segunda-feira, maio 26, 2008

Biblioteca

- Mas é que livro tem que ter aquele apelo, sabe? Ele tem que parecer que está flutuando sobre os outros na prateleira da loja. Às vezes não adianta ser um Oscar Wilde, o livro tem que acenar pra você, entende?
- Flutuando na prateleira da loja??? O livro tem que te acenar?? Que papo é esse?
- É uma figura de linguagem, oras. Ele tem que ter alguma coisa que te chame, sei lá.
- Tipo uma capa bacana?
- Talvez. Mas não é só isso. Uma vez eu comprei um livro porque a capa dele era genial e o título tinha tudo a ver e foi péssimo. Não durou dois capítulos. Não era de capítulos na verdade, era de contos. Meio um Caio F wannabe, sabe?
- Humm sei, esses são os piores, esses cretinos pretensiosos.
- Esse certamente foi.
- E o que você fez? Você parou de ler no meio? Que parar livro no meio é pesado, né? Eu me sinto péssima. Acho que se o cara teve a coragem de escrever um livro ele devia ser lido até o fim.
- Mas era ruim, mal escrito, mal pensado, mal diagramado...
- Mal diagramado?!
- Ok, não era mal diagramado, mas era mal tudo o que você consegue pensar. Até o nome do autor se você parar pra pensar é péssimo.
- Ahahaha agora você está exagerando, a culpa nem é dele.
- Pode não ser, mas que pessoa com aquele nome tem coragem de vê-lo na capa de um livro? Livro é uma decisão séria, é que nem filho, é pra vida toda!
- Ahahaha você devia fazer teatro!
- E você devia fazer uma lista pra mim, com livros bacanas que você recomendaria. Livros assim que você levaria pra Penedo pra ler na rede, sabe?
- Humm sei. Clarice. Raduan. Camus. Adélia.
- É. Mas esses são os de sempre. Sinto falta de uma novidade, sabe? De um impacto.
- Entendo. De um novo amor, né? Literário, quero dizer. De arrebatamentos. Sabe o que resolvi fazer? Ler os livros das músicas.
- Como?
- É, os livros das músicas. Aquelas. Dentro da Noite Veloz, Na Cinza das Horas, Flores do Mal
- Olha! Que genial! E Paraísos Artificiais?
- Esse livro tá em que música?
- “Meu amor se você for embora, sabe lá o que será de mim...” À Francesa, da Marina!
- Humm. Desconfio.
- Do livro? Ou do Baudelaire?
- Da Marina. “Eu tô grávida de um beija-flor” e tal, ela não é confiável.
- E “o inverno no Leblon é quase glacial” é confiável??
- Mas essa não tem livro, não tem problema. O negócio é aquela que a Calcanhoto canta, os livros se encaixam tão bem na letra que a maioria das pessoas nem deve saber que são nomes de livros, devem achar super metafórico e abstrato e poético ainda ter o seu cheiro dentro da noite veloz.
- Ahahahah e na cinza das horas mais ainda!
- Ahahahaha mas olha, a gente precisa descobrir outros livros de músicas! O Chico deve ter livros em músicas. Zeca Baleiro também. O Caetano tem um disco inteiro chamado Livro. Tem que ter algum livro na música!
- Sabe quem deve ter? Legião Urbana!
- Éééé, sempre tinha um Godard no meio da história, Bauhaus, Mutantes, tal. Tem que ter livro.
- Tem aquele “quando se aprende a amar o mundo passa a ser seu”, sabe? Naquela música Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar.
- Isso não é livro.
- Claro que é. Dá um google nessa frase.
- Péraí... não. Não é livro.
- Mas é claro que é! De auto-ajuda! Posso vê-lo ao lado de “Quem ama não adoece”!
- Flutuando na prateleira?!
- Humm não sei... Mas olha, tem outro: “o sol nasce pra todos só não sabe quem não quer” de “Quando o sol bater na janela do teu quarto”. E também “e hoje em dia como é que se diz eu te amo?” De "Vamos Fazer um Filme"!
- Ai meu deus. Daqui a pouco você vai dizer que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” é um livro de auto-ajuda também.
-E não é? Gente esse negócio vicia, as músicas deles são um celeiro de livros de auto-ajuda! Olha só: “com você por perto eu gostava mais de mim” ahahaha e não é que nessa tem? “estava lhe ensinando a ler On The Road, coisas desiguais”!
- Éééé! (...) Kerouac, é? Não sei não...
- Por que, não é confiável também?
- Tanto quanto o Engenheiros do Hawaii. Eles tem um livro numa música, Pergunte ao Pó. O nome da música é outro.
- Mas e então, ficamos na mesma, né?
- É. Esse aí que você comprou por causa da capa. Como foi? A compra, quero dizer.
- Ah foi um dia qualquer. Ele se destacou, não sei bem. Digo, ele acenou pra mim na prateleira.
- Mas você já foi querendo um desses bons? Quero dizer, você já foi comprar um livro epifânico?
- Sim, eu queria um desses.
- Entendi. Talvez a gente deva procurar qualquer coisa, uma frase, sei lá. E não uma epifania toda, sabe? Já experimentou ler o primeiro parágrafo dos livros?
- Não. Pode ser uma idéia.
- Melhor do que achar que algum está flutuando. É que nem conhecer pessoas. Aquela coisa de primeira impressão e tal. Como foi que você encontrou o Caio?
- Ele me encontrou. Numa epígrafe de um livro que eu ganhei. Foi muita sorte.
- Verdade. Como faz então?
- Acho que não faz. Continuamos ouvindo músicas, sei lá. Da última vez fiz uma enquete e acabei lendo um livro que tinha mudado a vida de duas pessoas. A minha continuou igual.
- Sabe que livro mudou minha vida?
- Sei. Mudou a minha também. Será que depois de um tempo eles mudam mais alguma coisa? Ou mudam de novo?
- Acho que não. Mas não custa tentar, né?
- É, não custa. Ainda mais que eles continuam acenando, né?

