domingo, novembro 25, 2007

O dia em que o Béjart morreu

O dia em que o Béjart morreu foi o mesmo em que eu descobri que o ascensorista do prédio onde eu trabalho me ama. Nenhuma das duas informações foi fácil de descobrir e ambas poderiam ter passado despercebidas, não fossem algumas evidências que ocorreram antes mesmo que eu pudesse pensar em Béjart e ascensoristas de elevador de prédios onde eu trabalho.

O dia em que eu tomei conhecimento da existência do Béjart foi o mesmo dia em que eu tomei conhecimento da Lia Rodrigues e sua companhia de dança. Isso rendeu um post inteiro. E também rendeu, logo após a performance, uma conversa ao telefone com o Marcelo, que falou do Béjart. O Béjart não significava nada para mim até o exato momento em que o Marcelo, um pouco exaltado, perguntou como quem coloca muitas exclamações após a interrogação: VOCÊ NÃO CONHECE O BÉJART?!!!!!!! , e ele deve ter falado desse mesmo jeito, em caixa alta e negrito. Precisou eu ver Lia Rodrigues, comentar com o Marcelo, o Marcelo ficar decepcionado porque eu não conhecia Béjart, ver os videos do youtube enviados por ele, dar uma lida na Wikipedia e em sites de dança e ter a pergunta esfregada na minha cara repetidamente. A frase em caixa alta e negrito com exclamações VOCÊ NÃO CONHECE O BÉJART?!!!! ecoou na minha cabeça durante dias, e nem mesmo a minha tentativa de igualar meus conhecimentos de dança com o Marcelo me livraram da frustração de não ter sequer idéia de quem diabos era o Béjart.

Até que um dia, lendo um livro sobre a história da dança, lá estava ele: Béjart. O dia em que eu li o nome de Béjart se repetir em citações num livro que conta a história da dança eu entendi que cedo ou tarde Béjart e eu nos depararíamos num conhecimento mútuo sem fim e isso não poderia ser à tôa.

O dia em que eu tomei conhecimento do ascensorista, por sua vez, era o primeiro dia de trabalho dele, que passava a substituir o ascensorista antigo que havia morrido e a quem eu mal dava bom dia. Diferentemente da Velma Kelly que acha que foi a culpada pela morte do James Brown, eu não tive qualquer participação no falecimento do ascensorista antigo e sua morte me fez apenas acordar para a cordialidade que eu devia ter com o novo ascensorista. O que eu não podia supôr era que o novo ascensorista teria cabelo platinado e um cd gravado com as canções que ele costumava tocar nos bares e que ele emprestaria tal disco para mim. Eu não pude perguntar ao Marcelo: VOCÊ NÃO CONHECE O ASCENSORISTA?!!!! porque a resposta era bem óbvia, e a não ser que ele seja o próximo Roberto Carlos, eu jamais poderei esfregar na cara do Marcelo a sua própria ignorância.

Até que um dia, subindo ou descendo no elevador, o ascensorista platinado começou a puxar papo, eu ainda estava fragilizada pelo não-conhecimento do Béjart e acabei sendo simpática demais, de forma que a cordialidade virou-se contra mim no melhor estilo feitiço-feiticeiro e eu jamais consegui me livrar das conversas matinais que duravama 11 andares.

O dia em que o Béjart morreu foi o mesmo em que o ascensorista disse que me achava parecida com a Ana Paula Arósio. Eu levei na brincadeira porque ele também já disse que as pessoas o confundem com o Fábio Assunção e porque eu sei que com quem eu me pareço mesmo é com a Silvia Buarque. Mas quando eu percebi que ele estava falando sério o elevador parou no meu andar, eu escapei de uma conversa surreal que começava e então a epifania aconteceu. Eu entendi que tanto Béjart quanto o ascensorista, separados por léguas intermináveis de mais ou menos tudo o que eu poderia pensar (continente, profissão e principalmente tinta de cabelo) , tinham entrado na minha vida para que eu tivesse uma dupla epifania.

