As pessoas falam de você como se não soubessem de nada, e
de fato não sabem. Não imaginam que tenho uma série de rascunhos de bobagens
que queria te contar. Que guardo essa correspondência unilateral e telepática
um pouco mais na superfície que as memórias que fui enterrando aqui e ali –
inutilmente, claro. Falam de você e me dão a falsa impressão de que é você que,
de algum jeito, anda no meu encalço. Falam de você sem me prevenirem, sem
nenhum alerta, sem informarem, antes, os procedimentos de emergência
necessários para sair ilesa, e percebo esse desmonte gradual da minha aparência
diante de alguém que só estava, de passagem, dizendo algo, na maioria das vezes
corriqueiro, sobre você. Falam de você como se comprassem o jornal, o pão, o
cigarro, e eu reajo como se um assombro, uma ameaça, uma bomba que explodiu. Então
comecei a simular ataques de tosse ou espirro, e já cogitei mesmo desmaiar.
Tento imaginar como você reagiria se, casualmente, alguém te falasse de mim,
como se não soubessem de nada. Sou capaz de afirmar que seria como quem pede o
açúcar ou um guardanapo num restaurante.
segunda-feira, junho 19, 2017
Hecatombe
As pessoas falam de você como se não soubessem de nada.
Seu nome aparece, aqui e ali, como se fosse o de um qualquer: durante um almoço
num restaurante japonês perto do Palais Royal, no meio de uma conversa de
whatsapp sobre uma leitura que vou fazer em outra cidade, num texto de trabalho
que me enviam e que contém uma citação sua, num café na padaria da esquina de
casa. As pessoas falam de você como se fosse muito natural, como se o seu nome
fosse só um nome, entre tantos outros que são ditos e esquecidos imediatamente,
ou que, ao menos, não aparecem em sonhos. Falam de você como se você não
surgisse, quase toda noite, em sonhos que me provam que minha tentativa de te
soterrar sob o acúmulo das coisas práticas só engana a mim mesma. As pessoas
falam de você sem me prevenirem, e ainda não escolhi o melhor disfarce, não
decidi qual máscara. Fico estranha, sempre, possivelmente. Então comecei a
dizer, quando elas reparam – e sempre reparam –, que você não vai com a minha
cara. Assim me sinto um pouco menos mentirosa em vez de ter que dizer que eu é
que não vou com a sua. Tento imaginar se meu nome também bate à sua porta com
frequência, e sou capaz de afirmar que não.
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