- Ou será que estão tentando nos dizer tchau? Tem gente que diz que você deve passar os livros adiante, deixar nos sebos, talvez a gente devesse comprar livros dos sebos. O seu que você ganhou...
- Foi de um ex-amor, o sebo, o sebo é uma boa idéia. Se não der certo fica resolvido: compramos novos discos.

quinta-feira, maio 22, 2008

Diário de bordo

A transportadora entregou um dos 5 volumes trocado. Eram 4 rolos de tecido e uma caixa, a fábrica recebeu 5 rolos de tecido e zero caixa. Me telefonaram pra saber o que deveriam fazer com o tecido branco. Liguei para a transportadora pra dizer que um dos volumes tinha sido trocado. Depois de informar endereço, cnpj, inscrição estadual, cep, telefone, razão social, número da nota, endereço de destino, depois que a moça da transportadora entendeu que dos 4 volumes só um tinha sido entregue errado, depois que ela entendeu que o destinatário é que tinha recebido errado e não eu, depois disso a atendente perguntou pra onde tinha ido o volume errado. Eu respondi que não sabia porque eu não estava no caminhão no momento da entrega.

Houve uma greve de transportes no Espírito Santo e por conta disso nenhum dos funcionários da estamparia foi trabalhar e por conta disso também a produção das estampas atrasou alguns dias.

Os consertos de uma das modelagens deram um total de R$ 18,00. Eu precisava de troco para R$ 50,00. Combinei com o fornecedor que o boy passaria pra buscar e ele voltou com R$ 18,00 de troco. Telefonei pro fornecedor pra explicar que na verdade o troco era de R$ 32,00 e eu precisava do complemento. O fornecedor me enviou mais R$32,00 e de novo eu tinha os R$ 50,00 iniciais. Eu achei tudo muito engraçado e quis fazer aquele gráfico de pizzas ou enviar um esquema de fulan-tinha-50-laranjas-comeu-18-quantas-restaram-? Alguém acredita nisso?

