quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Cotton journal


Há um tratado velado que se impõe a todo visitante que chega a Algodões e que se deduz depois do terceiro atoleiro à direita da estrada. O que aprende o visitante, depois das primeiras vistas que se tem da praia e da maré baixa, é que qualquer divulgação do nome do local deve ser evitada, a fim de que não despontem por lá turistas e/ou pessoas indesejadas com suas máquinas de cartão Cielo, sapatos fechados e conversas de asfalto. Sobretudo, evitar a todo custo que substituam os atoleiros, que são os verdadeiros guardiões de tal paraíso, por estrada pavimentada, sinalizada, iluminada e, por consequência, propulsora de uma invasão de gente que poderia, do dia pra noite, transformar qualquer idílio perdido em Itacaré.

Em Algodões, deve-se abandonar relógios, apertos e desconfortos de qualquer espécie, que o lugar não foi feito para vaidades, preocupações, horários, pressa, noticiários, jornais, cenhos franzidos, contas e nem qualquer tipo de contato com um mundo que não seja formado por quilômetros de areias onde ainda se veem tatuís, lagartos, siris e pegadas de tamanhos e escalas variados. Eventualmente, olhar para o chão, a fim de evitar encontrões de dedões com cocos. Não tomar tal precaução, contudo, à noite, onde só se deve ter olhos para o céu, pouco importando os apelos de chamegos, beijos, carícias ou massagem de quem estiver ao seu lado.

Logo você perceberá que o céu de Algodões é a recompensa natural e mais lógica que se poderia esperar de um lugar onde há mais: coqueiros que gente, silêncio que barulho, luz que nuvens, canto de pássaro que carregador de ipod.

A dieta ideal que se adota em Algodões envolve muito camarão, muqueca de todos os tipos, uma farinha fininha que cai bem com qualquer peixe, legumes para temperar, pimenta para os fortes, carne do sol, aipim e um drink gelado cheio de raspas e mel de cacau. Na falta do tal mel, a mistura de qualquer outra fruta com cachaça, gelo e açúcar, compensa. Ou cerveja. Estão banidos refrigerantes, mate e/ou genéricos engarrafados/enlatados tais como ice-tea, H2O ou bebidas cheias de aditivos e que podem ser facilmente encontradas em quaisquer esquinas das cidades grandes. Os mais ousados podem se aventurar na degustação de guaiamuns, dando pequenas marretadas na casca do bicho para extrair dele a carne. Os pacifistas preferem as opções citadas anteriormente neste mesmo parágrafo. Água de coco deve ser ingerida a qualquer momento.

A propósito do mar de Algodões, deve-se fazer uso dele irrestritamente. Aconselha-se boiar nas piscininhas naturais à tarde. Os mais inquietos (se bem que não há quem não se entregue à pasmaceira local, convicto de que deveria ter sucumbido ao ritmo da rede muito antes) podem dispor de acessórios para desbravar a água transparente de outras formas. Estão ao alcance da mão: caiaques, pranchas, jangadas, canoas, bóias, máscaras de mergulho, pés de pato e, na falta de um desses, um colchão de ar do tipo usado em acampamentos, pode abrigar uma família toda e fazer deslizar em marolas e espumas em direção à areia, próximo item a ser abordado.

A areia de Algodões está preparada para receber tênis de corrida ou caminhada, bolas de fisioterapia, posturas de yoga, motos, bicicletas, altinha, futebol, vôlei, castelos, buracos que terminam no Japão, partidas de gamão e/ou buraco ou apenas uma canga (toalha, esteira ou nenhuma das opções) estendida onde o visitante poderá se deitar, sentar, dormir etc.

Não espere encontrar em Algodões: farmácias, mercadinhos, padaria, telefone fixo, sinal de telefone móvel (salvo uma operadora), caixa eletrônico, banco, lava-jato, posto de gasolina, comércio, multidão, muvuca. Algumas surpresas podem leva-lo a dar de encontro a um bloco de carnaval (formado por aproximadamente 10 pessoas, das quais um boneco de Olinda, 5 instrumentistas e 4 foliões), que corresponde a aproximadamente 10% da densidade demográfica do local. Chegada a terça-feira gorda, os componentes do cortejo terão ido embora, baixando ainda mais a possibilidade de crowd em um dos 3 bares locais. Deve-se aproveitar a temporada em Algodões para esquecer: de pierrots e colombinas, de todo elemento que remeta à vida urbana, de calçados que não sejam chinelos, do twitter, da lista de mais vendidos do NY Times, do mundo.

