sexta-feira, dezembro 23, 2011

Fax


Pedro Lago sugeriu um texto sobre beijo na boca, de língua. A Bel me deixou uns quinze dias pensando na inexplicabilidade do fax, entre outros. Voilà. E feliz natal.

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Manual para fazer origamis, porque dobraduras são as primeiras trocas que se estabelecem com qualquer um. Saber o que esconder é vital, se os defeitos, as qualidades, os vícios. Indicações para construir seu próprio pássaro. Ela responde de letra corrida dizendo “ok, deu certo”. Para enviar, aperte o botão verde.

Bilhetinho de bom dia, mesmo que não seja todo azul. Uma foto de montanha, quase não dá pra ver direito. Cartão de visita, trecho de livro, extrato bancário pra programar as férias, página de revista, receita de nirá, versinhos meio bobos sem rima, notícia de jornal, um fio de cabelo, cinzas de um incenso, uma manchinha de sangue da ponta do dedo pra ter certeza de que é real, mesmo que tudo perca a cor.

E tudo o mais que pode passar de um país pro outro com o mesmo mecanismo de apertar o botão, fazer a folha rodar e se materializar tão longe. Até bula de remédio analgésico: perceba como dói minha cabeça só de não estar perto de você.

Letra de música: piscinas de silêncio, hinos do sem lugar.* Tenta imaginar como é o ritmo: é o primeiro bocejo depois de uma tarde toda no mar. A voz: é uma respiração tão funda e quieta.

Ele fica aguando tudo o que não pode reter. Dobraduras gastas, beija a máquina como se a saliva pudesse atravessar, língua frenética, como se ela fizesse o mesmo do outro lado, como se a temperatura das bocas, como se o esbarrar de dentes, como se fogo.

Retalhos de língua, finas camadas colocadas sobre o papel como se fosse um quebra-cabeças. O delírio dos cortes, a mensagem urgente: aqui sou eu, enlaçando a tua cintura. Peles dos lábios nas margens. Se pudesse, arrancava um molar. Te dou uma leve mordiscada no lábio inferior. Gosto de sugar sua língua e depois cravar a boca no teu pescoço. A folha se encharca de sangue. Para enviar, aperte o botão verde. Setas que indicam pra onde a língua roda, duração dos segundos, e começamos um novo movimento. Para enviar, aperte o botão verde. Começo a perder o fôlego. Aperte o bot. (apito). Ap. (FALHA). Para enviar. Aperte.

* in Acalanto, de Arthur Nestrovski e Zé Miguel Wisnik, do disco Indivisível.


Um comentário:

Pedro Lago disse...

Para variar os desafios são completamente subvertidos, lindo lindo lindo!
Bisous
Pierre Lac