quarta-feira, abril 07, 2010

O desabotoado céu - volume definitivo

(para Betinha, Bruna e Clara, pelos lenços de papel)

As coisas começaram a desabar todas juntas: eu tropecei numa pedra portuguesa num domingo, engasguei quando entendi que eu tinha inventado muito mais dele do que devia, perdi diversos botões de tantas roupas e uma motosserra rangeu por três dias e três noites me deixando numa insônia devastadora onde desaprendi a ouvir música. Caiu, então, uma chuva que pedia uma sequência inevitável de clichês: guarda-chuva virado ao contrário, água nas canelas, RJTV filmando gente de barquinho pelas ruas, preocupação de mãe, coração estilhaçado e um choro desatinado que demandava abraços, colo e vodca.

Era sábado, minhas roupas encharcadas pendiam no varal da casa dela (sempre ela!) enquanto eu me esforçava para parar de gaguejar, alguma coisa escorria de mim numa velocidade surpreendente, e minhas mãos tremiam. Aquele dia voltei pra casa a 10 por hora, coloquei um cd no som do carro, mas eu apenas não sabia mais como fazer: para ouvir música, para ouvir histórias, para achar que tudo ia ficar bem, para entender que agora era eu sem ele.

Quando as águas baixaram e a cidade começou a secar eu já estava enjaulada em obsessões habituais: listar músicas com a palavra “olhos” (ou eyes – mais ou menos 20 de cada), discutir relação por email, mimar o cão e, aos poucos, colocar no som os cds e lembrar que algumas músicas são como navalhas.

Aconteceu, então, que depois de muitos dias de calor e mar, a rua começou a despencar, com lamas e folhas que desciam nem sei de onde, e barulhos tão próximos e assustadores que pensei em fugir no meio da noite, sem nem dar tempo de inventariar o que eu carregaria comigo. A cidade toda começou a cair de novo, meus remendos se rasgaram com a mesma violência com que as encostas deslizaram e então tudo ficou em alerta. Dessa vez foi o prefeito quem decretou que evitássemos sair, e sem álcool, bobagens ou ânimos, vimos os dias cinzas separadas em nossas janelas sempre com o telefone ao alcance. Lemos quadrinhos e poesia, pregamos os botões das camisas e das calças e por fim juntamos nossas obsessões numa lista que somou 96 canções, umas com a palavra “rain”, outras com a palavra “chuva” no título. E porque aqui as coisas estavam realmente tristes e doloridas, e porque o Morrissey insistia em cantar “come back to Camdem”, comprei minha passagem para onde por duas vezes fui extraordinariamente feliz. Chove sempre na Inglaterra, me disseram. Tudo bem, em mim também.

5 comentários:

bruna disse...

Lágrimas de 9 a 10 feelings. Boa ida à Terra Santa, que seja breve.

Paula disse...

Have a nice trip :)

Beta Germano disse...

veeeeeeeem para a terra da garoa, twinzoca. aqui a chuva é gostosa.

;)

lov u.

Bruno Quintella disse...

E algumas músicas são como navalhas, mesmo que vivamos sem cortes. Saudades.

Mariana Souto disse...

Adorei o texto! =)