A fábrica mandou uma caixa cheia de etiquetas de tamanho P, M e G todas misturadas. Elas medem cerca de 2,5 centímetros e a capacidade da caixa é de 10 mil etiquetas. Eu precisava de umas 200 de cada tamanho. Algumas horas depois eu consegui.

Eu estava experimentando um sutiã na sala de reunião quando o boy passou pela porta. Eu estava vestindo uma camisola de renda semi-transparente quando o arquiteto chegou...

Uma cliente enviou um sutiã para conserto reclamando que a costura do fecho incomodava suas costas. Eu queria mandar pra ela um sutiã Scala sem costura. Algumas clientes enviaram peças sujas para conserto. Não quero entrar em detalhes.

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Na manhã de terça arrumei a mesa. Limpei as gavetas, joguei fora os papéis, organizei as informações importantes numa pasta dividida por assunto, me livrei dos inúmeros retalhos de tecidos de outras coleções, copiei os telefones de todos os post-its na agenda do computador e até mesmo as planilhas foram melhoradas. Os arquivos de imagens e referências eu copiei no pen-drive, os lápis e canetas foram para a gaveta e o porta-trecos voltou pra minha casa, uma lista de instruções e pendências foi crescendo e em algumas horas a minha mesa estava mais ou menos como no dia em que a recebi de outra pessoa.

Ir embora sempre envolve uma faxina física.

Então eu comecei a enviar os emails. A lista de destinos era extensa, mais de 50. Eu sei que não vou ver mais essas pessoas com quem tanto falo no telefone, pessoas que vendem tecidos, que fazem modelagens etc. E é justamente quando você se dá conta de que o convívio com as outras pessoas, as que sentam nas mesas ao lado vai terminar. Algumas piadas, algumas epifanias, algumas risadas, alguns suspiros, algumas partes de nós só funcionam ali. Algumas das meninas estão preocupadas em saber quem será a próxima. Ficam pensando em como vão viver o dia a dia estressado sem as minhas imitações e cenas. Eu também não sei o que vou fazer sem a gargalhada delas. Não é bom pensar nisso ainda.

Antes preciso resolver o problema das camisolas. E terminar de enviar os emails que os dolorosos mesmo eu deixei pro final. A sorte é que as respostas chegam logo, todos me desejando boa sorte e sucesso, me pedindo meus telefones de contato e dizendo o quanto sentirão minha falta.

Pode ser tudo mentira ou ensaiado, não importa: sair do trabalho faz bem pro ego.

quinta-feira, maio 08, 2008

Carta a D.

My dearest,

Fazia tempo que queria mesmo parar. Ficar um dia em casa, ouvir músicas que me lembrassem você, te escrever.

Às vezes acho que o meu corpo funciona como um termômetro da minha cabeça e então percebo que preciso desacelerar.

Parece que o frio já começou por aqui. Voltamos a dormir de meias em casa, a praia está com aquele clima constante de fim de tarde e os cafés voltam a encher. Já tomo meu chocolate quente sem culpa. E chás. Uma pena, tiraram a minha sopa preferida do cardápio daquele restaurante. Quis protestar mas o garçom foi taxativo, a minha sopa não dava o menor ibope.

Ainda está quente aí?

Os noticiários continuam falando de coisas absurdas. Os anúncios de supermercado continuam absurdos também. Isso me faz pensar em como as pessoas não devem ligar pro que vêem. Acabo sempre desligando a tv. Estou com uma pilha de livros que não diminui. Ando sem foco, sem concentração. Esta semana emprestei dois livros a uma amiga. Um deles já estava na prateleira há um tempo. O outro mal tinha chegado. Foi um daqueles...! Li em poucas horas. Nunca empresto livros recém-terminados. Eu crio uma espécie de relação com os livros, preciso tê-los por perto, preciso reler trechos, gosto de saber que eles estarão ali. Gosto desse tempo de digestão, de ler arrebatamentos e de saber que eles estarão ali guardados e prontos para serem abertos de novo. Conversei sobre isso na análise.

