leite, uma vontade de dormir e dormir e dormir, uma vontade de dormir na rede de Penedo, ficar perto das árvores, pisar na grama, afagar a cadela, perguntar "Clara você me alcança? Será que pode me balançar?" só por preguiça de apoiar os pés no chão, uma vontade de experimentar dormir no barco, e também uma vontade quase insana de te ver, de te achar, de te procurar por aí, principalmente uma vontade mais que insana de te escrever, ou de te falar talvez, de te fazer entender, de te fazer voltar, mas que cabimento tem isso depois de tantos anos?, e então o itunes faz uma reviravolta e Freddie Mercury é substituído por Roberto Carlos e é como um tapa, eu não conseguiria escrever nada decente ou esclarecedor pra você porque foi o Rei quem compôs a música, é sempre assim e a gente pensa que queria ter escrito aquele livro ou composto aquela melodia e tantas melodias você carrega e eu também, quanto tempo, quanta vontade de te pedir pra voltar, quanta vontade de te pedir pra gente dar certo, de te fazer entender que você foi o maior dos meus casos mesmo tendo durado 5 noites, te convencer que você é a saudade que eu gosto de ter... e se eu gravasse uma fita com essa música e mandasse pra ele?, mas se ele achar Roberto Carlos uma cafonice..., como é que faz?, será que é cisma? deve ser, tem que ser, porque se não for eu faço o quê?