segunda-feira, abril 04, 2011

Escolhas

(ou: um post com 3 epígrafes)
Hanging on in quiet desperation is the English way / The sun is gone, the song is over, thought I’d something more to say.
Pink Floyd em Time.

(...) and we feel really shitty that we don’t have the guts to tell you in person.
Kurt Cobain, em carta de 1988 onde despede seu então baterista.

A morte começa de muitas maneiras (...).
Michel Laub em Diário da Queda.

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Sempre achei que havia, ao menos, duas maneiras de traduzir “it’s the end of the world as we know it and I feel fine”, e incontáveis formas de lidar com a música numa pista de dança, desde que haja fôlego, paixão, boas pernas, uma dose a mais de vodca ou só mesmo desinibição. Domingo de manhã, sóbria como poucas vezes estive na vida, agradeci a invenção de djs, virei pro lado e dormi até as cinco horas da tarde, porque esse era o meu jeito de morrer um pouco aquele dia.

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Dizer que você é fantástica em meio a gargalhadas, dizer que você é fantástica em meio a lençóis, dizer que você é fantástica no meio de um debate de ideias, no meio do choro, no meio da rua, no meio do bloco, no meio dessas confusões de veias, salivas e retinas. Dizer que você é fantástica por escrito a uma distância segura no meio de um temporal, em vez de elogio, constatação ou deslumbramento, é provável que seja só adeus, e precipitado quando nem deu tempo de ficar.

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Morrer segue lógica parecida. O tempo é sempre insuficiente, e morre-se vivo ou morto, por pior que seja essa frase. Jogar-se do sexto andar ou impedir que as pessoas tenham acesso a você. Estatelar-se num baque seco contra o chão ou ignorar o outro e lhe fechar todas as portas que aparecem pelo caminho. Arrebentar ossos no desespero de deixar tudo pra trás. Encerrar conversas, cortar toda a interlocução porque é mais fácil, rápido, quase indolor e condizente com a sua incapacidade. Desligar o telefone, ignorar pedidos de socorro, contar com a sorte de que todo mundo vai entender quando seu egoísmo engolir tudo em volta.

Esconder-se em quartos e casas onde fatalmente as gentes desistirão de insistir, por cansaço, solidão ou conformismo. Mostrar-se pela última vez ao mundo estirada em concreto numa poça de sangue que testemunha alguma esquecerá, não importa quantas vezes dance sem olhar ao redor, não importa quantos bilhetes suicidas tentem justificar, não importa quantas pessoas digam na sua frente que você é fantástica, te abracem e saiam de fininho prometendo voltar, sem bater a porta pra não te acordar.

3 comentários:

Rita disse...

1 - time é uma das músicas mais perfeitas de todos os tempos. Na verdade o "and you run and you run to catch up with the sun but it's sinking, racing around to come up behind you again, the sun is the same in a relative way but your older, shorter of breath and one day closer to death" sempre me impactou mais, mas de fato, não dá uma boa epígrafe. Pelo menos não tão boa quanto o trecho que vc citou.
2 - se suicídio é coragem ou covardia, não sei, mas pra ler mais de uma vez um texto sobre o assunto, só se for a carta-testamento do Vargas, a do Kurt Cobain, ou um texto seu. Não vai ser por suicídio, mas vou morrer com inveja da sua escrita. Você faz parecer tão fácil.

Julieta disse...

eu não curto o Pink Floyd, mas sempre achei que essa música devia tocar nas escolas depois do Hino, sabe? A música inteira deveria vir como epígrafe, na verdade!

bruna disse...

living in quiet desperation é uma ds minhas... frases (?), descrições (?) preferidas.
E você é... fantástica;-)