(Para Elisa)
"Once
I travelled to the Tate in London to see the blue paintings of Yves Klein, who
invented and patented his own shade of ultramarine, International Klein Blue
(IKB), then painted canvases and objects with it throughout a period of his
life dubbed ‘l’époque bleue’. Standing in front of these blue paintings, or
propositions, at the Tate, feeling their blue radiate out so hotly that it
seemed to be touching, perhaps even hurting my eyeballs, I wrote but one phrase
in my notebook: too much. I had come all this way, and I could barely look.
Perhaps I had inadvertently brushed up against the Buddhist axiom , that
enlightenment is the ultimate disappointment. ‘From the mountain you see the
mountain’, wrote Emerson."
Maggie Nelson, Bluets (Wave Books, 2009)
Os primeiros grifos da minha edição de Estação Atocha, do Ben Lerner, estão nas
páginas 10 e 11, no trecho em que o narrador fala sobre os guardas de museus e
o fato de os mesmos passarem boa parte de suas vidas diante de quadros eternos,
ao passo em que o público só se dirige a eles para perguntar pelos banheiros e
pelo horário de encerramento dos museus. 10:04,
o meu segundo Ben Lerner, chegou no fundo de uma caixa da Amazon, debaixo de
dois livros da Maggie Nelson. Dele, até agora, só sei que tem alguma relação
com o De volta para o futuro – o exato horário em que um raio atingiu a torre
do relógio, permitindo a Marty McFly voltar a 1985 no primeiro filme da triologia
– e que traz na quarta-capa da edição americana um elogio de Maggie Nelson.
Outra caixa da Amazon, recebida no mesmo dia da
primeira, continha, por sua vez, 6 livros da Cosac, porque resolvi estocar e
presentear amigos com alguns livros que amo e que logo não poderemos mais
comprar. Nove livros numa terça-feira em que que abri espaço nas estantes,
encontrando, por isso, Uma idéia toda
azul, com acento mesmo, livro da Marina Colasanti com a etiqueta da
Malasartes na folha de rosto, um dos poucos que guardei da infância. Não tenho
nenhuma recordação da história, mas numa folheada encontrei fadas e Kublai
Kahn, o que me fez pensar que talvez seja um Calvino disfarçado.
Resolvi começar por Bluets, um ensaio da Maggie Nelson que trata de tudo o que é azul, principalmente
a saudade. Abri o livro enquanto aguardava uma sessão de cinema, grifei uma
frase na página 5 e por coincidência encontrei uma amiga que também estava ali
sozinha para o mesmo horário.
A garota
dinamarquesa
é um filme azul acinzentado, sobretudo quando Eddie Redmayne e Alicia Vikander
estão em Copenhague. As paredes do apartamento dos protagonistas são azuis,
muitos dos figurinos de ambos são azuis – você e eu cometeríamos crimes por
algumas das peças usadas por Gerda – e a complexidade da questão central é da
mesma cor, em uma de suas muitas tonalidades. As cenas parecem pinturas,
daquelas que nos fazem desafiar os guardiães da ordem dos museus, o impulso é
tocá-las para ver o que há por trás das tintas.
Sonhei com nosso antigo trabalho, o que tem
acontecido religiosamente de duas a três vezes por semana, e nessas ocasiões acordo
e vou pedalando para a yoga, quase sempre com roupas verdes, simbólico, talvez.
E ao chegar no trabalho novo esbarrei com uma reportagem sobre as civilizações
antigas que não reconheciam a cor azul. Não li, ficou guardada para depois, Maggie Nelson foi mais urgente. Hesitei, mas acabei colando na parede
do novo escritório o velho postal de uma pintura azul do Yves Klein que
habitava aquela nossa baia também azul, mesmo que fosse too much.
Terminei o livro enquanto assava batatas. Quis
plagiá-lo. E pensei que escrever é sempre uma tentativa fracassada de plagiar o
que vai nas nossas cabeças e peles, ainda que, quando os outros o fazem, não
pareça nada disso. Parece apenas que pode dar certo, de algum jeito.
Pensei numa conversa que tivemos há pouco tempo,
quando o Tico falou que gostava de McDonald’s e do De volta para o futuro quando
está triste. Acho que é nessa lembrança que esse texto talvez faça algum
sentido.