-Às vezes eu fico pensando como seria se o mundo tivesse seguido sem a invenção do Youtube.
-E do Google? Já parou pra pensar como seria o mundo sem Google?
-Pois é. Fico aterrorizada, só de pensar. Youtube, Google, Wikipedia...
-Imagina só. Antes do Google tudo fica meio embaçado pra mim. E eu amo todos da série: Google maps, Scholar Google...
-Você acha que no Scholar Google é possível encontrar as últimas mudanças sofridas pela língua portuguesa?
-Hummm não sei... só tentando.
-Eu fico um pouco confusa com essa história. A gente, que saiu da escola há muito tempo, como faz? Eu vejo a minha mãe, até hoje ela escreve “bôbo”, “lôbo”... As próximas seremos nós, escrevendo idéia com acento e vêem e vôo. Muito complexo isso.
-Mas...
-E não tem como a gente saber, sabe? Porque se fosse antigamente todo domingo ia vir um fascículo no Globo com as novas regras gramaticais, você ia juntando tudo e no final ganhava um lindo fichário pra colocar os fascículos. Mas não, os fascículos caíram em desuso!
-É, fascículos definitivamente são da era pré-Google.
-Tá vendo, a gente já começa a pensar o tempo em antes e depois de Google. E vendedor de Barsa?! Imagina se um dia você conta pros seus filhos que quando você era criança tinha uma coleção de enciclopédias E fascículos?!
-Hahahahahahaha ele vai precisar de um vídeo no youtube pra ilustrar!
-Vai, ele vai procurar na Wikipedia e vai ver fotos de Barsas e Britânias enfileiradas! Mas voltando às regras, devia ter alguma coisa desse tipo vendendo em bancas porque até as próximas edições de livros sobre gramática serem atualizados deve demorar um pouco, né?
-Deve demorar um pouco sim. E até o Word se atualizar vai demorar mais ainda.
-Mas você confia nas correções do Word?
-Nem um pouco. Outro dia eu escrevi “variadíssimas” e o Word dizia que estava errado. Por isso variadíssimas continuou.
-Mas por que você não procurou no dicionário?
-Porque o meu dicionário escreve “bôbo” e “lôbo”, que nem sua mãe.
-Depois de tantas mudanças, sinceramente, eu não confio nem no Pasquale.
-Não, não. No Pasquale eu super confio!
-Ainda? Mesmo depois dessa última leva de ajustes? Não sei não...
-Sim, porque a língua é viva e o Pasquale também. Além disso ele deve ter fontes de estudos mais confiáveis que o Google.
-Tudo volta pro Google, reparou? Mas mudando de assunto, consegui uma pousada pra Flip!
-Que maravilha! Machado de Assis esse ano! Pré-google total!
-Pois é. Inclusive vou dar uma olhada no Scholar Google pra ver se leio uns resumos da obra dele. Acredita que nunca li um livro dele? Não posso dar vexame, né?
-Como assim? Todo mundo leu pelo menos Dom Casmurro! Dom Casmurro era tipo... o Google nos tempos de escola, ninguém estava imune a ele!
-Eu sei, eu li esse, mas foi o que você disse, na época da escola, naquela idade qualquer livro que a escola mandasse ler a gente já achava chato na primeira página.
-Hummm verdade. A gente gostava de livros fora do sistema escolar, né? Nesse caso, dê um Scholar Google. Mas tente não entrar em discussões muito sérias sobre o Machado. E finja desmaio caso peçam sua opinião.
-Ok. Mais algum conselho?
-Conselho não. Tenho que terminar essa tese. Até agora desenvolvi bem, mas não consigo concluir, não sei concluir coisas, saca? Você sabe?
-Olha eu até acho que sei, a minha psicóloga certamente diria que não.
-Hahahahaha, a minha diria o mesmo. Mas e nos textos? Preciso terminar esse trabalho, tenho que entregar amanhã.
-Eu não sei, toda vez que tenho que escrever alguma coisa os finais ficam sempre meio escrotos.
-Escrotos?! Eu odeio essa palavra. Essa é uma que podia ser eliminada da nossa língua, ia ser um grande favor. As pessoas se lembrariam daqueles tempos em que se dizia ‘escroto’ e se via o mundo ser dominado pelo Google.
