quinta-feira, março 09, 2006

Não se atrase na volta

E então você virou fantasma que assombra de vez em quando e tudo o que eu queria era te mandar ir à merda e dentro do meu olhar ia ter tanta certeza e tanta raiva que você ia duvidar que fosse verdade, e eu ia duvidar que fosse verdade, e a gente ia ficar se olhando até que um dos dois começasse a se explicar, e é claro que eu ia tomar partido da situação e ia te jogar na cara toda a babaquice que você jogou na minha vida e você ia se defender com unhas e dentes, e talvez você até tivesse razão em vários pontos e eu, manteiga derretida que sou, ia acabar aceitando parte da sua covardia escondida debaixo de todas as desculpas e clichês esfarrapados que iam sair da sua boca linda, boca que eu morro de vontade de beijar e de morder, mas que diante da impossibilidade eu ficaria apenas esperando que você tivesse a mesma vontade de fazer isso com a minha e então ali, com o coração na mão, eu ia ficar, ansiosa, esperando pelo momento em que você fosse se adiantar ao meu desejo e tornar tudo real, o reencontro, o arrependimento, o beijo entremeado por abraços e carinhos no meio dos seus cabelos, no meio dos meus cabelos, e é quando eu volto à tona, quando eu olho bem no fundo dos seus olhos e vejo palavras dissimuladas, vejo um sentimento confuso que corre a cada sinal verde que eu faço , vejo um menino com medo e lembro de todas as vezes em que o meu telefone não tocou com seu nome piscando e de algumas outras em que ele piscou e você pareceu tão maduro, tão seguro, tão feliz em fazer parte das conversas que eu queria ter e mais feliz em me fazer participar das suas novidades, e você era a melhor novidade dos meus dias e eu era a melhor novidade dos seus dias e tudo o que a gente queria era que essa fonte não secasse nunca e você gastava horas dos nossos encontros apenas olhando pra mim como quem olha uma vitrine de doces, com uma fome voraz e suave, salivando e querendo guardar um pedaço do doce, aquela gula saudável e uma vontade de guardar sempre um último pedaço, e você tinha tantos últimos pedaços que eu queria guardar, e nós dois éramos como pratos cheios que nunca são inteiramente devorados e éramos nossos pratos preferidos, até que você jogou sua porção fora e eu fiquei com um quilo de comida nas mãos, uma espécie de arroz sem feijão e ao mesmo tempo que queria quebrar os pratos achava um desperdício tamanho e em algum lugar ainda tinha, ou buscava, a certeza de que você ia voltar e agora aqui parada na sua frente, mesmo que apenas em pensamento, eu procuro em mim essa certeza e quero essa certeza e preciso dessa certeza e da mesma forma como te mandaria ir à merda te mandaria ir à terapia resolver seus problemas e seu pavor de mim, e te pediria, insistiria até, para que você resolvesse me escolher no meio de tantas opções que passam por sua cabeça, e logo depois me daria conta que não se pede a ninguém que te escolha e então me daria uma enorme vontade de correr para o mais longe possível, e de preferência que você fosse levado por alienígenas e não voltasse mais, ou voltasse apenas pra me pedir desculpas, pra reconhecer que foi um estúpido em me deixar e que não suporta pensar no fato de eu estar com outro e eu te diria que não suporto estar com outro e que os outros são apenas uma maneira egoísta e prática de te esquecer mas que de verdade não adianta nada porque a única pessoa com quem eu gostaria de passar os dias é você e que ainda guardo a sua foto e que ainda guardo, além de todo o resto, um resquício do seu cheiro naquele vestido e que não usei mais aquele vestido e você diz que quando pensa em mim me vê naquele vestido e eu pergunto se você realmente pensa em mim, ora, mas que bobagem, é claro que não, já faz tanto tempo e você me aparece assim, no meio da rua, no coração de Ipanema e me pergunta se ta tudo bem, eu respondo ironicamente que ta tudo ótimo ainda mais agora sabendo que você continua vivo e você ri com aquela sua cara irresistível e diz que eu continuo espirituosa e eu deixo escapar uma certa satisfação em ver que você continua reparando em mim e rezo pra que você encontre mais algum detalhe, um anel no meu pé direito, um fio de cabelo fora do lugar, qualquer coisa que evidencie a sua atenção, o seu carinho, qualquer coisa que me retorne a esperança de ouvir você dizer as palavras mágicas, aquelas que eu tanto treinei no seu lugar durante o tempo em que você esteve ausente e acabei decorando o seu discurso imaginário e cada resposta que eu teria pra te dar e agora que você está aqui tão ao meu alcance, tão próximo dos meus suspiros, agora que você está aqui eu não tenho absolutamente nada pra te dizer, não quero te mandar à merda, não quero que você me explique, não quero que você se vá, só quero que você me abrace e me diga que dessa vez você vai ficar, e que bom seria se eu realmente pudesse te mandar ir à merda, porque só assim cara a cara eu poderia te desarmar completamente e te mandar ir passear no meu terreno, na minha casa, na minha vida e só assim cara a cara, eu dispensaria a chance de te mandar tomar no c* pra te beijar mais uma vez.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfect! Queria fazer o mesmo com um certo alguém....