Preciso me desapegar um pouco. Não, acho que não é isso. Mas preciso aprender a sofrer menos. Ao ficar longe das pessoas, ao me despedir das etapas, ao emprestar livros especiais para os amigos dois dias depois.

Ontem conversando ouvi: “Descobri que existe um lugar onde o chocolate é melhor que na Suíça. Acho que é na Bélgica”. Um pouco antes ele já tinha dito que havia viajado pelo mundo sem sair do lugar. Era o motorista que me levava até. Ele trabalhou anos num hotel. E foi lindo e triste ouvir aquilo. Eu tive vontade de comprar uma caixa de chocolates belgas para ele. Entende o que eu digo? Essas coisas me tomam, eu não sei como evitar. É o mesmo com os livros. Com as músicas também. Com os meus amigos.

Perguntei pra um deles outro dia quais eram as novidades. Um dos amigos, eu digo. Ela respondeu que havia parado de roer unhas. Eu gargalhei! E entendi. Entendi que essa era a resposta que eu podia esperar. E quis dizer a ela que a minha novidade era que voltei a dançar. Mas não voltei. Sabe, essas coisas dizem muito mais sobre as pessoas. Lembra quando me apaixonei por um cara que tinha uma rede no quarto? É isso o que acontece comigo. Eu aprecio os detalhes. E acho que eles são tão mais significativos. Talvez seja por isso que sofro tanto.

Encontrei aquele cara de novo. Não o da rede, o outro, você sabe. Não houve nada. Mas morremos de saudade em um segundo. Enquanto ele respirava no meu pescoço e eu no dele. Talvez três segundos... Eu sei que é bobagem. Continuei sentindo saudade depois, não sei ele. Mas sei que durante aquela respiração nós dois tivemos certeza um do outro e vai ver é isso... Eu sempre uso reticências quando falo dele, eu sei. Ele também usava quando falava comigo. Dava pra ouvi-las.

O que você tem escutado?

Acho que desisti daquela viagem. Na verdade não sei bem do que desistir. Sei que acabo insistindo em coisas por tempo demais, em pessoas e então de repente reavalio tudo e me bate essa dúvida. E então eu sinto aquilo que te disse no começo, uma dor nas costas, uma dor!

Hoje de manhã não consegui acordar. Ontem cheguei em casa chorando e minha mãe me deu um remédio. Acontece que hoje não houve jeito de sair da cama porque o remédio era muito forte e eu estava sonhando com a casa de Penedo. E eu precisava me esconder, precisava ficar num canto onde ninguém me encontrasse. No sonho. Eu era criança no sonho, dava passinhos pequenos. Eu não queria ir embora da casa de Penedo porque lá era muito seguro e voltar para o Rio era diminuir ainda mais o tamanho dos passos. Eu me escondia sob um lençol dentro da sauna e tentava apagar minha sombra na porta.

Eu estava apavorada no sonho. Eu estava apavorada ontem também. Entende por que eu não conseguia acordar? A minha cama era como respirar no pescoço dele, quente, seguro, feliz. E desabraçar isso tudo...

Não soube o final, se me encontraram na sauna ou se eu achei meu caminho de volta. O telefone tocou. Eu queria que fosse ele dizendo "eu também". Era do trabalho.

Sei que preciso dormir mais uma vez, está na hora de tomar o remédio de novo.

É esse o momento do dia em que penso muito em você e no seu caminho. Lembro do vôo que fizemos juntas e me pergunto quando vamos nos encontrar de novo. Não sei se estou pronta pra ir até onde você está. Acho que preciso me reconstruir primeiro. Torço pra que você não demore.
O livro eu te mando.

Espero que os cães estejam bem. O meu parece estar um pouco mais calmo. Faz alguns meses que não morde ninguém. O seu namorado eu sei que está bem. As fotos evidenciam! Dê um beijo nele. E não o desabrace, promete?

Um beijo com amor,

Sua prima.