Almoçando com a minha irmã, ela notou que na mesa ao lado uma criança em seus 5 ou 6 anos assistia, enfeitiçada, a um filme num aparelho portátil de dvd. A criança, loira, arco de lacinho no cabelo, estava sentada à mesa com seus pais, que pareciam muito à vontade com o método que descobriram para fazer comportar-se sua filha. A menina era uma estátua resignada que sequer piscava, tão absorvida que estava em seu mundo particular com seus fones de ouvido.
Imediatamente, lembrei-me de um livro que acabara de ler e que, tal qual o filme da criança, me absorveu durante toda uma tarde. O Verão do Chibo, escrito a quatro mãos pela Vanessa Bárbara e pelo Emilio Fraia. Os dois nasceram no mesmo ano que eu. O Verão do Chibo é uma novela narrada por um garoto que é o caçula da turma com quem passa as férias de verão. Embrenhado num milharal, às voltas com colônias de formigas e espionagens secretas de agentes da Rainha da Bulgária, os garotos fazem de seu QG uma casa na árvore e de suas armas balas de goma. Em meio a fantasias e descobertas, as crianças do livro brincam de circo, se sujam na terra e desafiam o mundo tirando casquinhas de machucados antes da hora.
Lendo entrevistas dos jovens autores descobri que eles fazem menção a diversas brincadeiras e jogos que eu e minha irmã também gostávamos: elefantinho colorido, amarelinha, vaca-amarela, esconde-esconde e tantas mais, algumas mais especiais que as outras, algumas que de fato só recordo o nome e cujas regras foram totalmente armazenadas numa parte da cabeça à qual não tenho senha para entrar.
Parte dos motivos pelos quais adorei o livro são estes, estas memórias de infância que todos temos e que cada vez mais visitamos menos. Através do verão dos outros lembrei-me de tantos verões brincando nos gramados das casas na serra e até na praia perto de casa mesmo. Escalar árvores como se fossem montanhas altíssimas, construir castelos onde princesas à prova d’água poderiam morar, rodar até ficar tonta e cair na grama sem machucar, morrer de medo de ser encontrado no esconde-esconde, deixar de ser café com leite, ficar de altos, comer frutas do pé, tomar banho de chuva com direito a xampu. Correr era fácil. Sujar-se era permitido. E ser leve era natural.
É dessa leveza que sinto falta, dos espaços que nos pareciam enormes, das pessoas que nos pareciam gigantes, da luminosidade que nos parecia infinita. Talvez seja saudosismo, ou nostalgia. Desconfio de que a minha geração teve a sorte de ter uma infância pré-tecnologia, tivemos a sorte de conhecer lama, rua de terra, guerra de travesseiro, bonecos e carrinho de rolimã e de poder incluir outras crianças nas brincadeiras. Pudemos extrapolar todos os níveis de nossa imaginação, tínhamos que construir nossos refúgios e não comprá-los prontos em formato digital. É quando fico com pena da criança de lacinho no cabelo, que escreverá sobre o verão em que conseguiu baixar todos os filmes e jogos no seu computador sem a ajuda de ninguém. Com alguma sorte os filmes serão de aventura, mas que jamais serão suas de verdade.
3 comentários:
Ah mas não precisa ser assim não... aqui em casa a gente brinca muito na terra ainda... filho dá trabalho e se for pra ter um robô de lacinho é melhor não arriscar, mas aqui pelo menos ainda tentamos (com sucesso graças!) brincar de corre cutia, vaca amarela e outras do baú da vovó!
Vamos parar de tossir e atualizar isso aqui ?????
Então nem vou te contar sobre as meninas de 11 anos que jantam no Gula Gula sexta à noite e que discutem sobre as carteiras Chanel em detrimento das Burberry.
Juro.
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