A minha avó, naquela
manhã, mais parecia uma estrela de cinema ou uma imagem sagrada, dessas que
todos querem tocar e adorar. A cabeça branca da minha avó – cor de neve
brilhante, anos de xampu especial – se via de longe rodeada por outros cabelos,
muitos adornados de brilhos e flores de domingo. A minha avó, naquela manhã,
recebeu cumprimentos, apertos de mão, abraços e exclamações que saíam pelas
mãos e pelos sorrisos de todos que foram parabeniza-la pelos seus 90 anos.
A minha avó, naquela
manhã, desceu do carro em frente à estação ferroviária de Nilópolis, subiu as
escadas da igreja apoiando-se no corrimão – que ela julga indispensável – e
sentou-se no terceiro ou quarto banco do lado esquerdo. Recebeu as saudações do
Frei José – que há uns 40 anos atrás casou uma das minhas tias, e que há uns 30
anos atrás me batizou, e que já fez outras bênçãos para a família – e
acompanhou uma missa repleta de crianças, cantos, palmas e gestos, aqui e ali,
que interpretavam algumas das canções. Minha avó subiu ao altar ao término do
culto e leu, encabulada, palavras sobre as graças de se fazer aniversário.
Minha avó rezou, levou uma salva de palmas e à saída comeu um pastel de queijo
típico de feira, iguaria disputadíssima pelos fieis dali.
A Paróquia de Nossa
Senhora da Conceição recebeu a minha avó com tanto carinho que quase que ela
teve que sair fugida, pois cada um que ia cumprimentá-la queria também falar
com as filhas e a neta a tiracolo. A Paróquia de Nossa Senhora da Conceição,
naquela manhã em que a minha avó parecia uma estrela, me deu a exata noção da
ideia de comunidade, e uma inveja tão grande do subúrbio que, no caminho de
volta, olhei praquelas casinhas imaginando a minha avó por ali, comendo bolos e
gostosuras de uma vizinhança que jamais a deixaria voltar pro Leblon – e nem
suas filhas e neta a tiracolo.
A gente vai passando
pelas pessoas no dia a dia, e aquela gente dali vai parando pelas pessoas, numa
tônica tão distante da nossa, e tão mais lógica. A minha avó, de fato, é uma
estrela, e o subúrbio desperta mesmo uma ternura, porque é justamente o que
emana. E suas filhas e neta a tiracolo, que sorte, provaram desse espelho,
lugar que é contra a assepsia dos afetos.
Na volta pra casa eu fui
pensando em alguns poucos sambas que sei cantarolar, e em como muitos deles nasceram
desse sentimento de pertencimento, de uma relação com o seu lugar. Velhas rixas
que compuseram hinos declaratórios a diversos berços, ou apenas odes a seus
morros e feitiços. Tem alguma coisa nisso que eu queria pra mim. Eu não sei a
minha avó mas eu, quando cheguei em casa, nem tomei banho e passei aquele dia
sem lavar as mãos, querendo guardar um pouco mais, com um cd do Noel Rosa no som.
Desconfio de que ela tenha feito o mesmo.