domingo, junho 08, 2008

Strangeways, here we come *

Peguei tanta chuva que comprei uma toalha, pendurei as roupas num cabide e vesti pijama o resto do dia todo, resto do último dia de trabalho, isso antes de ter que me esconder no banheiro pra ler a carta que ela tinha deixado na minha agenda porque eu sabia que ia chorar e como é que essas coisas mexem tanto com a gente, né?, ela virou uma dessas pessoas doces que só de dizer bom dia já despeja um pouquinho de sol na gente e no outro dia já não ia ter mais ela lá, nem nos próximos, parece dramático contando assim, e deve ser mesmo, mais de um ano nessa rotina e de repente ficam os dias sem ela e sem tudo aquilo que eles tinham durante meses, os dias, quero dizer, e agora os dias são tão o oposto do que eram e ficar aqui é somente o que não era ficar lá e é bom mas toda essa liberdade apavora um pouco, todas essas portas que pode ser que se abram seriam ótimas opções se eu soubesse em que muros elas estão, que casas guardam e como fazer pra chegar perto delas.

É quando vem um nervosismo atrapalhado e uma ansiedade de decidir e resolver, não importa muito o quão definitivas sejam as resoluções,o que importa é te-las porque andar na claridade é sempre melhor que no escuro, mesmo que a luz venha de lanternas que se apagarão, por alguns momentos é preciso ter alguma certeza ou pelo menos achar que tenho uma certeza que me empurre, o excesso de dias sem despertador às vezes dá pânico, a liberdade de repente parece tão assustadora que só o que é preciso é ter pra onde ir, mesmo que depois eu tenha que me mudar e me despedir de novo. Me despedir de novo vai doer de novo. E se acontecer sempre? E se não acontecer mais?
...

No quarto dia achei melhor dar um tempo, abrir a cortina, dormir de novo, dar uma volta, visitar a irmã, ir à praia, mergulhar, ficar com medo das ondas de novo, sentar no banquinho da sorveteria, almoçar comida feita na hora, tirar o pó dos discos, telefonar para os amigos, sair sem carro e sem muita hora pra voltar, não pensar tanto afinal nas portas, preciso primeiro fechar bem as recentes ou pelo menos passar a chave delas adiante, entender o fim das coisas e aproveitar a felicidade de tê-lo providenciado por sobrevivência, por saber que preciso acabar mesmo com isso ou aquilo, mesmo que doa e mesmo que falte ainda o mapa pro próximo porto, um dia vou abri-las, as portas, depois das férias, depois...



* "They said there's too much caffeine in your blood stream and a lack of real spice in your life" - The Smiths

4 comentários:

Anônimo disse...

*suspiro*

Os dias tem sido definitivamente menos alegres e menos dignos de uma sitcom americana.

Não tem ninguém que chegue de manhã com roupas tão lindas pra eu elogiar. E as piadas? Essas então estão cada vez mais raras.

A angústia do não saber é grande, aí e cá. Mas assim que eu encontrar uma luzinha de lanterna vou te chamar pra gente dar as mãos e caminhar juntas pelo Rio Comprido, ok?

:**

Anônimo disse...

Lembrou-me "O apanhador no campo de centeio". Através do teu texto meio diário percebe-se uma pessoa muito bonita. Sempre que posso passo por aqui, faz bem.

Julieta disse...

caro/a anônimo/a, obrigada pelo recado, fico feliz que faça bem e espero que continue fazendo a você (e a mim também dividir essas coisas que me acontecem)!

Julieta disse...

e agora que eu não tenho ninguém pra rir das minhas piadas, Rachel?! Elas são abortadas por falta de público. Um horror.