Sentam-se na mesa de sempre, isto é, sempre que o salão está vazio o suficiente para escolherem seus lugares cativos: ela prefere o sofá, ele senta na cadeira e volta e meia não resiste ao espelho em frente. Já sabem que morrem de frio no verão, por isso levam um casaquinho na bolsa, mesmo em janeiro. O primeiro comentário é, portanto, uma discreta revolta contra a potência dos aparelhos de ar-refrigerado nessa época do ano. Um exagero: prevêem gripes para o final de semana, convalescência na piscina. Ela tira da bolsa o caderno de anotações, tá aqui o nome do livro que te falei, como você tá inquieto, o que foi?
A mesma garçonete loira, oi tudo bem? Ué, hoje não vai querer chocolate quente? Ah já sei, no calor é melhor milk-shake, né? Ela se encolhe no banco, pondera: um suco. Dois sucos, dois waffles, uma água sem gás para dividir. Ele muda de idéia: traz um café no lugar do suco?
Como até hoje não sabemos o nome dela? Ele interrompe suas divagações: tenho uma proposta que você não pode recusar. Ela escuta atenta até ser interrompida pelo celular. É minha mãe, preciso atender. Ele passa a mão pelos cabelos três vezes, chacoalha um pouco os pés. Manda um beijo pra ela também. Pronto. Ele começa a sua introdução seriíssima sobre o novo projeto, e antes de explicar efetivamente sobre do que se trata, elege as razões pelas quais ela é a parceira ideal para a empreitada. Envaidecida, se esparrama pelo sofá.
Eclode na mesa ao lado uma briga , um casal já em crise avançada que decide tornar públicas suas amarguras. A mulher, muito nervosa, explode em choros e soluços, o homem percebe que foram longe demais. A garçonete loira desvia o chá de camomila que levava para o senhor dos fundos e o pousa sobre a mesa da discussão, numa tentativa solidária de acalmar a mulher, que segura a bolsa e sai apressada sem olhar pros lados. O homem, constrangido, deixa um dinheiro além do necessário sobre um pires e vai atrás da mulher.
O silêncio se dissolve e o barulho costumeiro do lugar recomeça. Diante do espelho, colherzinha suspensa no ar, imobilizado pelos gritos do casal, ele inunda o título do livro e todas as outras frases do caderno dela: nuvens no café.
Um comentário:
Ju, quando eu crescer eu quero escrever que nem vc. E quero uma alma de poetisa como a sua numa próxima encarnação.
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