-Ahahahaha que exagero!
-Exagero nada! Primeiro foi Coca-cola, McDonalds e tal. Depois de um tempo veio Nokia e Oi, eu tinha certeza que o mundo seria domindao pela Nokia ou pela Oi!
- E pelo presidente dos Estados Unidos? Nunca achou que algum deles ia dominar o mundo? Ou de repente Hitler e tal...
- Nada, tudo fichinha. Seremos regidos pelo Google, pode confiar.
- Será?
- Melhor do que pelos vendedores de Barsa...
sexta-feira, junho 27, 2008
segunda-feira, junho 23, 2008
Antes
Parece brincadeira mas foi o que ela disse: sua cabeça está fora do seu centro de gravidade e por isso você está com dor e vai continuar sentindo. Ela não era minha médica nem nada, era alguém na sala de espera enquanto eu lia para o ortopedista o laudo da ressonância. Isso tudo antes d’eu voltar pra aula de ballet e me empolgar num salto (que o professor dizia que era geté e eu tinha certeza que era saut d’ange) e sair da aula chorando com uma coxa direita estirada ou hiper-estendida ou destendida, nunca entendi muito essas pequenas lesões. Isso antes das cinzas do Kurt Cobain serem roubadas da casa de Courtney Love (!) e antes também da minha irmã ter problemas no rim e eu leva-la à Santa Casa porque a médica substituta do médico tradicional estava dando uma prova lá, e lá não lembra em nada Grey’s Anatomy, mas parece muito alguma coisa que a gente se acostuma a ver em documentários e certamente que aquilo merecia um. Isso também antes de comprar o cd novo da Madonna e de achar que hip hop não é tão ruim assim e eu sei que só achei legal porque é a Madonna e comprei junto também um disco do The Smiths e isso tudo antes de tirar os chinelos e sair literalmente correndo atrás de um amigo que passava de skate pela orla num domingo em que eu não encontrei um outro amigo que marcou um encontro que não poderia ser desfeito ou adiado porque ele estava sem celular, e no meio da corrida o cara do skate se afastava e a minha irmã e minha prima que tinham ficado sentadas riam da minha cara e eu comecei a rir também e desisti. Isso foi depois que o barraqueiro de uma outra orla encontrou meu celular que eu tinha perdido e me devolveu com uma foto de suas partes íntimas e essa história é verídica e bizarra. Isso antes do mesmo telefone perdido, e então reencontrado, cair no chão e só funcionar no viva voz e eu não poder mais conversar com as pessoas, mas não tem importância. Isso tudo também foi antes dos comentários deste blogue virarem demonstrações explícitas de ciúmes de amigos que querem que eu escreva sobre eles, não é muita pressão? Isso foi antes de dirigir o carro da minha irmã, agora já curada dos problemas de rins, e questionar se o meu carro tem mesmo direção hidráulica e de repente a dor de ombro e pescoço tem a ver com o esforço pra fazer curvas, além da cabeça que está fora do centro bla bla bla e tudo isso foi antes de entrar na chapelaria e a senhora me atender e fazer meu cadastro e dizer que se lembrava de mim, que ela não tinha esquecido meus olhos grandes, que geralmente olhos grandes são feios mas os meus não eram. Ela disse isso antes de oferecer seus serviços de numeróloga e tudo isso é claro que aconteceu em Copacabana onde aparentemente eu sou um ímã. Todas essas coisas antes de uma amiga comprar uma máquina de Frozen Margaritas e antes também do postal da Bebel ter chegado aqui em casa com um carimbo que ainda soltava tinta mesmo depois de ter atravessado um oceano. Isso também antes de ir ao Saara e andar pelas ruazinhas antigas do Centro e encontrar um casal de amigos dentro de um vagão do metrô, depois que o priminho neném (pós-neném na verdade) passou horas se escondendo atrás da cortina e gargalhando cada vez que eu o encontrava de novo, depois também de querer comer pizza com irmã e vó no dia 12 e concluir que certamente o Zona Sul teria mesa vaga (e de concluir também que se não tivesse a gente teria que dar um toque nos casais porque comemorar dia dos namorados no Zona Sul é muito loser). Isso tudo antes de uma amiga de infância casar com sorriso que parecia rasgar seu rosto e eu chorar feito boba perto do altar, antes da festa cheia de flores tão coloridas que pareciam mentira, antes dela dançar a noite toda e começar essa vida a dois, antes de receber o convite pra festa de despedida de mais uma amiga que se vai... Tudo isso aconteceu antes d’eu ganhar um SEGUNDO Santo Antônio, é muita pressão, agora fico aqui, tentando colocar a cabeça de volta no eixo, a coxa de volta no lugar, tentando escrever sobre todos os amigos ciumentos e chantagistas e tentando, principalmente, fazer amizade com os dois Santos que esse inverno aqui no alto tá muito frio e eu quero alguém pra esquentar.
