- Flutuando na prateleira da loja??? O livro tem que te acenar?? Que papo é esse?
- É uma figura de linguagem, oras. Ele tem que ter alguma coisa que te chame, sei lá.
- Tipo uma capa bacana?
- Talvez. Mas não é só isso. Uma vez eu comprei um livro porque a capa dele era genial e o título tinha tudo a ver e foi péssimo. Não durou dois capítulos. Não era de capítulos na verdade, era de contos. Meio um Caio F wannabe, sabe?
- Humm sei, esses são os piores, esses cretinos pretensiosos.
- Esse certamente foi.
- E o que você fez? Você parou de ler no meio? Que parar livro no meio é pesado, né? Eu me sinto péssima. Acho que se o cara teve a coragem de escrever um livro ele devia ser lido até o fim.
- Mas era ruim, mal escrito, mal pensado, mal diagramado...
- Mal diagramado?!
- Ok, não era mal diagramado, mas era mal tudo o que você consegue pensar. Até o nome do autor se você parar pra pensar é péssimo.
- Ahahaha agora você está exagerando, a culpa nem é dele.
- Pode não ser, mas que pessoa com aquele nome tem coragem de vê-lo na capa de um livro? Livro é uma decisão séria, é que nem filho, é pra vida toda!
- Ahahaha você devia fazer teatro!
- E você devia fazer uma lista pra mim, com livros bacanas que você recomendaria. Livros assim que você levaria pra Penedo pra ler na rede, sabe?
- Humm sei. Clarice. Raduan. Camus. Adélia.
- É. Mas esses são os de sempre. Sinto falta de uma novidade, sabe? De um impacto.
- Entendo. De um novo amor, né? Literário, quero dizer. De arrebatamentos. Sabe o que resolvi fazer? Ler os livros das músicas.
- Como?
- É, os livros das músicas. Aquelas. Dentro da Noite Veloz, Na Cinza das Horas, Flores do Mal
- Olha! Que genial! E Paraísos Artificiais?
- Esse livro tá em que música?
- “Meu amor se você for embora, sabe lá o que será de mim...” À Francesa, da Marina!
- Humm. Desconfio.
- Do livro? Ou do Baudelaire?
- Da Marina. “Eu tô grávida de um beija-flor” e tal, ela não é confiável.
- E “o inverno no Leblon é quase glacial” é confiável??
- Mas essa não tem livro, não tem problema. O negócio é aquela que a Calcanhoto canta, os livros se encaixam tão bem na letra que a maioria das pessoas nem deve saber que são nomes de livros, devem achar super metafórico e abstrato e poético ainda ter o seu cheiro dentro da noite veloz.
- Ahahahah e na cinza das horas mais ainda!
- Ahahahaha mas olha, a gente precisa descobrir outros livros de músicas! O Chico deve ter livros em músicas. Zeca Baleiro também. O Caetano tem um disco inteiro chamado Livro. Tem que ter algum livro na música!
- Sabe quem deve ter? Legião Urbana!
- Éééé, sempre tinha um Godard no meio da história, Bauhaus, Mutantes, tal. Tem que ter livro.
- Tem aquele “quando se aprende a amar o mundo passa a ser seu”, sabe? Naquela música Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar.
- Isso não é livro.
- Claro que é. Dá um google nessa frase.
- Péraí... não. Não é livro.
- Mas é claro que é! De auto-ajuda! Posso vê-lo ao lado de “Quem ama não adoece”!
- Flutuando na prateleira?!
- Humm não sei... Mas olha, tem outro: “o sol nasce pra todos só não sabe quem não quer” de “Quando o sol bater na janela do teu quarto”. E também “e hoje em dia como é que se diz eu te amo?” De "Vamos Fazer um Filme"!
- Ai meu deus. Daqui a pouco você vai dizer que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” é um livro de auto-ajuda também.
-E não é? Gente esse negócio vicia, as músicas deles são um celeiro de livros de auto-ajuda! Olha só: “com você por perto eu gostava mais de mim” ahahaha e não é que nessa tem? “estava lhe ensinando a ler On The Road, coisas desiguais”!
- Éééé! (...) Kerouac, é? Não sei não...
- Por que, não é confiável também?
- Tanto quanto o Engenheiros do Hawaii. Eles tem um livro numa música, Pergunte ao Pó. O nome da música é outro.
- Mas e então, ficamos na mesma, né?
- É. Esse aí que você comprou por causa da capa. Como foi? A compra, quero dizer.
- Ah foi um dia qualquer. Ele se destacou, não sei bem. Digo, ele acenou pra mim na prateleira.
- Mas você já foi querendo um desses bons? Quero dizer, você já foi comprar um livro epifânico?
- Sim, eu queria um desses.
- Entendi. Talvez a gente deva procurar qualquer coisa, uma frase, sei lá. E não uma epifania toda, sabe? Já experimentou ler o primeiro parágrafo dos livros?
- Não. Pode ser uma idéia.
- Melhor do que achar que algum está flutuando. É que nem conhecer pessoas. Aquela coisa de primeira impressão e tal. Como foi que você encontrou o Caio?
- Ele me encontrou. Numa epígrafe de um livro que eu ganhei. Foi muita sorte.
- Verdade. Como faz então?
- Acho que não faz. Continuamos ouvindo músicas, sei lá. Da última vez fiz uma enquete e acabei lendo um livro que tinha mudado a vida de duas pessoas. A minha continuou igual.
- Sabe que livro mudou minha vida?
- Sei. Mudou a minha também. Será que depois de um tempo eles mudam mais alguma coisa? Ou mudam de novo?
- Acho que não. Mas não custa tentar, né?
- É, não custa. Ainda mais que eles continuam acenando, né?
- Ou será que estão tentando nos dizer tchau? Tem gente que diz que você deve passar os livros adiante, deixar nos sebos, talvez a gente devesse comprar livros dos sebos. O seu que você ganhou...
- Foi de um ex-amor, o sebo, o sebo é uma boa idéia. Se não der certo fica resolvido: compramos novos discos.