quarta-feira, julho 24, 2013

Sala de espera

Eu limpava os óculos pela terceira vez ao dia – e ainda nem eram 11 horas – enquanto pensava em você. Não que eu precise de justificativas para pensar em você. Ou para limpar meus óculos. Se você usasse óculos saberia como é: acordar, lavar o rosto, pô-los na cara. É parecido como quando um par novo de óculos fica pronto: as lentes deste sempre parecem melhores que as do antigo e é como se você nunca tivesse realmente visto as coisas antes. Talvez seja que as lentes realmente melhorem. É uma indústria, vai saber. É assim que se começa uma coleção, que numa perspectiva positivista pode evoluir para uma obsessão. Tenho nove pares de óculos, mas não se preocupe, a sua vista cansada não tarda.

Há um futuro interessante para nós e nossos óculos: todo dia acordar, lavar o rosto, pô-los nas caras. Eu, pra te ver de longe, você, pra me ver de perto, como se nunca tivéssemos nos visto realmente antes. E aumentar as coleções: você com seus dois pares iniciais, eu com cerca de 14 armações – uma soma de 16 possibilidades diárias e matinais para nós. E se somarmos os reflexos das nossas imagens nos óculos um do outro teremos uma conta que eu não sei fazer, e nós e nossos óculos e nossas imagens refletidas –   todos os dias, naquele ritual rotineiro pelas manhãs, exceto aos sábados e domingos, dias de hibernar entre travesseiros, peles e córneas sem lentes, indústria ou acetatos – obcecando juntos.


Pensava em você, limpava meus óculos n° 6 e decidi tudo isso, essa sucessão de hastes, consultas oftalmológicas, graus em declínio ou ascensão, modismos, promoções, qualquer justificativa pra gente se ver todo dia, dormir e acordar todo dia, lavar o rosto, pormenorizarmo-nos a qualquer distância, intermediados por vidros multifocais. Ou cirurgias de cataratas – antes das 11 horas eu já queria toda essa vida com você.