sexta-feira, junho 20, 2008
A história que eu não contei ao telefone
Depois de finalizar as artes, deixei as impressões no silk de sempre. Rose perguntou como estavam as coisas no trabalho, fazia um tempão que eu não aparecia por lá. Eu disse que tinha saído do trabalho e já esperava a pergunta fatídica: e está aonde agora? De férias, respondi. Ela perguntou se eu ia pra alguma outra marca, eu disse que por enquanto não e ela disse que eu devia ir pra uma determinada marca, que eles estão crescendo muito, que tiveram de mudar o escritório de lugar (São Cristóvão, provavelmente) porque estão contratando muita gente e que eu deveria ir pra lá porque afinal eu sou tão competente (palavra dela). Ela disse que me daria os contatos, eu agradeci e fingi achar ótima a idéia (às vezes é melhor achar ótimas as idéias que os outros têm pra gente do que explicar...).
No dia seguinte cruzei com ela, a Rose, que tomava café na padaria. Ela perguntou o que eu fazia tão cedo ali e eu disse que vinha da fisioterapia que era no prédio ao lado (e na mesma rua do silk). Ela perguntou se eu fazia o tratamento com “aqueles dois rapazes”, eu disse que não, ela perguntou o que eu tinha, eu disse coluna ruim e ela disse que fez um período de reabilitação com os tais dois rapazes que você sabe, né Julia, eu fico muito tempo fazendo as artes lá na loja no computador, eu desenho muito e tive L.E.R sabe? Doía do pulso ao cotovelo, menina, eu tive até cárie porque não conseguia escovar o dente de tanta dor no braço! Ela disse que me daria os contatos dos dois rapazes que eles eram muito bons, eu agradeci (algumas coisas é melhor não discutir pois a conversa pode se estender para além do desejado).
No terceiro dia fui buscar algumas das telas que estavam prontas e ela perguntou se eu tinha ido aos desfiles, eu disse que não, ela me chamou pra ver as fotos de uma marca para a qual ela tinha feito as estampas. Muito orgulhosa e sorridente ela me mostrou diversas imagens do tal desfile e também o release da marca.
No quarto dia, quando fui buscar o restante das telas, ela disse que eu estava bonita e eu disse que deviam ser os efeitos das férias e ela disse que precisava de férias também porque estava muito cansada e tinha que fazer uma cirurgia, que tinha feito uma ano passado e precisava fazer a segunda logo porque você sabe, né Julia? Mulher depois dos 40 tem que tirar o útero porque ele vira foco de infecções e doenças e câncer e além disso que já tenho dois filhos e não quero mais, o problema é que se eu sair daqui pra operar isso aqui pára, né Julia? O meu médico já falou que só me opera se eu ficar um mês em casa de repouso e como é que eu vou ficar um mês em casa de repouso? Só se eu alugar um apartamento aqui em cima no prédio, aí sim!
Lembrei de uma vez em que fui lá, há meses atrás, e a Rose estava com os cabelos penteados como nunca tinha visto. Eu fiz um elogio e ela disse que tinha ido lá naquele salão ali novo em Ipanema, o creme deles é ótimo, você devia ir lá porque olha, o meu cabelo é ruim, né Julia, o seu já é bom, se você usasse o creme deles ia ficar ainda melhor porque solta os cachos, sabe?
Minha mãe, irmã e tia gargalharam quando escutaram essas histórias, junto com as minhas próprias risadas. Minhas amigas fizeram uma cara de “que tipo de conversas são essas que você anda tendo?” e eu fiquei quieta o resto do tempo...