Sobre a bagagem, é preciso carregar para Algodões: biquíni, maiô, sunga e similares; chapéu; proteção UVA; colírio para olhos sensíveis ao sal; b-pantol para lábios com tendência a rachar depois de dois dias no mar; apetrechos adjacentes já antes mencionados (i.e. canga, raquetes de frescobol, peteca); cremes restauradores para cabelos com tendência a morrer depois de três dias de praia; câmera fotográfica para os desmemoriados de visões inesquecíveis.

Diz-se dos visitantes que uma vez ali aportam que alguns perdem seus voos de volta, que outros compram lotes de terra e não constroem nada (querem apenas que outros não construam também, evitando assim a possibilidade da propagação de Itacarés pelo mundo), que um ou outro se casa com um local e que qualquer um aprende a ser solitário. Os que retornam para suas cidades de origem passam semanas prostrados, melancólicos e com os celulares foras da área de cobertura, até comprarem novamente as passagens que os podem levar de volta para esse pedaço de paraíso. Desta feita, são tragados aos poucos pela rotina e pelo contato social com gente que não compreende a esfera do local de nome impublicável que seus afortunados amigos deixaram pra trás, lugar encalacrado entre uma extensão extensa de coqueiros e quilômetros de estrada de terra esburacada capaz de dar hérnia de disco e de fazer desistir de chegar o turista/viajante que procura resorts, ar-condicionado e lula à dorê.

Diz-se, também, que depois de conhecer tal pecado, que o visitante pode adquirir um sotaque temporário, um bronzeado que pode acarretar inveja e o hábito de dormir 10 hora por noite. Tudo isso é passageiro, assim como as férias, o carnaval e todo feriado que possa ser revertido numa temporada em Algodões. Por fim, conclui-se que só deve ser conhecedor do nome e das maravilhas de tal destino aquele que for merecedor do maior presente que se pode dar: uma imersão num tempo que não se mede como o conhecemos, um desligamento do excesso de coisas, a imensidão do conceito que é não fazer nada.

Do contrário, é excesso de bagagem, ruído, frescuras e um sem número de praias, pousadas e resorts esperando você, com conexão pra todas as coisas das quais deveríamos nos livrar.

No próximo intervalo, estarei em Algodões. O resto do mundo, tanto faz.

terça-feira, fevereiro 14, 2012

Casa França Brasil


Anotei a hora que saí da sala de exposições, mas a verdade é que permaneci ali por muito mais tempo em meio às toras de madeira por onde passaram bailarinos entrelaçados, rolando no chão, com bocas grudadas nos pescoços de seus pares, olhos fechados naquela lentidão que o cinema usa pra indicar a proximidade do êxtase ou da morte, o que no fim dá no mesmo.

Senti borboletas no estômago, o que há muito não acontecia. Me agachei encostada à parede, a mão simbólica sobre o peito. Merda. Amar era assim: ficar fraca dos joelhos, vacilar e não poder explicar pra ninguém.

Aquela música me violava sem pressa, o público se deslocava pra acompanhar a ação do ballet e a minha mão subia em direção à boca, ansiosa por esconder o riso que denunciaria a minha confusão. Encontrei o chão e fiz percurso semelhante ao dos bailarinos em dupla, no meu ritmo mais lento, abraçada ao meu próprio vestido.

Devem ter me recolhido junto com a desmontagem da exposição. Tenho a lembrança dos olhares curiosos, de pés que desviavam do meu lento rolar, da música incessante que me fazia continuar naquela embriaguez, do cabelo que me borrava a cada volta.

Desse dia conservei o coração aos tropeços, o ingresso amassado, o vestido cheio de rasgos, essa loucura branda que me faz dançar quando não é hora e nem lugar.

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Winter, spring, summer or fall

Aos leitores, amigos e curiosos que passam por esse sítio, tendo se solidarizado ou não com a minha causa, é com orgulho e satisfação que anuncio, depois de meses de árdua batalha, que sou a mais nova amiga do MAM.