Querida,
Foi só quando abri a terceira caixa que
encontrei o meu bloco meio amassado – e ainda não sei onde foi parar o caderno
de receitas, não consigo achar – com o começo de um bilhetinho que ficou
inacabado. Eu pensava que aproveitaria a calmaria do Horto para escrever,
estudar e começar uma horta. Mas a vida prática se impõe e eu já acho que a
qualquer momento um vizinho vai bater na minha porta pedindo encarecidamente
para que eu pare de passar aspirador a todo momento: é tanto silêncio que o menor
ruído torna-se agressivo.
Meus ombros doem como se eu tivesse nadado
quilômetros: sinto falta daquela piscina, de passar pela praia todo dia e de
algumas pessoas que ficaram pra trás. E do cachorro: morro de saudades do
cachorro, e toda visita que faço a ele é só uma confirmação de que cada vez
terei menos dele, e isso me dilacera, acabo sempre chorando no elevador.
Tem sido difícil trabalhar ou gostar de qualquer
coisa que não ficar em casa e outro dia mesmo pensei em simular um desmaio ou
pedir demissão: pintar uma mesinha, comprar mais flores para encher as garrafas
de espumante que ficaram, provar todas as frutas da minha feira delivery e mais
uma vez tentar aparafusar as estantes (tem uma foto no jornal de um escritor na
frente de suas estantes, iguais às minhas, mas todas retas, e eu me pergunto
como? J. acha que elas estão empenadas.). Ou, sei lá, ver um jogo de futebol
esparramada no chão da sala, devorar brigadeiros.
É bom ter você de volta e poder fazer um pouco
de tudo isso juntas. Fique por aqui.
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