Ficamos horas no telefone hoje e acabei não contando nada disso pra ele. Me dei conta de como ele faz muito mais falta do que parece. Besteira não ter contado. Ele entenderia e eu riria tudo de novo!
No dia seguinte cruzei com ela, a Rose, que tomava café na padaria. Ela perguntou o que eu fazia tão cedo ali e eu disse que vinha da fisioterapia que era no prédio ao lado (e na mesma rua do silk). Ela perguntou se eu fazia o tratamento com “aqueles dois rapazes”, eu disse que não, ela perguntou o que eu tinha, eu disse coluna ruim e ela disse que fez um período de reabilitação com os tais dois rapazes que você sabe, né Julia, eu fico muito tempo fazendo as artes lá na loja no computador, eu desenho muito e tive L.E.R sabe? Doía do pulso ao cotovelo, menina, eu tive até cárie porque não conseguia escovar o dente de tanta dor no braço! Ela disse que me daria os contatos dos dois rapazes que eles eram muito bons, eu agradeci (algumas coisas é melhor não discutir pois a conversa pode se estender para além do desejado).
No terceiro dia fui buscar algumas das telas que estavam prontas e ela perguntou se eu tinha ido aos desfiles, eu disse que não, ela me chamou pra ver as fotos de uma marca para a qual ela tinha feito as estampas. Muito orgulhosa e sorridente ela me mostrou diversas imagens do tal desfile e também o release da marca.
No quarto dia, quando fui buscar o restante das telas, ela disse que eu estava bonita e eu disse que deviam ser os efeitos das férias e ela disse que precisava de férias também porque estava muito cansada e tinha que fazer uma cirurgia, que tinha feito uma ano passado e precisava fazer a segunda logo porque você sabe, né Julia? Mulher depois dos 40 tem que tirar o útero porque ele vira foco de infecções e doenças e câncer e além disso que já tenho dois filhos e não quero mais, o problema é que se eu sair daqui pra operar isso aqui pára, né Julia? O meu médico já falou que só me opera se eu ficar um mês em casa de repouso e como é que eu vou ficar um mês em casa de repouso? Só se eu alugar um apartamento aqui em cima no prédio, aí sim!
Lembrei de uma vez em que fui lá, há meses atrás, e a Rose estava com os cabelos penteados como nunca tinha visto. Eu fiz um elogio e ela disse que tinha ido lá naquele salão ali novo em Ipanema, o creme deles é ótimo, você devia ir lá porque olha, o meu cabelo é ruim, né Julia, o seu já é bom, se você usasse o creme deles ia ficar ainda melhor porque solta os cachos, sabe?
Minha mãe, irmã e tia gargalharam quando escutaram essas histórias, junto com as minhas próprias risadas. Minhas amigas fizeram uma cara de “que tipo de conversas são essas que você anda tendo?” e eu fiquei quieta o resto do tempo...
Ficamos horas no telefone hoje e acabei não contando nada disso pra ele. Me dei conta de como ele faz muito mais falta do que parece. Besteira não ter contado. Ele entenderia e eu riria tudo de novo!
sexta-feira, junho 13, 2008
Para o Bruno
Bruno sempre fica moreno no verão. No inverno também, que ele continua indo à praia com sua manta que roubou do avião fazendo as vezes de canga. O Bruno perto de mim fica ainda mais colorido com toda sua morenice fora de época e diz que eu pareço européia. Eu concordo e ele sorri. Seus olhos não ficam espremidos por causa de seus sorrisos, nunca entendi como ele consegue. Mas se eu fosse o Bruno também sorriria sem apertá-los. O verde dos olhos do Bruno não é encontrado numa cartela Pantone, nem a morenice dele, parece que ele escolheu a dedo cores que ninguém mais no mundo consegue. Bruno acharia graça se soubesse que acho que suas cores são especiais. Mas na verdade engraçado mesmo é ele que fala sobre uma música e a canta em seguida, não sem antes hesitar e dizer “não, não vou cantar, tá tá bem, vou cantar uma parte”. E canta.
