Toda vez que vou ao IMS fico pensando em como seria viver
lá, ela diz, e aqui também. Você fecha a porta e a gente ri e eu já nem me
lembro mais pra onde fomos naquela noite – certamente pra um lugar onde rimos
potes, mas sempre rimos potes quando nos reunimos. Sonhei com vocês todos essa
madrugada: estávamos ali naquele cantinho do 11ème e por alguma razão vocês só
me levavam pra comer em lugares horríveis, o que era inverossímil porque volta
e meia eu também sonhava com aquele couscous inesquecível e uma outra tarde em
que nos destrambelhamos de falar e engordar enroladas num cachecol de lã que me
dava um pouco de alergia. Aqui com um pouco de sorte e muito sol se cozinham
couscous memoráveis também, concluo. Mas o thé à la menthe não consigo: vira
uma água quente com um traço longínquo de hortelã.
Aprendi a operar a máquina de café na primeira manhã em
que acordei aqui, me sentindo meio intrusa por estar sozinha num lugar que é
tão seu, ainda que em quase todas as paredes eu veja um pouco de mim também: o
quadro marcado eternamente por mensagens de boas vindas, o pôster no banheiro,
as polaroides no corredor e a tripa de photomaton colada num mapa de Paris.
Despejo todo o conteúdo da xícara na pia, amargurada com goles que não têm o
mesmo sabor desse cheiro que eu adoro. Espero a chuva e adormeço no meio da
seção de cultura do jornal e finalmente lembro de perguntar por que aquele
isqueiro da cozinha tem o seu nome e um número: mensagem enviada, mas já nem
sei bem qual é o fuso horário que nos separa. Desço a rua para um cappuccino e
no caminho um muro diz que Life is beautiful. Subo a rua com uma escova de
dentes que deixo no banheiro, menos um item na próxima mochila ou na próxima
semana. Da porta da frente vem sempre uma música, às vezes um cheiro de curry. Da janela vejo quatro
pessoas saírem de um carro com seus vestidos, tatuagens e barbas. Um deles olha
pra cima e eu me escondo atrás da cortina, tímida de não querer ser flagrada
com tanta saudade.
Lavo a louça, ponho o lixo pra fora, nunca lembro de
comprar um rodo de pia e deixo o dinheiro da diarista na porta da geladeira:
daqui até o Leblon é um pulo, da rue du Dahomey até o CDG são mais de 60 euros
e um choro sem tamanho. Termino o novo livro do Zambra: Formas de voltar para casa: marco as páginas 53, 66 e 144. Cuidado
com a rede, me alertam: é complicado ir embora quando se fica muito
confortável.
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