EU precisava saber quem era Béjart para dar a triste notícia ao Marcelo, que desolado até me perdoou pela minha quase gafe. E eu precisava saber que o ascensorista me achava parecida com a Ana Paula Arósio para lembrar de algo que há muito eu esquecera: o amor é mesmo cego.

terça-feira, novembro 20, 2007

Dedicado:

(às pessoas das fotos)

Era a aula de química, ele olhava pela janela e pensava para então quase enterrar a cabeça no caderno que só tinha poesia. Depois ele a chamava, ela lia, fazia carinho em sua cabeça até ele quase adormecer, e então despertava e dizia que a amava enquanto rabiscava coisas no seu caderno, coisas que não eram dele, músicas que ele não compôs e essas músicas ficaram irremediavelmente associadas a ele. De tudo o que mudou, uma coisa não volta atrás: ainda nos amamos. E é ouvir Sereníssima pra lembrar daqueles dias.

Era depois de algum programa e a gente chegava em casa e ligava o computador para continuar a conversa, porque a gente tinha muuuuito assunto e era mais divertido falar tudo por ICQ. E ela era a última tecnologia em pessoa e o meu computador era provavelmente um Itautec falido, empacava e não havia reza que desse jeito. Eu telefonava baixinho de madrugada e citava U2: you’ve got stuck in a moment you can’t get out of, mas não era ela, era a minha máquina na verdade. E toda vez que o Bono diz que You’ve got to get yourself together é a cara dela que vem à cabeça. E até hoje quando escuto Sarah McLachlan dizer que o amor dele é melhor que sorvete... é batata! Ela de novo.

Era de manhã, o ventilador do teto ligado e ele sempre queria que eu ficasse mais um pouco, eu nunca fiquei, mas a voz de Maria Bethânia amanhecendo uma Tarde em Itapoã meio melancólica é o tema do fim da nossa história que nunca foi trágica nem eufórica, foi apenas uma história cuja trilha sonora eu mesma providenciei. E toda vez que a escuto cantar Vinícius é dele que lembro, da vitrola no canto do quarto, do ventinho sobre os lençóis.

Era domingo, às vezes tinha ressaca, às vezes ficava nublado e sempre combinava aquele cd, aquela voz cheia de efeitos e era ela quem dizia que Moby tinha tudo a ver com a véspera de segunda, uma mood música e sempre que escuto os primeiros barulhinhos de Porcelain eu já sei que é dela que vou lembrar.

Era pós chope com os amigos, provavelmente o Baixo Gávea e a gente entrava no Peugeot de algum deles e tentávamos decidir se íamos esticar a conversa no Jobi ou no Diagonal and just when it hit me somebody turned around and shouted play that funky music white boy, ele aumentava o som, todo mundo cantava e sentia certa saudade de quando era jovem e resolvíamos ir pra casa mesmo. E uma vez por ano quando um deles dá uma festa de aniversário dançam sem parar e em rodinha til they die, e não conseguem mais ouvir a tal música sem se lembrarem um dos outros.

Eram os anos 90, eles achavam que seriam amigos pra sempre, o maior hit da banda dele era a música do sujeito que tinha um cachorro que se chamava João que comia banana e dormia no chão. Ele comprou um golden que se chamava Rock and Roll, ela arranjou um poodle que realmente se chamava João e os dois quase brigaram porque ele roubou a rilha sonora de That Thing You Do que ela tinha. E embora quase não escute mais essas músicas, quando as palmas do hit do The Wonders começam ela lembra dos seus cachinhos dourados que queriam ser um rock star, e também achavam que ela devia ser uma...

Era a última aula do dia, sala quente perto da praia, um gole rápido de água porque emendava ballet-sapateado-contemporâneo e ele mandava todo mundo deitar no chão e aquela voz suave numa melodia que só servia de fundo para os alongamentos e ela pedia e então ele deixava Aimee Mann cantar mais um pouco and so for the sake of momentum ela deixava seus medos ficarem mais largos que a vida e dançava. E sempre que escuta o disco lembra dele, dos relaxamentos do fim das aulas malucas em que corriam e riam feito doidos.