Bruno faz um gesto com os braços quando canta, nem deve saber. É como se os afastasse um pouco dando espaço pro peito se encher. Seus olhos verdes olham pra cima quando canta e as sobrancelhas espessas ficam ligeiramente arqueadas. As mãos têm um trejeito também quando ele canta. E a voz fica um pouco mais grave, menos rouca, mais calma. Ou mais serena, sei lá. O resto do tempo quando ele não está cantando ele fala rápido e ansioso.
Bruno diz que eu falo pouco. Mas na verdade é ele quem fala muito. Ele fala muito tudo, ele fala muito “meu irmão”, “pô”, ele fala à beça, ele tem uma necessidade tamanha de falar e às vezes, quando ele se pega tagarelando diz: “eu falo muito, né?”. Eu sorrio e ele concorda. Ele fala com as mãos também e repete sempre alguns movimentos que são tão dele que qualquer outra pessoa que fizesse só me lembraria o Bruno, um movimento com as duas mãos que ele não deve ter reparado tanto quanto eu. Eu gosto de reconhecer o Bruno nesse gestual tão particular, como se além das cores ele tivesse também músculos e ligamentos especiais que dançassem nesse ritmo grave e meio rouco e ansioso da voz que ele tem. O Bruno não deve saber metade dessas coisas que eu sei que ele tem (talvez ele saiba de outra forma).
Bruno diz que ficamos amigos porque insistimos muito, ou cismamos, sei lá. O Bruno perto de mim fica ainda mais meu e eu perto dele fico sempre mais dele, como a gente era da gente quando se via todo dia. Esses detalhes todos do Bruno que eu sei me dão a nítida sensação de que existe um Bruno que só existe comigo e todas as coisas que ele sabe de mim deve fazer com que exista uma eu que só existe com ele. É por isso que até hoje o Bruno e eu sempre voltamos.
Bruno acharia graça se lesse tudo isso que estou escrevendo dele. Mas rir mesmo ele riria se eu dissesse que desde que Santo Antônio resolveu me boicotar que todo dia 12 de junho acordo e penso: hoje é aniversário do Bruno. Talvez até esmagasse um pouco os olhos.
Bruno faz um gesto com os braços quando canta, nem deve saber. É como se os afastasse um pouco dando espaço pro peito se encher. Seus olhos verdes olham pra cima quando canta e as sobrancelhas espessas ficam ligeiramente arqueadas. As mãos têm um trejeito também quando ele canta. E a voz fica um pouco mais grave, menos rouca, mais calma. Ou mais serena, sei lá. O resto do tempo quando ele não está cantando ele fala rápido e ansioso.
Bruno diz que eu falo pouco. Mas na verdade é ele quem fala muito. Ele fala muito tudo, ele fala muito “meu irmão”, “pô”, ele fala à beça, ele tem uma necessidade tamanha de falar e às vezes, quando ele se pega tagarelando diz: “eu falo muito, né?”. Eu sorrio e ele concorda. Ele fala com as mãos também e repete sempre alguns movimentos que são tão dele que qualquer outra pessoa que fizesse só me lembraria o Bruno, um movimento com as duas mãos que ele não deve ter reparado tanto quanto eu. Eu gosto de reconhecer o Bruno nesse gestual tão particular, como se além das cores ele tivesse também músculos e ligamentos especiais que dançassem nesse ritmo grave e meio rouco e ansioso da voz que ele tem. O Bruno não deve saber metade dessas coisas que eu sei que ele tem (talvez ele saiba de outra forma).
Bruno diz que ficamos amigos porque insistimos muito, ou cismamos, sei lá. O Bruno perto de mim fica ainda mais meu e eu perto dele fico sempre mais dele, como a gente era da gente quando se via todo dia. Esses detalhes todos do Bruno que eu sei me dão a nítida sensação de que existe um Bruno que só existe comigo e todas as coisas que ele sabe de mim deve fazer com que exista uma eu que só existe com ele. É por isso que até hoje o Bruno e eu sempre voltamos.
