Is there any artist you regret failing to snap up before they became famous?
Vermeer, Velazquez, Van Gogh. And that's just the Vs.
(...)
Do you feel responsible for the British art scene as we know it?
No.
Is ego a part of that?
I don't seem to have given you the answer you wanted above. Sorry.
Charles Saatchi in "My name is Charles Saatchi and I'm an artoholic", ed. Phaidon.
sexta-feira, janeiro 14, 2011
quarta-feira, janeiro 12, 2011
Waffles com mel - cena 2
O café está cheio, pelos ruídos da porta já se pode afirmar. Esperamos menos que cinco minutos, vemos sair tantas pessoas sozinhas que consomem com rapidez seus goles, deixam sobre as mesas as moedas, disfarçam a melancolia em pressa. Ela não. É uma dessas que, como nós dois, dedica o fim da tarde de domingo àquele lugar. Em meio a revistas, jornais e gestos vagarosos, tudo nela parece um espreguiçar do tempo: cabelos grisalhos, mania de rabiscar, um jeito de sentar meio de lado, precisão de movimentos que muitas vezes ficam suspensos, uma mania de levar a colher a boca erguendo com exagero o cotovelo, quase um ballet.
Desde a primeira vez que a vimos eu achei que a conhecia de algum lugar, você disse que ela se parecia com aquela atriz e eu concordei. Inauguramos uma época em que a senhora grisalha era centro das nossas atenções.
Fazíamos nossos pedidos habituais e começávamos a inventar mundos inteiros pra ela. Difícil adivinhar onde pousava sua atenção, parecia mirar um ponto sem jamais fixá-lo. Parecia cansada de todas as bobagens compreendidas em diálogos. Parecia cheia de profundezas indecifráveis. Escrevíamos pequenos roteiros e dramas onde sempre havia um filho complicado, um amor perdido ou esquizofrenia. Eu sempre torcia pra que ela fosse a vilã da história, você acabava dando um jeito de absolve-la no final.
Ela permanecia ali por horas, imperturbável.
Aquela senhora virou personagem de diversas histórias sem final feliz que inventávamos entre uma entrada e um bolo desde que nos tornamos fiéis aos waffles dali. Lançávamos olhares curiosos por sobre a mesa daquela senhora, encontrávamos às vezes desenhos e esboços que eram tragicamente amassados pela garçonete sem que pudéssemos desvendá-los antes, caminhávamos em direção ao banheiro na tentativa de decifrar o que ela lia, por quais notícias se interessava. Alheia, ela nunca dava pistas. Ensaiamos alguns métodos de aproximação, perguntamos as horas, tentamos atrair sua atenção de diversas formas e nada, nunca conseguimos captar o olhar dela por mais de dois segundos.
Frustramo-nos, e por acasos da vida, mudamos o dia do café para quinta-feira. A senhora grisalha, porém, continuou a ser o centro de nossas especulações, especialmente naquela semana em que, contrariando as agendas, tornamos a encontrá-la, na última segunda-feira daquele ano. Ela nos assombrava. Só a notamos depois de muitas conversas e de listarmos nossas resoluções para o ano-novo, uma das quais era esquecê-la por completo. Ela estava sentada perto de uma família ruidosa. Rancorosos, engatamos um papo qualquer que nos fizesse abstrair a criatura grisalha, e nos agitamos nas cadeiras quando ela passou distraída por nós dois, depois de devorar um pote de creme chantilly.
A mesa ficava a caminho do banheiro, e com a desculpa da alergia, surrupiei um papel cheio de desenhos, antes que alguém viesse e o jogasse no lixo. Em meio a manchas de café, gotas d’água e o meu espanto, a senhora grisalha desenhara em tinta azul a tua gargalhada.
Foi a última vez que a vimos por ali.
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