Era num inferninho enfumaçado, todo mundo apertado e feliz, o chão parecia que ia desabar mas não importava. A gente já quase sabia a ordem das músicas e também não importava, no fundo era ótimo, enfrentávamos a fila do banheiro sem correr risco de perder Lobão e os Ronaldos iluminando um céu cinzento. Até o dia em que a gente preparava o fôlego para o Pixies que começava e coincidentemente entrava na pista ele, Here comes your man, mas ele já não era mais meu e a gente ria, não era tão engraçado mas tinha caipirinha, coração partido e logo depois tinha Pretenders back on the chain gang. It brings me to my knees de ver como nos afastamos, mas toda vez que o shuffle do itunes cai nessa música é para elas que quero telefonar com aquele velho celular que não tirava fotos.

Sim, algumas coisas até que continuam iguais, o caos segue em frente com toda a calma do mundo, I’m just trying to find a decent melody, a song that I can sing, my own company. Ainda sinto preguiça no corpo, in my dreams eu às vezes morro o tempo todo, a gente ainda acha que should go back there pra ver se eles continuam dançando e cantando e movin’ to the groovin’, gosto de acreditar que we’ll be happy can’t you see?. E eu sei que life is getting shorter, que essas pessoas talvez não permaneçam para criarem novas lembranças em novos tons, que talvez seja como os Beatles cantavam, there are places I remember...

Essas músicas ficaram irreversivelmente ligadas a essas pessoas, isso sem falar das outras. Foi num dia desses de reorganizar os discos e as caixas, I found a picture of you. Those were the happiest days of my life.
:: ouvindo as matching-músicas

domingo, novembro 18, 2007

A pessoa é para o que nasce

(vol. 2 e tardio)

Sean Penn nasceu pra ser o único cara que poderia ter batido na Madonna enquanto que ela nasceu pra ser a única cinquentona que não fica ridícula dançando num collant lilás. A Irene Cara nasceu pra nos animar na pista da dança e a maioria dos djs nasceu para ignorar esse fato por completo. O Pedro Mariano nasceu pra dar vergonha alheia e a Maria Rita nasceu pra ser chatonilda, e os dois nasceram da mesma mãe, não é bizarro? O Capitão Jack Sparrow nasceu para nos fazer acreditar em piratas de novo. Paul McCartney nasceu para ser o Beatle mais adorável e lindo. A Kate Moss nasceu porque um dia alguém teria que ter muito poder pra rasgar um vestido Galliano só porque ficou bêbada numa festa. O Nando Reis nasceu para fazer uma música cuja palavra mundo se repete três vezes no refrão e a Zoe nasceu para ser a homenageada da mesma, vai ver ela era a única pessoa nascida que não teria vergonha da duvidosa homenagem. Caetano Veloso nasceu porque só ele poderia compor Odeio Você. A Chorus Line nasceu para ser um daqueles musicais que só você, a sua tia e uma amiga viram. O Bon Jovi nasceu pra que as pessoas assumam em plenos anos 00, ainda que ligeiramente envergonhados, que ainda gostam dele. O Steven Tyler nasceu para ter a maior boca do mundo. A Suri nasceu pra ser a filha de casal celebridade mais linda. O sistema de reconhecimento ocular para entrada de pessoas na Torre do Rio Sul nasceu para me fazer acreditar que um dia terei um carro igual ao de James Bond. Gene Kelly nasceu para cantar na chuva apaixonado. O Estrangeiro nasceu para ser um livro divisor de águas literárias. As vacas da Cow Parade nasceram para quê mesmo? Médicos dermatologistas nasceram para nos levar à falência. A Amy Winehouse nasceu porque faz um tempão que um astro não morre no auge de sua carreira. A Amazon.com nasceu para você achar cds improváveis e os amigos nasceram para fazerem compras e racharem esse frete junto com você. Cole Porter nasceu porque Ella Fitzgerald fez o mesmo e o que seria do mundo sem os songbooks que ela gravou? Egon Schiele nasceu para fazer os desenhos mais maravilhosos do planeta. Impressoras nasceram para suas tintas acabarem sempre que necessário. Mãe Valéria de Oxossi, além de trazer a pessoa amada em três dias, nasceu para conhecer a pessoa mais eficiente em colar cartazes na cidade. Hairspray nasceu para levantar o astral de qualquer um e o Zac Effron nasceu para usar mais maquiagem no filme que o John Travolta. Frank Sinatra nasceu para cantar Mac the Knife. Os Outros nasceram para ser a minha banda preferida do mês e um monte de gente nasceu, embora a gente ainda não saiba bem o porquê...