Bruno acharia graça se lesse tudo isso que estou escrevendo dele. Mas rir mesmo ele riria se eu dissesse que desde que Santo Antônio resolveu me boicotar que todo dia 12 de junho acordo e penso: hoje é aniversário do Bruno. Talvez até esmagasse um pouco os olhos.
domingo, junho 08, 2008
Strangeways, here we come *
Peguei tanta chuva que comprei uma toalha, pendurei as roupas num cabide e vesti pijama o resto do dia todo, resto do último dia de trabalho, isso antes de ter que me esconder no banheiro pra ler a carta que ela tinha deixado na minha agenda porque eu sabia que ia chorar e como é que essas coisas mexem tanto com a gente, né?, ela virou uma dessas pessoas doces que só de dizer bom dia já despeja um pouquinho de sol na gente e no outro dia já não ia ter mais ela lá, nem nos próximos, parece dramático contando assim, e deve ser mesmo, mais de um ano nessa rotina e de repente ficam os dias sem ela e sem tudo aquilo que eles tinham durante meses, os dias, quero dizer, e agora os dias são tão o oposto do que eram e ficar aqui é somente o que não era ficar lá e é bom mas toda essa liberdade apavora um pouco, todas essas portas que pode ser que se abram seriam ótimas opções se eu soubesse em que muros elas estão, que casas guardam e como fazer pra chegar perto delas.
É quando vem um nervosismo atrapalhado e uma ansiedade de decidir e resolver, não importa muito o quão definitivas sejam as resoluções,o que importa é te-las porque andar na claridade é sempre melhor que no escuro, mesmo que a luz venha de lanternas que se apagarão, por alguns momentos é preciso ter alguma certeza ou pelo menos achar que tenho uma certeza que me empurre, o excesso de dias sem despertador às vezes dá pânico, a liberdade de repente parece tão assustadora que só o que é preciso é ter pra onde ir, mesmo que depois eu tenha que me mudar e me despedir de novo. Me despedir de novo vai doer de novo. E se acontecer sempre? E se não acontecer mais?
...
No quarto dia achei melhor dar um tempo, abrir a cortina, dormir de novo, dar uma volta, visitar a irmã, ir à praia, mergulhar, ficar com medo das ondas de novo, sentar no banquinho da sorveteria, almoçar comida feita na hora, tirar o pó dos discos, telefonar para os amigos, sair sem carro e sem muita hora pra voltar, não pensar tanto afinal nas portas, preciso primeiro fechar bem as recentes ou pelo menos passar a chave delas adiante, entender o fim das coisas e aproveitar a felicidade de tê-lo providenciado por sobrevivência, por saber que preciso acabar mesmo com isso ou aquilo, mesmo que doa e mesmo que falte ainda o mapa pro próximo porto, um dia vou abri-las, as portas, depois das férias, depois...
* "They said there's too much caffeine in your blood stream and a lack of real spice in your life" - The Smiths
É quando vem um nervosismo atrapalhado e uma ansiedade de decidir e resolver, não importa muito o quão definitivas sejam as resoluções,o que importa é te-las porque andar na claridade é sempre melhor que no escuro, mesmo que a luz venha de lanternas que se apagarão, por alguns momentos é preciso ter alguma certeza ou pelo menos achar que tenho uma certeza que me empurre, o excesso de dias sem despertador às vezes dá pânico, a liberdade de repente parece tão assustadora que só o que é preciso é ter pra onde ir, mesmo que depois eu tenha que me mudar e me despedir de novo. Me despedir de novo vai doer de novo. E se acontecer sempre? E se não acontecer mais?
...
No quarto dia achei melhor dar um tempo, abrir a cortina, dormir de novo, dar uma volta, visitar a irmã, ir à praia, mergulhar, ficar com medo das ondas de novo, sentar no banquinho da sorveteria, almoçar comida feita na hora, tirar o pó dos discos, telefonar para os amigos, sair sem carro e sem muita hora pra voltar, não pensar tanto afinal nas portas, preciso primeiro fechar bem as recentes ou pelo menos passar a chave delas adiante, entender o fim das coisas e aproveitar a felicidade de tê-lo providenciado por sobrevivência, por saber que preciso acabar mesmo com isso ou aquilo, mesmo que doa e mesmo que falte ainda o mapa pro próximo porto, um dia vou abri-las, as portas, depois das férias, depois...
* "They said there's too much caffeine in your blood stream and a lack of real spice in your life" - The Smiths
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